Becky S. Korich

Advogada, escritora e dramaturga, é autora de 'Caos e Amor'

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Descrição de chapéu Folhajus

No flá-flu de Xandão e Musk, quem perde somos nós

Polarização nos desvia da análise honesta sobre um assunto tão relevante, que pode corroer a democracia já tão ameaçada do nosso país

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A discussão sobre liberdade de expressão e censura, tema mais do que recorrente, voltou à cena depois de o escritor norte-americano Michael Shellenberger ter declarado que o Brasil está envolvido em "um caso de ampla repressão da liberdade de expressão".

Segundo seu relatório, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Alexandre de Moraes, teria pedido ao X (antigo Twitter) que interviesse em publicações, exigido a suspensão de contas, pedido o 'shadowbanning' de publicações (bloqueio no desempenho) e o acesso a detalhes pessoais de usuários que publicaram hashtags conspiratórios.

O empresário Elon Musk, dono da rede social X (antigo Twitter) e presidente-executivo da Tesla, em evento em Paris - Gonzalo Fuentes - 16.jun.2023/Reuters

Elon Musk entrou no páreo, prometeu descumprir as ordens judiciais e levantar todas as restrições que violam as diretrizes da plataforma, ameaçando tirar o X do Brasil mesmo que perdesse dinheiro. "Os princípios importam mais que o lucro", afirmou ele.

O movimento natural foi imediato: metade das pessoas correu em defesa do ministro do STF tentando legitimar os seus atos, e a outra metade apoiou religiosamente o guru Musk. Todos movidos unicamente pelo identitarismo. Sabemos que ninguém é santo nessa briga por controle e autoritarismo, cujos antagonistas dizem defender a mesma coisa. Quem perde? Todos nós, imbecilizados pela polarização que nos desvia da análise honesta sobre um assunto tão relevante, que pode corroer a democracia já tão ameaçada do nosso país.

Qualquer censura imposta, arbitrariamente, por algum membro do STF é ilegal. As acusações contra o ministro são graves.

Musk, por outro lado, que se declara um "absolutista da liberdade de expressão", não tem essa lisura toda, ele mesmo já suspendeu em 2022 contas de jornalistas e perfis que rastreavam aviões de agências governamentais e de outras pessoas públicas, incluindo seus jatinhos particulares ("You doxx, you get suspended" —'você revela informações privadas de uma pessoa online, você é suspenso', em português). Isso prova que defender a causa não significa escolher um lado ou outro.

Como cidadã, volto à pergunta clássica: qual é o limite da liberdade de expressão e censura? Sou do princípio de que nada se resolve com censura. A censura esconde, mascara, mas não elimina. A única forma de se combater a desinformação é com uma educação eficiente que capacite as pessoas a distinguirem uma informação qualificada de uma não qualificada, sem precisar interditar o debate através da censura.

Por outro lado, a incitação ao ódio não pode correr livre. Discursos que são constitutivamente antidemocráticos, que tenham cunhos racistas, misóginos, antissemitas e homofóbicos, entre outros, não podem ser acobertados pela liberdade de expressão.

De acordo com a lei brasileira, a liberdade de expressão não é um direito absoluto, prevalecendo sobre ele o direito constitucional de que todos devem ser tratados iguais, independentemente da cor, sexualidade, religião, etnia e gênero.

Quando se trata de redes sociais, a própria palavra "censura" é censurada, e substituída por eufemismos como "moderação de conteúdo", "controle social de mídia", "regulação dos meios de comunicação", "experimentações regulatórias".

Só que não existe censura relativa: quando as medidas aplicadas para restringir a liberdade de expressão não guardam proporção com a natureza do ato em questão, a censura se configura. Se, por um lado, o Estado democrático de direito só é garantido com liberdade de expressão, a ordem nacional só é garantida desde que essa liberdade não atropele princípios da preservação à dignidade humana, como a não incitação à violência, não difamação, respeito à privacidade, à honra e à imagem. Se a liberdade de expressão, garantida pela democracia, é usada de forma ilegítima e violenta, ela ameaça a própria democracia.

A questão não é nada simples e envolve muitos aspectos subjetivos. Por isso, é mais do que urgente a regulação das redes, para que questões como essas não sejam arbitrariamente decididas e se garanta que eventuais restrições sejam aplicadas apenas quando ameaçarem, de fato, a segurança nacional e o interesse público. A restrição das liberdades individuais só se justifica quando servir como meio de proteção aos cidadãos, mas nunca para calar vozes politicamente dissonantes.

Se deixarmos o identitarismo atormentar e obscurecer a análise crítica sobre o tema, acabaremos nos tornando, ainda que inadvertidamente, agentes da interdição do tão necessário debate democrático.

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