Aconteceu 15 anos atrás, me lembro como se fosse hoje. Motivada por colegas de piscina, topei o desafio de fazer uma travessia de três quilômetros em mar aberto. Me juntei à equipe, como o grupo orgulhosamente se intitulava, e fomos juntos a uma praia do litoral norte de São Paulo uma noite antes da prova. Eu era a única novata, apesar de ser a mais velha de todos.
Levei uma mochilinha com protetor solar, maiô, touca e óculos de natação, além do pijama, escova de dentes e carregador de celular. Era tudo que eu precisava. Meus colegas levavam aquelas bolsas de atletas e transportavam suplementos para reposição energética, toalha especial de secagem rápida, creme antiatrito, óculos de natação, óculos reserva, touca, touca reserva, além de nadadeira, palmar e roupa de borracha "para os treinos".
Treinos? Minha ideia era passar um domingo tranquilo, tomar sol, sorvete, água de coco, nadar os três km e me largar na areia. Mas descobri que a coisa era mais séria, ou melhor, que as pessoas é que se levavam muito a sério. Gostavam de ser chamados de atletas, de se portar como atletas, de se alimentar como atletas. Fui ficando tensa e deslocada. Mas já estava lá, não podia amarelar.
Alguns minutos antes da prova, os organizadores nos mostraram o mapa do percurso e escreveram com uma caneta à prova d’água números nos nossos braços para nos identificar. Enquanto esperávamos a largada, eu tentava fazer amizade com outras participantes. Fui ostensivamente ignorada, percebi que, na cabeça delas, éramos todas rivais e competidoras. Não tinha nenhuma Simone Biles, Rebeca Andrade e Bia Souza para ensinar a elas o melhor espírito do esporte.
Elas estavam tensas. Balançavam os braços e movimentavam os pescoços para se aquecer. Eu imitava. Três, dois, um, toca o apito. Todas saem correndo, feito uma manada de consumidores na abertura de lojas de departamento na Black Friday.
Nas primeiras braçadas recebi chutes, socos, cotoveladas e joelhadas, como se estivesse em uma prova de taekwondo aquático. Foi nessa hora que me caiu a ficha, era essa a regra do jogo. Devolvi os golpes, e segui em frente. Quinhentos metros, 800 metros, as cabeças foram diminuindo.
No meio do percurso, foi sobrando eu e outras retardatárias. Faltavam 1.500 metros e eu me perguntava por que tinha me metido naquela encrenca. Eu tinha duas opções: boiar e deixar que a maré me levasse para onde ela quisesse, ou continuar com as braçadas de volta à terra firme. Achei mais prudente a segunda opção.
Foi exatamente nessa hora que parei de sofrer e recuperei o prazer de nadar. Não me lembrava mais dos chutes, da minha "equipe", da obrigação de terminar a prova. Era só eu, algumas toucas, um cenário lindo, o céu azul, alguns peixinhos e o balanço do mar. Agora sim, eu era uma atleta amadora, que amava o que fazia.
Completei a prova e cheguei zen às areias. As outras "atletas", ansiosas, já estavam secas.
Surpresa! Segundo lugar. Como assim? Fui uma das últimas a chegar. Conferi e confirmei. Segundo lugar: entre três competidoras da minha categoria por idade.
Subi no pódio, recebi a medalha prateada, tirei fotos –só não mordi a medalha porque não me senti vencedora de ninguém além de mim mesma.
Fui a segunda melhor das três piores.
O primeiro pódio a gente nunca esquece.
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