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Descrição de chapéu Guerra na Ucrânia Rússia

Quem é Lavrov, chanceler russo temido e admirado que se tornou pária boicotado na ONU

Ministro comanda diplomacia russa há quase duas décadas e se tornou defensor público da invasão da Ucrânia

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São Paulo

"Você pode dançar com a Rússia e vai até tirar algo disso. Mas com certeza você não consegue dançar tango com Lavrov porque ele não tem autorização para tal", disse em 2017 Rex Tillerson, secretário de Estado americano durante o início do governo Donald Trump, sobre Serguei Lavrov.

Tamanha é a fidelidade do ministro das Relações Exteriores da Rússia a Vladimir Putin que é difícil arrancar qualquer coisa dele sem a anuência do presidente russo, afirmava Tillerson.

Diplomatas deixam plenário da ONU em Genebra em protesto durante discurso do chanceler russo, Serguei Lavrov - Kristoffer Jonsson/Reuters

É isso, afinal, o que segura Lavrov há quase 18 anos, desde que assumiu a diplomacia russa, em 2004 —para ter uma ideia, Tillerson foi só um dos sete secretários de Estado dos EUA a ocupar o posto no período do russo no cargo, de Colin Powell a Antony Blinken, passando por Hillary Clinton e Mike Pompeo.

Nas últimas cinco décadas como diplomata, primeiro pela União Soviética e depois pela Rússia, Lavrov conquistou respeito, poder e dinheiro —e tem visto parte dessa trinca derreter desde que se tornou o responsável por defender mundo afora a invasão russa da Ucrânia, iniciada no dia 24 de fevereiro.

O dinheiro, ao menos por enquanto, está congelado. Um dia depois do início da guerra, União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e Canadá aplicaram sanções contra Lavrov, bem como contra o próprio Putin, com o congelamento de bens. Os dois também estão proibidos de viajar para os EUA.

Mas o episódio mais simbólico desse momento de baixa ocorreu na segunda (28), com uma sequência de constrangimentos. O primeiro foi quando não embarcou para Genebra para participar das reuniões do Conselho de Direitos Humanos da ONU e da Conferência sobre o Desarmamento, que discutiram a guerra.

Ao menos oficialmente, a viagem foi cancelada "devido a uma proibição sem precedentes de seu voo no espaço aéreo de uma série de países da União Europeia, que impuseram sanções contra a Rússia", afirmou a missão russa na ONU. Segundo agências de notícias do país, o secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, até tentou negociar para que o emissário de Moscou pudesse realizar a viagem, sem sucesso.

Lavrov, então, discursou por meio de vídeos gravados, nos quais denunciou a proibição da viagem, segundo ele usada por líderes europeus para "escapar de um diálogo cara a cara, o que eles claramente têm medo".

Mas pouca gente escutou as queixas, já que, nos dois discursos, dezenas de diplomatas se levantaram e deixaram a sala enquanto as gravações eram exibidas, em protesto contra as ações russas na Ucrânia.

A cena era antes impensável para Lavrov, considerado um ás da diplomacia e que, por mais de dez anos, foi embaixador da Rússia nessa mesma ONU, onde costumava ter fama de bom negociador e conversava bem com jornalistas de todo o mundo.

Mas a boa fama foi mudando com o passar dos anos, desde que assumiu o comando da diplomacia russa. Assim como o chefe, Lavrov tem retomado uma certa retórica de Guerra Fria e parece saudoso dos tempos em que a Rússia dava as cartas.

Na quarta (2), por exemplo, disse que uma Terceira Guerra Mundial envolveria armas nucleares e que "é preciso por um fim à arrogante filosofia do Ocidente de se achar superior". Falas assim se repetem com certa frequência.

O chanceler Serguei Lavrov durante reunião em Moscou - 25.fev.22/Ministério das Relações Exteriores da Rússia via Reuters

Nascido em 1950 em Moscou, filho de pai armênio e mãe russa, o ministro é da mesma geração que Putin. Herdou o apelido de "sr. Niet" (sr. não) do chanceler soviético Andrei Gromiko, que ocupou o posto por 28 anos. A brincadeira, disfarçada de crítica, é de que ele só sabe dizer "não" em negociações —e assim tem acumulado vitórias diplomáticas para o Kremlin.

Uma delas aconteceu após a anexação da Crimeia, em 2014. Embora a Rússia tenha sofrido algumas sanções e sido expulsa do G8, a atuação de Lavrov foi considerada bem-sucedida por ter evitado o completo isolamento de Moscou —a guerra atual deixou claro como a retaliação pode ir muito além, com sanções ao próprio presidente, por exemplo.

Além disso, a intervenção militar russa na guerra civil na Síria em apoio ao regime Bashar al-Assad é considerada fundamental na manutenção do ditador no poder, mesmo sob oposição dos EUA.

Também conseguiu angariar aliados de todos os espectros ideológicos para o Kremlin, do apoio explícito do ditador venezuelano, Nicolás Maduro, à simpatia do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.

Mas foi por costumes não muito diplomáticos que Lavrov se tornou pop dentro da Rússia, a ponto de hoje ser possível achar camisetas com seu rosto em lojas de suvenires em Moscou e na internet.

Em 2008, teria usado palavrões em conversa com o então secretário de Relações Exteriores do Reino Unido, David Miliband, segundo a imprensa britânica, numa discussão sobre quem deu início à guerra na Geórgia.

"Quem é você para querer me dar aula, porra?", teria dito Lavrov. Numa época de ânimos menos acirrados, o palavrão dito em conversas diplomáticas de alto escalão pegou mal, e o Kremlin correu para se explicar.

Lavrov parece ter especial implicância com os britânicos. No mês passado, duas semanas antes do começo da guerra na Ucrânia, armou uma pegadinha para a atual chefe da diplomacia britânica, Liz Truss.

Em reunião, perguntou se ela reconhecia a soberania russa em Rostov e Voronezh, que fazem parte da própria Rússia —não há qualquer questão diplomática envolvendo as regiões. Mas a britânica caiu na armadilha e disse que não, que o Reino Unido não reconhecia a soberania russa naquelas áreas.

Foi o bastante para Lavrov ridicularizar a colega e dizer que o Ocidente não entende o conflito na Ucrânia. "Estou honestamente desapontado que tenhamos tido uma conversa entre um mudo e um surdo. Nossas explicações mais detalhadas caíram em solo despreparado", disse ele depois do encontro.

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