Era Outra Vez

Literatura infantojuvenil e outras histórias

Era Outra Vez - Bruno Molinero
Bruno Molinero
Descrição de chapéu
Livros quadrinhos

Mauricio de Sousa na ABL é reparação histórica ao livro infantil

Produção para crianças e jovens sempre foi escanteada na Academia Brasileira de Letras, apesar da importância

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Antes de conversar sobre a candidatura de Mauricio de Sousa para a Academia Brasileira de Letras, vale primeiro jogar luz sobre um número. Segundo a última pesquisa Painel do Varejo de Livros no Brasil, feita pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros e pela Nielsen Bookscan, os títulos infantis, juvenis e educacionais foram responsáveis por 32,43% de todo o faturamento do mercado editorial do país em fevereiro.

No consolidado do ano passado, esse número ficou em 21,14%. De qualquer forma, o universo das obras para crianças e adolescentes vende muito no Brasil e tem um volume maior ainda —basta entrar em qualquer livraria para ter noção da avalanche de lançamentos.

Mauricio de Sousa, que tenta uma vaga na Academia Brasileira de Letras, com o boneco Horácio
Mauricio de Sousa, que tenta uma vaga na Academia Brasileira de Letras, com o boneco Horácio - Eduardo Knapp/Folhapress

Mas, apesar de abocanhar fatia relevante dessa brincadeira, quantos de seus autores estão na Academia Brasileira de Letras e participam dos famosos chás da instituição? A resposta parece piada: apenas um. Só Ana Maria Machado.

A escritora, vencedora em 2000 do prêmio Hans Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infantojuvenil, é a atual titular da cadeira número um da ABL, tendo sido eleita em 2003.

A distorção não está relacionada somente à distância entre representatividade e faturamento ou volume de títulos e exemplares impressos. Está ligada também à importância que a literatura infantojuvenil brasileira conquistou há décadas e ao respeito internacional que ela adquiriu. O Brasil é um celeiro de autores e ilustradores respeitados, vencedores dos principais prêmios nacionais e mundiais.

Além de Ana Maria Machado, por exemplo, a escritora Lygia Bojunga e o ilustrador Roger Mello também ganharam o Andersen —para ter ideia da importância disso, a América Latina só tem mais um troféu, conquistado pela argentina María Teresa Andruetto, em 2012.

Nesse sentido, a eleição de Mauricio de Sousa no próximo dia 27 de abril para se tornar um dos 40 membros da Academia é uma reparação histórica ao livro infantojuvenil e uma forma de tentar diminuir o fosso de sub-representação desse gênero no clube criado por Machado de Assis.

Monteiro Lobato, embora ainda estivesse engatinhando na sua obra infantil e na criação do Sítio do Picapau Amarelo, candidatou-se à ABL em 1922, mas logo se retirou da disputa. Em 1926, tentou mais uma vez ser aceito pelos ditos imortais, mas perdeu a corrida pela cadeira número 11 para Adelmar Tavares, futuro presidente do Tribunal de Justiça.

Ziraldo é outro que se candidatou mais de uma vez. O pai do Menino Maluquinho desistiu da eleição em 2006 para apoiar o bibliófilo José Mindlin e perdeu a concorrência em 2008 para Luiz Paulo Horta, escolhido naquele ano para a cadeira número 23.

Mas há vários outros nomes da literatura infantojuvenil que poderiam estar na ABL. Entre os que continuam produzindo, há, é claro, Lygia Bojunga. Mas como não falar de Ruth Rocha, Ricardo Azevedo, Marina Colasanti, Eva Furnari, Pedro Bandeira e a professora Marisa Lajolo?

Entre os que já morreram, a Academia perdeu a oportunidade de ter entre seus membros o próprio Lobato, mas também Bartolomeu Campos de Queirós, Tatiana Belinky, Angela-Lago e João Carlos Marinho. Eles se somam a injustiças históricas, como as ausências de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Rubem Braga e tantos outros que não vestiram o famoso fardão nem participaram dos convescotes.

É possível argumentar que a obra de Mauricio de Sousa e a Turma da Mônica não apresentam lapidação literária, aprofundamento de linguagem, ruptura estética e outros quesitos que alçariam seus gibis e livros ao posto de cânone, como fizeram muitos dos autores citados acima. Concordo. Mas é bom lembrar que a Academia Brasileira de Letras não é bem de letras.

Desde a sua fundação, em 1897, a instituição é um clube de notáveis. Entre os acadêmicos atuais, o neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho e o ex-presidente José Sarney, por exemplo, não são conhecidos por qualquer impacto nos rumos da literatura brasileira. Mesmo acadêmicos como o cineasta Cacá Diegues e a atriz Fernanda Montenegro não têm bibliografia nem são autores de livros por excelência.

Historicamente, fizeram parte da ABL personalidades tão alheias ao universo literário como o aviador Santos Dumont, os médicos Osvaldo Cruz e Miguel Couto, o ex-presidente Getúlio Vargas e os empresários de mídia Assis Chateaubriand e Roberto Marinho.

Mauricio de Sousa está mais próximo da literatura do que essas pessoas. O cartunista ainda se encaixa num movimento recente da própria instituição, que tenta se popularizar e fazer com que os imortais fiquem mais próximos dos mortais. Isso ajuda a explicar as escolhas pelos já citados Cacá Diegues e Fernanda Montenegro, mas também a de Gilberto Gil.

Além disso, o estatuto da instituição afirma que a Academia Brasileira de Letras "tem por fim a cultura da língua e da literatura nacional". Ora, é impossível fazer isso sem ter pessoas que leiam e comprem livros. E, nesse aspecto, Mauricio de Sousa fez mais pela formação de leitores no Brasil do que a própria ABL.

Ao vivo

Falei mais sobre a candidatura de Mauricio de Sousa para a ABL no Como é que é?, programa ao vivo da TV Folha, nesta segunda (27). O papo com a Isabella Faria pode ser visto na íntegra no vídeo abaixo.

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