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Fernando Guarnieri

PSDB dá último suspiro com Datena após rachas e Bolsonaro

Partido implodiu com lutas internas e hoje sofre para manter alguma relevância em seu ninho político

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Fernando Guarnieri

Professor de ciência política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

[RESUMO] Partido que protagonizou com o PT as lutas políticas no Brasil durante duas décadas, o PSDB entrou em rota de declínio que parece irreversível, abatido pela falta de unidade, pelo narcisismo de suas lideranças e pela ascensão de uma direita ideológica e combativa. Para ter alguma sobrevida em seu próprio berço político, a sigla recorreu novamente a um outsider com visibilidade, o apresentador José Luiz Datena, cuja candidatura para a Prefeitura de São Paulo vem murchando nas pesquisas.

Nas eleições municipais deste ano, o PSDB tentará ressurgir das cinzas. Após anos dividindo o protagonismo eleitoral com o PT, o partido perdeu membros e eleitores até se tornar um coadjuvante na cena política.

A aposta para tentar reverter esse quadro, no entanto, é a mesma tática que tem levado à sua ruína: buscar em outsiders populares o que perdeu em apelo programático. Em 2022, pela primeira vez em sua história, o partido deixou de encabeçar candidatura à Presidência da República e obteve o pior resultado nas eleições para deputado e senador.

Aventou-se a possibilidade de o PSDB, também pela primeira vez, não lançar candidato à Prefeitura de São Paulo neste ano, o que sacramentaria o fim do partido na capital e, talvez, no estado que foi seu bastião eleitoral.

O apresentador de TV José Luiz Datena durante o lançamento de sua pré-candidatura, pelo PSDB, à Prefeitura de São Paulo (pelo PSDB), em junho de 2024 - Folhapress

Essa hipótese era a preferida de uma ala que, apegada ao poder, preferia continuar apoiando o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), mantendo seus cargos e indicações.

Para fazer frente a ela, o grupo dos "históricos", que controla o partido no nível federal e que interveio no diretório municipal, ensaiou a candidatura própria, mas, diante da dificuldade em acordar um nome, decidiu pelo apoio a Tabata Amaral, candidata do PSB, novo partido da mais ilustre das defecções tucanas, o vice-presidente Geraldo Alckmin, que ainda conta com aliados no antigo ninho.

A reação da ala fisiológica foi abandonar o partido. Essa debandada foi acompanhada por aqueles que viam sua sorte eleitoral diminuir com tanta indefinição. Resultado: o PSDB perdeu toda a sua bancada na Câmara dos Vereadores de São Paulo. O partido que havia eleito o prefeito em 2020, Bruno Covas, e a maior bancada de vereadores, junto com o PT, virou pó por conta das brigas internas.

Diante do cenário de terra arrasada, a velha guarda mudou a tática e trouxe, como em 2016 com João Doria, um nome de fora, o apresentador José Luiz Datena.

A esperança é a de, no curto prazo, retomar algumas das cadeiras que perdeu na Câmara dos Vereadores e, se der muita sorte, a prefeitura. No longo prazo, o partido sonha voltar ao protagonismo nacional. Datena, contudo, vem patinando nas pesquisas e já demonstrou desânimo nos eventos de campanha.

Como os tucanos chegaram a essa situação?

A ascensão rápida ao poder fez do PSDB, fundado em 1988, um partido atrofiado, forte em apenas alguns estados. Para sobreviver dependia de alianças e do controle da máquina pública. A coligação com o PFL, hoje União Brasil, garantiu as vitórias de FHC em 1994 e 1998. A Presidência da República possibilitou o crescimento da bancada federal, mais por cooptação de políticos de outros partidos do que por seus próprios quadros.

Nos estados não era diferente —passou de 293 prefeitos, em 1992, para 910 em 1996, grande parte deles migrantes em busca de maior proximidade com o poder.

Instalada no poder antes de se consolidar como partido, a militância tucana se moveu mais por "benefícios particularistas" do que por incentivos programáticos. Controlava o partido quem controlasse a máquina estatal. Esforços de formação política e de construção de uma identidade ideológica ficaram em segundo plano. As disputas internas se davam menos em torno de ideias do que em torno de posições de poder.

Em 1995, a hierarquia e a dinâmica no PSDB estavam claras. FHC ocupava a posição mais alta, a Presidência da República, e lá se manteria até 2002, graças à aprovação da reeleição. O mesmo valia para a segunda camada, a de governadores do partido, onde se destacava Mário Covas, o sucessor natural de FHC. Aos demais governadores caberia a reeleição ou a candidatura ao Senado.

Abaixo havia o "time reserva", onde alguns nomes despontavam, como os de José Serra, Aécio Neves e Geraldo Alckmin. Com o tabuleiro de poder montado, tinham pouca importância os mecanismos formais de resolução de disputas internas. Essas, em geral, eram solucionadas pelos "caciques" em jantares regados com bons vinhos.

