Era Outra Vez

Literatura infantojuvenil e outras histórias

Era Outra Vez - Bruno Molinero
Bruno Molinero
Descrição de chapéu Livros

É uma bobagem danada achar que criança não lê poesia, diz Leo Cunha

Escritor mineiro celebra 30 anos de carreira com o lançamento de 'O Livro dos Talentos'; leia entrevista

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Ilustração de Natália Gregorini para

Ilustração de Natália Gregorini para 'O Livro dos Talentos', de Leo Cunha, publicado pela editora SM Divulgação

"Existe uma ideia de que criança não gosta de poesia. Mas isso é uma bobagem danada, um papo furado", diz Leo Cunha. "Crianças adoram, sempre viajam nos poemas. O que existe é o professor mal formado. O professor, os pais e os bibliotecários que não leem poesia."

O diagnóstico não é feito só por um escritor que completa três décadas de literatura, com cerca de 80 livros publicados, 20 deles com poemas. É de alguém que vive desde a infância mergulhado numa certa poética da vida.

Leo nasceu Leonardo Antunes Cunha e vive desde cedo cercado de livros. A mãe, Maria Antonieta Cunha, criou em 1979 a livraria infantil Miguilim, em Belo Horizonte. Depois transformada em editora, a casa fez com que Leo tivesse contato ainda jovem com nomes formadores da literatura infantojuvenil brasileira, entre eles Bartolomeu Campos de Queirós, Angela-Lago e Elvira Vigna, por exemplo.

Já seu avô, ferroviário e pai de Maria Antonieta, costumava declamar poemas para o neto, com quem brincava com trava-línguas, piadas e trocadilhos, além de andar sempre com um livro embaixo do braço —uma edição de "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa, romance que leu ininterruptamente nas décadas de 1960 a 1990.

"Ele terminava e recomeçava logo a leitura. Escrevia nas margens, guardava pétalas no meio das páginas, anotava pensamentos, grifava frases", conta Leo. "Foi quando descobri que um livro é interminável."

Retrato do escritor Leo Cunha
Retrato do escritor Leo Cunha, que celebra 30 anos de carreira em 2023 - Fernando Rabelo/Divulgação

Essa atmosfera poética familiar brota agora de sua obra mais recente, mas a partir de outra geração. "O Livro dos Talentos", recém-lançado pela editora SM, é formado por 48 capítulos curtos, como verbetes de almanaque. Nele, conhecemos a história de dois irmãos —um mais novo, o narrador que ainda busca o seu talento e o seu lugar no mundo, e a mais velha, que é admirada pelo caçula.

Com estrutura fragmentada, a obra pode muito bem ser lida fora de ordem. É fácil transitar, se perder, ir e vir até esbarrar em pérolas como o capítulo "Filósofo": "O talento do filósofo é falar baixinho, porque seus pensamentos são muito altos".

"Mesmo que seja fragmentado, existe no fundo um conflito. Acho que, lendo na ordem, você pega melhor essa relação do narrador com a irmã, que é um pouco inspirada na infância dos meus filhos", diz Leo, que, aos 57 anos, é pai de uma filha de 23 e de um filho de 15.

Ilustração de Natália Gregorini para "O Livro dos Talentos", de Leo Cunha, de Leo Cunha
Ilustração de Natália Gregorini para 'O Livro dos Talentos' - Divulgação

Ao longo da trama, o garoto investiga a sua vocação de cientista, assombra-se com a habilidade da irmã de conter um enxame de abelhas, sonha em ser anjo, múmia, marciano, robô, cigano, fulano. E, junto a tudo isso, homenageia nas entrelinhas o próprio livro e a literatura.

Tanto que um dos capítulos é dedicado aos poetas. Outro, aos bibliotecários. Há ainda atenção para dicionaristas, jornalistas e tradutores, que são definidos assim: "Traduzir é como fazer café. Você pega um texto e o derrama no filtro. As ideias passam, quentinhas, pro outro lado, mas a língua, mesmo, fica".

É justamente essa aproximação entre o poético e o narrativo, entre a imagem e a ação, que vem definindo a obra do autor nos últimos anos. "Venho gostando de usar a poesia como gancho para pequenos textos de prosa. É como se a poética fosse o ponto de partida que leva à narrativa."

Mas isso não seria um jeito de tentar driblar a resistência de leitores, professores e editores em relação à poesia e transformar a obra em algo mais palatável comercialmente?

"O poema ainda sofre uma resistência maior do que a prosa em escolas, editoras e livrarias. Se eu tivesse apresentado esse mesmo 'O Livro dos Talentos' em versos, tenho a sensação de que ele teria dificuldade maior na recepção."

Mas Leo sublinha que essa objeção é coisa de adulto. "A infância é poética. A poesia está na cantiga de roda, na cantiga de ninar, na parlenda, no trocadilho, nas adivinhas, no trava-língua", diz.

"Foi o tradicionalismo da educação que inventou a pecha de que a poesia é só lírica e romântica —e, portanto, fora do interesse da infância, porque não é divertida ou porque é difícil. Mas esse tipo é só uma fatiazinha da produção. A poesia é muito, muito mais."

O Livro dos Talentos

  • Preço R$ 75 (72 págs.)
  • Autoria Leo Cunha e Natália Gregorini
  • Editora SM

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