Alexandra Forbes

Jornalista, escreve sobre gastronomia e vinhos há mais de 20 anos. É cofundadora do projeto social Refettorio Gastromotiva e autora de livros de receitas.

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O churrasco já deu o que tinha que dar

É 'tomahawk' para cá, BBQ para lá... Quando foi que nossa paixão nacional virou febre midiática?

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Em 2014, eu estava muito interessada em fazer televisão, então fui fazer um estágio com o chef argentino Francis Mallmann. Melhor do que ele, nem o Gordon Ramsay: há mais de 20 anos Mallmann exibe em canais latinos inspiradores programas de receitas filmados em cenários fantásticos.

Fui com tudo: aterrissei em Bariloche e tive que montar na garupa de uma “motoneve” para conseguir chegar até o set. Ficava no cume de uma montanha nos Andes argentinos onde o vento assoviava sem piedade e fazia oito graus abaixo de zero.

Dormi enrolada em peles no chão de uma casa de mentira, feita de compensado mas lindamente decorada, brasas crepitando num fogãozinho de ferro fundido. No dia, passei horas assistindo a incontáveis "takes" dele grelhando carnes sobre uma fogueira no meio da neve. Foram três dias de gelo e fogo, vendo o time filmar meu amigo churrasqueiro sexy. A sensação era um mix de expedição caubói em versão nevada com anúncio da Polo Ralph Lauren, tudo lindo e de bom gosto.

“Uau!”, eu pensei. “Genial a estratégia do Mallmann de virar as costas para suas raízes na gastronomia clássica e apostar tudo na cozinha 'de fuegos'”. Naquele tempo, eu ainda não sabia, mas ele viria a se popularizar pouco depois, o chamado varal.

Trata-se de uma estrutura feita de varas de ferro fincadas no chão formando um círculo e entrecruzadas no alto, uma espécie de gaiola de onde pendem, presos a arames, ingredientes como peças inteiras de boi, frangos e abacaxis. No centro do círculo acende-se uma fogueira e as brasas vão assando, "despacito", as comidas que estão penduradas acima, dando um gostinho de fumaça no processo.

Ele não inventou o varal –é uma técnica tradicional de Córdoba, na Argentina– mas fez com que viralizasse nas mídias sociais, e, de lá, churrasqueiros pegaram a ideia “emprestada”. Pesquise "varal churrasco" no Google, são mais de 2 milhões de resultados. Teve até quem lançasse um tal de “varal pantaneiro” em Campo Grande.

Com o perdão do trocadilho, de tão copiado que foi, o varal virou carne de vaca. Mas não só o varal: hoje se encontra  um especialista em churrasco a cada esquina.

 
Os "neochurrasqueiros" brasileiros, além de terem uma preferência por aventais de couro e açougues (butiques de carne, melhor) com as partes do boi ilustradas numa lousa, como fazem em Nova York, amam falar inglês.
 

Certas partes do boi ficaram muito mais chiques rebatizadas de "tomahawk" e "t-bone" e ocasiões em que a coisa só rola se houver um "pit" (churrasqueira americana cilíndrica). Aprenda: no BBQ [barbecue, que significa churrasco, em inglês] que a gente faz para os amigos não existe mais contrafilé. O certo é chamar de "bife de chorizo", o "z" pronunciado com a língua nos dentes e soltando ventinho. Repita comigo: chorissssso!

Em 2016, o chef Carlos Bertolazzi –até então mais conhecido por sua receita de nhoque– virou apresentador do reality BBQ Brasil, no SBT. Dividiu o papel com Rogério de Betti, um paulistano que largou o mercado financeiro para virar açougueiro. Seu sobrenome era Betti até ele resolver mudá-lo para ficar mais parecido com o de Bragga, nome do famoso clã de açougueiros nova-iorquinos.

No ano seguinte, foi a vez do carioca Felipe Bronze lançar o Perto do Fogo, na GNT. Bronze está há anos enamorado do fogo. Em seu restaurante Oro, no Leblon, quase todos os pratos do menu passam por brasas.

Semana passada o BBQ Mix, em Goiânia, conquistou um prêmio Guinness por ser o maior festival de carne churrasqueada do mundo. Foram servidas 23 mil porções! Ganharam em gigantismo até do megaevento Churrascada, que em sua última edição, em São Paulo, serviu em dois dias vários diferentes churrascos (ou seria BBQ?) preparados por 70 chefs vindos de 12 países para milhares de pessoas.

Churrasco virou "big business", como diriam os mestres da brasa. A indústria de carnes patrocina eventos e programas e tem até youtuber vivendo disso e monetizando seus vídeos de receitas.

E que ninguém pense que eu sou do contra: além de carnívora ferrenha, acredito que um bifão sempre ficará mais gostoso assado na brasa do que frito na frigideira. Só queria que o BBQ voltasse a se chamar churrasco e que os programas de TV trocassem o disco, porque esse já cansou.

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