As mortes de Franco Montoro, em 1999, e de Covas, em 2001, no entanto, bagunçaram o tabuleiro e, a partir de então, jantares se tornaram insuficientes para evitar que as disputas saíssem das "quatro linhas".

Em 2002, Serra se impõe como candidato, contra a vontade de Tasso Jereissati e FHC, após implodir a aliança com o PFL, usando, segundo seus adversários, meios "pouco republicanos" para isso.

Sem o PFL, Serra tem um péssimo desempenho no Nordeste e perde as eleições. A bancada do partido na Câmara acaba reduzida em 30% entre as disputas de 1998 e 2002.

Em 2006, Alckmin é candidato sem muita oposição, dado que Serra, então prefeito de São Paulo, concorria ao governo do Estado, e Aécio poderia se reeleger governador de Minas Gerais. Derrotado na corrida presidencial, Alckmin concorre à Prefeitura de São Paulo em 2008, mas Serra, governador na ocasião, apoia de forma velada a reeleição de Gilberto Kassab, seu antigo vice, em um aceno ao DEM (ex-PFL). Cria-se, assim, um racha no PSDB paulistano.

Dois anos depois, a Executiva nacional tucana tentou regulamentar as disputas internas aprovando as prévias, uma demanda de Aécio. Criticando a decisão do partido, o jornalista Mauro Chaves escreveu o artigo "Pó pará, governador?", publicado no jornal Estado de S. Paulo, texto interpretado como uma tentativa de insinuar que Aécio fosse usuário de cocaína.

Na época a equipe de Aécio suspeitava que Serra teria encomendado o artigo. A resposta do primeiro veio pela produção de um dossiê que denunciava supostas negociatas, referentes a privatizações, do segundo. Era o racha no PSDB nacional.

Em 2016, mais um forte abalo na sigla. Alckmin, novamente governador de São Paulo, e de olho nas eleições de 2018, queria evitar que Serra emplacasse o candidato à prefeitura da capital. Para isso, apoiou o empresário e outsider João Doria, que acabaria eleito, a contragosto de parte significativa da liderança partidária. Brigas internas, algumas até físicas entre correligionários, noticiadas à exaustão pela imprensa deixavam claro que o racha no partido era irreversível.

Prejudicado pela falta de unidade na cúpula, sem uma estrutura partidária nacional forte, sem um programa bem definido, o PSDB perdeu a capacidade de agregar forças ao seu redor. A bancada na Câmara dos Deputados caiu de 70 eleitos em 2002 para 66 em 2006, 54 em 2010 e 2014, 29 em 2018 e 18 em 2022.

Sem o prestígio de seus fundadores, já não tinha muito a oferecer. Dedicados à luta fratricida, os novos "caciques" buscaram fora do partido figuras de visibilidade para alavancar eleitoralmente seus grupos. Substituíram a ideologia pelo apelo popular —e pagaram um preço alto por isso.

Esses outsiders, como era de se esperar, seguem um projeto político próprio, sem vínculo histórico com a sigla que os acolheu. Algumas vezes não hesitaram em abandonar seus padrinhos políticos. O exemplo mais notório foi o do "Bolsodoria", em 2018, slogan criado por apoiadores de Doria ainda no primeiro turno da disputa presidencial, apesar de Alckmin ser o candidato tucano ao posto.

A ascensão de Bolsonaro, por sinal, concluiu o projeto de implosão em curso. O PSDB deixou de ser a alternativa mais viável contra a esquerda, papel que ocupava desde 1994.

O partido anteviu esse cenário e até tentou esboçar um "bolsonarismo esclarecido", se opondo à descriminalização do aborto em 2010, empregando a polêmica do "kit gay" nas eleições de 2012, pedindo auditoria das urnas eletrônicas e o voto impresso em 2014. Ninguém acreditou nesse transformismo. O resultado foi apenas mais água no moinho da extrema direita.

Em 2022, o projeto nacional foi definitivamente abandonado. Fora não ter candidato à Presidência, o PSDB perdeu seu principal bastião, o governo do Estado de São Paulo. Perdeu, enfim, sua aura, passando a ser visto como mais um partido guiado apenas por interesses individuais.

Embora em frangalhos, o PSDB ainda não morreu. Algumas de suas lideranças controlam bases eleitorais que garantem ao partido alguma bancada no Congresso e, talvez, alguma prefeitura ou governo de estado.

Como o antigo PFL, que virou DEM e depois União Brasil (hoje a terceira maior bancada da Câmara), os tucanos talvez dependam de alguma fusão com outra sigla para sair da UTI. Dificilmente, contudo, voltarão a alçar voo.

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