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Liz Truss renuncia ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido após 44 dias

Anúncio sucede semanas de fritura após recepção catastrófica aos seus planos para a economia

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São Paulo

Sucessora de Boris Johnson, um primeiro-ministro que se notabilizou pela resistência e que deixou o posto mais pelo acúmulo de controvérsias do que por um caso agudo em particular, Liz Truss deve entrar para a história como o oposto disso.

A primeira-ministra do Reino Unido capitulou nesta quinta-feira (20) à primeira grande crise que atingiu seu governo, cedendo à fritura imposta pela oposição, por seu próprio partido e pela população —oito em dez britânicos a rejeitavam. Um dia depois de se referir a si mesma como "lutadora, não uma pessoa que desiste", Truss anunciou sua renúncia.

"Reconheço que, dadas as circunstâncias, não serei capaz de cumprir as promessas em nome das quais fui eleita pelo Partido Conservador", disse, em pronunciamento realizado em frente ao número 10 da Downing Street, em Londres —residência oficial dos chefes de governo britânicos.

Ela continuará no posto até a escolha do sucessor, que deve ser conhecido na semana que vem, mas mesmo assim seu breve mandato será o mais curto de um primeiro-ministro na história democrática do Reino Unido. Os 44 dias até aqui não superam nem o tempo de campanha que ela enfrentou pela liderança do partido, 55 dias.

O gatilho para a renúncia calhou de ser a aposta de Truss para sua marca no poder: um ousado programa econômico de corte de impostos e novos auxílios, para combater a alta no custo de vida e a crise de energia desencadeadas pela Guerra da Ucrânia —o Reino Unido, ainda sob Boris e com ela na chancelaria, sempre foi vocal apoiador de Kiev.

O plano causou um baque com poucos precedentes no mercado, dividiu o Partido Conservador, levou a baixas na equipe de governo e forçou uma reviravolta, tornando-se por fim um projeto diametralmente oposto. "Quero pedir desculpas por erros que foram cometidos. Fomos longe demais e rápido demais", assumira a primeira-ministra na segunda (17).

Ao informar a renúncia agora, Truss afirmou que a decisão já havia sido comunicada ao rei Charles 3º e que novas eleições no partido devem acontecer na semana que vem, de modo a "garantir o planejamento fiscal e manter a estabilidade econômica e a segurança nacional" do Reino Unido.

Segundo Graham Brady, líder do Comitê 1922 —grupo parlamentar responsável por organizar a eleição entre os conservadores— o novo cabeça do partido pode ser revelado até a próxima sexta (28). Para um país que parece se habituar às reviravoltas, entre os favoritos estão Rishi Sunak, derrotado por Truss em julho e propulsor da renúncia de Boris Johnson, e o próprio Boris.

"Espero que tenha aproveitado o feriado, chefe. É hora de voltar, há assuntos pendentes no gabinete", escreveu o deputado James Duddridge, em referência ao antecessor de Truss.

A repercussão da renúncia da primeira-ministra foi quase imediata. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, agradeceu pelo trabalho dela e disse que pretendia manter a "estreita cooperação" entre os dois países; o francês Emmanuel Macron afirmou sempre se entristecer ao ver uma colega partir.

Algumas reações, porém, penderam para a acidez. Sadiq Khan, prefeito de Londres filiado ao Partido Trabalhista, falando em um evento em Buenos Aires que ele próprio organizou, disse que teria adiantado as preparações se soubesse que elas levariam à demissão de Truss. Maria Zakharova, porta-voz da chancelaria da Rússia, afirmou que "o Reino Unido nunca conheceu desgraça maior como primeira-ministra".

Nas redes sociais, o mandato a jato foi coroado com pitadas de humilhação na transmissão ao vivo promovida pelo tabloide Daily Star: uma espécie de competição entre a sobrevivência política da política e a vida útil de um alface. A insólita vitória do vegetal, de óculos e peruca, foi celebrada com luzes de balada e uma garrafa de prosecco.

O porta-retratos caído ao lado da alface em vias de apodrecer e o discurso de renúncia de 1 minuto e meio são as imagens que ficam nesta quinta de Mary Elizabeth Truss, 47 anos e por 44 dias primeira-ministra.

