Antes de conversar sobre a candidatura de Mauricio de Sousa para a Academia Brasileira de Letras, vale primeiro jogar luz sobre um número. Segundo a última pesquisa Painel do Varejo de Livros no Brasil, feita pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros e pela Nielsen Bookscan, os títulos infantis, juvenis e educacionais foram responsáveis por 32,43% de todo o faturamento do mercado editorial do país em fevereiro.
No consolidado do ano passado, esse número ficou em 21,14%. De qualquer forma, o universo das obras para crianças e adolescentes vende muito no Brasil e tem um volume maior ainda —basta entrar em qualquer livraria para ter noção da avalanche de lançamentos.
Mas, apesar de abocanhar fatia relevante dessa brincadeira, quantos de seus autores estão na Academia Brasileira de Letras e participam dos famosos chás da instituição? A resposta parece piada: apenas um. Só Ana Maria Machado.
A escritora, vencedora em 2000 do prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantojuvenil, é a atual titular da cadeira número um da ABL, tendo sido eleita em 2003.
A distorção não está relacionada somente à distância entre representatividade e faturamento ou volume de títulos e exemplares impressos. Está ligada também à importância que a literatura infantojuvenil brasileira conquistou há décadas e ao respeito internacional que ela adquiriu. O Brasil é um celeiro de autores e ilustradores respeitados, vencedores dos principais prêmios nacionais e mundiais.
Além de Ana Maria Machado, por exemplo, a escritora Lygia Bojunga e o ilustrador Roger Mello também ganharam o Andersen —para ter ideia da importância disso, a América Latina só tem mais um troféu, conquistado pela argentina María Teresa Andruetto, em 2012.
Nesse sentido, a eleição de Mauricio de Sousa no próximo dia 27 de abril para se tornar um dos 40 membros da Academia é uma reparação histórica ao livro infantojuvenil e uma forma de tentar diminuir o fosso de sub-representação desse gênero no clube criado por Machado de Assis.
Monteiro Lobato, embora ainda estivesse engatinhando na sua obra infantil e na criação do Sítio do Picapau Amarelo, candidatou-se à ABL em 1922, mas logo se retirou da disputa. Em 1926, tentou mais uma vez ser aceito pelos ditos imortais, mas perdeu a corrida pela cadeira número 11 para Adelmar Tavares, futuro presidente do Tribunal de Justiça.
Ziraldo é outro que se candidatou mais de uma vez. O pai do Menino Maluquinho desistiu da eleição em 2006 para apoiar o bibliófilo José Mindlin e perdeu a concorrência em 2008 para Luiz Paulo Horta, escolhido naquele ano para a cadeira número 23.
Mas há vários outros nomes da literatura infantojuvenil que poderiam estar na ABL. Entre os que continuam produzindo, há, é claro, Lygia Bojunga. Mas como não falar de Ruth Rocha, Ricardo Azevedo, Marina Colasanti, Eva Furnari, Pedro Bandeira e a professora Marisa Lajolo?
Entre os que já morreram, a Academia perdeu a oportunidade de ter entre seus membros o próprio Lobato, mas também Bartolomeu Campos de Queirós, Tatiana Belinky, Angela-Lago e João Carlos Marinho. Eles se somam a injustiças históricas, como as ausências de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Rubem Braga e tantos outros que não vestiram o famoso fardão nem participaram dos convescotes.
É possível argumentar que a obra de Mauricio de Sousa e a Turma da Mônica não apresentam lapidação literária, aprofundamento de linguagem, ruptura estética e outros quesitos que alçariam seus gibis e livros ao posto de cânone, como fizeram muitos dos autores citados acima. Concordo. Mas é bom lembrar que a Academia Brasileira de Letras não é bem de letras.
Desde a sua fundação, em 1897, a instituição é um clube de notáveis. Entre os acadêmicos atuais, o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho e o ex-presidente José Sarney, por exemplo, não são conhecidos por qualquer impacto nos rumos da literatura brasileira. Mesmo acadêmicos como o cineasta Cacá Diegues e a atriz Fernanda Montenegro não têm bibliografia nem são autores de livros por excelência.
Historicamente, fizeram parte da ABL personalidades tão alheias ao universo literário como o aviador Santos Dumont, os médicos Osvaldo Cruz e Miguel Couto, o ex-presidente Getúlio Vargas e os empresários de mídia Assis Chateaubriand e Roberto Marinho.
Mauricio de Sousa está mais próximo da literatura do que essas pessoas. O cartunista ainda se encaixa num movimento recente da própria instituição, que tenta se popularizar e fazer com que os imortais fiquem mais próximos dos mortais. Isso ajuda a explicar as escolhas pelos já citados Cacá Diegues e Fernanda Montenegro, mas também a de Gilberto Gil.
Além disso, o estatuto da instituição afirma que a Academia Brasileira de Letras "tem por fim a cultura da língua e da literatura nacional". Ora, é impossível fazer isso sem ter pessoas que leiam e comprem livros. E, nesse aspecto, Mauricio de Sousa fez mais pela formação de leitores no Brasil do que a própria ABL.
Ao vivo
Falei mais sobre a candidatura de Mauricio de Sousa para a ABL no Como é que é?, programa ao vivo da TV Folha, nesta segunda (27). O papo com a Isabella Faria pode ser visto na íntegra no vídeo abaixo.
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