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Governo de Angola reabilita Odebrecht após prometer romper com passado

Empreiteira conquista novos contratos cinco anos depois de ter confessado pagamento de propina

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São Paulo

Cinco anos após ter confessado o pagamento de propina para autoridades de Angola, a Odebrecht está de volta ao país africano.

O retorno da empreiteira brasileira, protagonista de um dos maiores escândalos de corrupção da história da ex-colônia portuguesa, é emblemático da dificuldade do governo local de mostrar-se diferente do regime anterior.

Obra da usina hidrelétrica de Laúca, em Angola, construída pela empreiteira Odebrecht na década passada - Acervo Odebrecht

Em 2017, o presidente João Lourenço tomou posse, prometendo uma nova era de reformas políticas e econômicas no país de 33 milhões de habitantes, além de medidas duras de combate à corrupção.

As acusações de promiscuidade na relação com empresas, entre elas a Odebrecht, haviam contribuído para o desgaste e queda do regime anterior, comandado por José Eduardo dos Santos desde 1979.

Na era Dos Santos, a empreiteira baiana exercia enorme poder político e econômico, com seus principais diretores tendo livre acesso à entourage presidencial. Era senso comum na capital, Luanda, que a Odebrecht tinha mais influência que a Embaixada do Brasil.

Em dezembro de 2016, alvejada pela Operação Lava Jato, a empreiteira fechou um acordo de leniência com o Departamento de Justiça dos EUA, em que admitiu pagamento de suborno para altos funcionários de diversos países.

Só em Angola, teriam sido US$ 50 milhões (equivalente a cerca de R$ 275 milhões) pagos ilegalmente entre 2006 e 2013, embora suspeite-se que o valor real tenha sido muito maior, dada a relação umbilical da empresa com o regime desde a década de 1980.

Além disso, a Odebrecht também oferecia mimos ao presidente Dos Santos, como bancar parte de suas campanhas eleitorais, conforme revelado pelo casal de publicitários João Santana e Mônica Moura em acordo de delação premiada.

Desde que se tornou peça central no escândalo do petrolão, a empresa vem tentando se reerguer, num processo que envolveu até a mudança de nome da holding do grupo, para Novonor. Esse ressurgimento passa pela obtenção de novas obras em Angola, onde a empresa segue gozando de grande prestígio.

Nos últimos meses, foram dois contratos expressivos assinados, ambos ligados ao setor petrolífero, que responde por mais de 90% das exportações do país.

Em março, a Odebrecht ganhou contrato para as obras de uma refinaria na província de Cabinda, cujo valor total é de US$ 920 milhões (cerca de R$ 5 bilhões). No auge, a instalação terá capacidade para processar 60 mil barris diários de petróleo cru.

Em setembro, a empreiteira foi contemplada com a construção do Terminal Oceânico da Barra do Dande, perto da capital, Luanda, por US$ 548 milhões (cerca de R$ 3 bilhões). A obra terá capacidade para armazenamento de 580 mil metros cúbicos de combustível refinado.

No caso do terminal, a Odebrecht substituiu uma empresa ligada à empresária Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo. Este contrato foi anulado como parte dos esforços do novo governo de passar credibilidade em seus esforços de combater a corrupção.

Lourenço tem buscado se afastar do entorno do ex-presidente, de quem já foi aliado, mas o esforço ainda provoca ceticismo no país.

"O atual presidente rompeu com algumas práticas nocivas de seu antecessor, mas a opinião dominante é que criou as suas próprias práticas. Uma hegemonia política e econômica deu lugar a outra", diz Paulo Inglês, professor de Sociologia e vice-reitor da Universidade Jean Piaget, em Luanda.

Os contratos da Odebrecht foram obtidos por meio de licitação, e a princípio não há nenhum fato que leve a suspeita de direcionamento, ao menos por enquanto.

Mas o professor lembra que em Angola a legislação anticorrupção e as instituições de controle são frágeis e tuteladas pelo Executivo. A própria Odebrecht nunca foi investigada no país em razão da Lava Jato, mesmo tendo confessado os delitos.

"Há uma tradição da presença da Odebrecht em Angola, e uma confiança por parte dos governantes em relação a ela. A empresa tem contatos, conhece a cultura informal, o jeitinho angolano, isso tudo a favorece", diz Inglês.

A empresa ganhou crédito político com os angolanos durante a guerra civil, que começou na independência, em 1975, e só terminou definitivamente em 2002. Mesmo sob risco pessoal para seus trabalhadores e executivos, nunca abandonou o país.

Durante décadas, fez hidrelétricas, obras viárias, shopping centers, conjuntos habitacionais, condomínios de luxo e até administrou uma rede de supermercados no país africano. "A relação da empresa com o governo agora é mais institucionalizada, e Angola também não tem mais tanto poder financeiro como tinha. Aquela realidade não volta", diz Inglês.

Um trunfo da Odebrecht no país sempre foi a qualidade a durabilidade das obras, características que acabavam suplantando outros fatores, como estouros no orçamento.

"A Odebrecht tem uma experiência em infraestrutura que vale muito e pode ser útil para Angola. Mas haveria outros parceiros possíveis nessa área da construção pesada", diz a analista independente Paula Cristina Roque, especializada em Angola.

"Em termos de imagem, não entendo a lógica de o governo contar novamente com uma empresa que viveu uma situação muito escandalosa no país. Não existe uma infraestrutura judicial e política em Angola para que a corrupção que houve no passado não se repita", diz ela, que está lançando o livro "Governing in the Shadows" (governando nas sombras), sobre o opaco aparato do governo angolano.

Lourenço, no ano que vem, deve ser candidato a mais um mandato de cinco anos pelo partido governista MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), que está à frente do país desde a independência.

Com a economia em queda, aumento do endividamento e alta nos índices de pobreza, ele deve enfrentar uma aliança inédita de forças de oposição. O PIB caiu 5,4% no ano passado e deve diminuir mais 0,7% neste ano, segundo o FMI. Para 2022 está previsto crescimento de 2,4%, muito distante dos picos de 15% da primeira década deste século.

"João Lourenço chegou à Presidência com o intuito de fazer uma grande reforma econômica. Intitulou-se o Deng Xiaoping de Angola", afirma Roque, em referência ao líder que transformou a China numa economia de mercado, a partir dos anos 1970.

Mas essa mudança, diz ela, não pode ser feita sem uma grande reforma política, que descentralize o poder, hoje concentrado no Executivo.

"As elites estão presas a uma teia de privilégios, corrupção e clientelismo. O presidente passou de uma fase de encanto, de tentar desmantelar as oligarquias ligadas ao seu antecessor, para uma de realismo, porque o milagre econômico que ele prometeu não se materializou. Mais recentemente, parece ter entrado em uma terceira fase, a da decadência."

A Folha entrou em contato com a Odebrecht e enviou perguntas sobre os contratos obtidos em Angola e os planos futuros. Por meio de sua assessoria de imprensa, a OEC, braço do grupo para a construção civil, afirmou que "adota as mais recomendadas normas de conformidade em seus processos internos e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente".

A empresa disse ainda que recentemente foi finalizada a monitoria independente que era realizada pelo Departamento de Justiça americano e o Ministério Público Federal brasileiro, parte do acordo de leniência. Também menciona ter conquistado certificação internacional ISO 37001 por sua gestão antissuborno.

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