A falta de movimento vitima cerca de 5 milhões de vidas anualmente ao redor do globo. Daí a assertiva recomendação para fugir da inatividade e do sedentarismo.
E nessa empreitada —como ensinam os principais guias especializados— toda atividade conta. No lazer, esporte, deslocamento ou lar, temos a oportunidade de acumular movimento, o que nos rende chances maiores de uma vida longeva e livre de doenças crônicas.
Mas o cenário muda de figura quando falamos da atividade física ocupacional, ou seja, aquela realizada na forma de trabalho.
Enquanto as atividades físicas realizadas em nosso tempo livre trazem incontáveis benefícios à saúde, as laborais aumentam os riscos de doenças cardíacas e transtornos mentais, baixa qualidade do sono e mortalidade (ao menos em homens). Chamamos essa contradição de paradoxo da atividade física.
O fenômeno ainda é pouco estudado e merece, de cara, algumas ressalvas. Boa parte dos estudos que associa a prática de atividade física ocupacional a malefícios à saúde possui baixa qualidade metodológica. Isso porque nem sempre os pesquisadores consideram em suas análises variáveis que confundem a interpretação dos achados.
Sabemos, por exemplo, que trabalhadores braçais estão sujeitos a inúmeras precariedades econômicas, sanitárias, educacionais e ambientais. É plausível especular que essas condições subótimas de vida —e menos a atividade física ocupacional em si— poderiam explicar melhor os agravos de saúde enfrentados por esse grupo.
Não obstante, há boas evidências que respaldam o paradoxo da atividade física. Uma delas vem de um estudo com faxineiros dinamarqueses.
Participantes de ambos os sexos foram sorteados para realizar meia hora de exercícios aeróbios por duas vezes na semana, ou para compor um grupo controle não exercitado.
Após quatro meses, a intervenção melhorou a capacidade cardiopulmonar dos faxineiros, como se antevia. Entretanto, os que treinaram apresentaram, inesperadamente, um aumento da pressão arterial sistólica. A resposta negativa ao treinamento fez com que os pesquisadores recomendassem prudência na prescrição de exercícios a trabalhadores já exauridos pelo esforço laboral.
Ainda não está completamente esclarecido por que a atividade física ocupacional seria prejudicial à saúde. Porém, estudos indicam que esse tipo de atividade poderia provocar elevações na pressão arterial e na frequência cardíaca de 24 horas, bem como em marcadores inflamatórios. Além disso, trabalhadores extenuados aderem menos a atividades mais intensas durante o lazer e, portanto, exibem um menor condicionamento aeróbio. Todos esses fatores são reconhecidamente relacionados ao aumento do risco cardiovascular.
Tanto pior quando o trabalho possui jornadas longas, envolve levantamentos repetitivos de cargas, expõe a intempéries climáticas (poluição, alta temperatura, baixa umidade) e não permite pausas adequadas para recuperação física, alimentação e hidratação. E se, além disso, o trabalhador braçal é acometido por alguma doença crônica —sendo este o caso da maioria dos brasileiros—, o risco se amplifica consideravelmente.
Ao olhar mais rasteiro, soa benigna a ativa rotina laboral de ambulantes, vigilantes, entregadores, trabalhadores rurais, garçons, operários da construção civil, empregadas domésticas e outros braçais brasileiros. Ao que sabemos, porém, funções precárias combinadas a jornadas fatigantes costumam forjar mentes e corpos adoecidos. A quem pode, o paliativo seria trocar atividades ocupacionais por outras de lazer. Mas quem pode?
Eis o paradoxo da atividade física. Mas bem poderia ser o do neoliberalismo.
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