Nascida em 1975, ela cresceu em Leeds, importante cidade industrial do norte da Inglaterra. Depois de uma criação "em um ambiente bastante de esquerda", aproximou-se dos ideais do Partido Conservador e traçou longa carreira política pela legenda. Antes de chegar ao posto de primeira-ministra, foi ministra de Comércio Internacional e Relações Exteriores com Boris, chefiou as pastas da Justiça e do Tesouro sob Theresa May e a do Ambiente na gestão de David Cameron.

Casada e mãe de duas filhas, era especial admiradora de Margaret Thatcher, a primeira mulher a chefiar o governo britânico —e, com 11 anos de mandato, uma das mais duradouras.

Apesar do breve poder e dos tantos reveses em tão pouco tempo, Truss entrará para a história como a líder que comandou um Reino Unido em luto pela morte da rainha Elizabeth e em festa pela ascensão do rei Charles 3º ao trono —ainda que, em respeito à transição da monarquia, o processo de paralisação de atividades tenha lhe custado semanas preciosas de poder de fato.

Quarta pessoa a assumir o cargo nos 12 anos sob domínio conservador, ao ser empossada em 6 de setembro ela foi responsável pela inédita formação de um gabinete sem homens brancos nos quatro cargos mais importantes.

Por ironia, a saída de dois deles —Kwasi Kwarteng, ministro das Finanças, e Suella Braverman, do Interior— ajudou a acelerar a queda. Ao tentar enfrentar os desdobramentos da Guerra da Ucrânia, maior crise de segurança da Europa desde a 2ª Guerra Mundial, seu programa econômico se tornou um fracasso.

A proposta, a bem da verdade, havia sido anunciada ainda durante a campanha, mas o mercado reagiu mal, temendo consequências da queda de arrecadação fiscal em tempos de alta da inflação puxada pelos custos da energia.

O valor da libra e os preços dos títulos públicos despencaram, forçando o Banco da Inglaterra a intervir. Com a renúncia de Truss nesta quinta, a moeda britânica subiu mais de 1% e recuperou parte do fôlego perdido nas semanas em que chegou a atingir mínimas históricas devido à crise de confiança no governo.

O fiasco econômico também prejudicou sua popularidade: pesquisa do instituto YouGov divulgada dias antes da renúncia indicou que 87% dos britânicos consideravam que a primeira-ministra estava conduzindo mal a economia. Sua desaprovação geral era de 77%, o maior patamar de insatisfação dos últimos 11 anos, e até Boris apresentou imagem menos arranhada: 30% dos britânicos têm boa impressão dele.

Na véspera da renúncia, com o anúncio da saída de Braverman, Truss tinha sido menosprezada ao tentar defender seu governo à beira de um colapso em uma sessão do Parlamento. Antes, assistiu calada a Jeremy Hunt, novo titular das Finanças, a defender a gestão. Tornou-se um zumbi, segundo a imprensa local —uma primeira-ministra com menos poder que seus ministros. Por fim, capitulou.



Premiês britânicos com menor tempo de governo

  • Liz Truss: 44 dias
  • George Canning: 118 dias. O governo do conservador foi interrompido por sua morte, aos 57 anos, possivelmente de pneumonia ou tuberculose, em agosto de 1827.
  • Visconde Goderich: 143 dias. O conservador Frederick Robinson, seu nome verdadeiro, enfrentou crises políticas em 1828 e perdeu a confiança do então rei, George 4º.
  • Andrew Bonar Law: 209 dias. Renunciou em maio de 1923, quando já não conseguia discursar no Parlamento devido a um câncer de garganta. O conservador morreu menos de seis meses depois.
  • Duque de Devonshire: 225 dias. William Cavendish foi líder de um governo provisório e renunciou em junho de 1757; ele era filiado ao Whig, partido que se contrapunha aos conservadores.
  • Conde de Shelburne: 265 dias. William Petty estava no cargo quando a Guerra da Independência dos EUA se encerrou. Filiado ao Whig, renunciou em março de 1783, pressionado pela oposição após brigar com colegas sobre eventuais reformas do país.
  • Conde de Bute: 317 dias. O conservador John Stuart renunciou em 1763, após discussões no próprio partido acerca de taxas de impostos sobre a cidra.

Com Reuters

Erramos: o texto foi alterado

Liz Truss renunciou ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido após 44 dias, não 45, como afirmava incorretamente versão anterior do texto.

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