Charles M. Blow

Colunista do New York Times desde 2008 e comentarista da rede MSNBC, é autor de “Fire Shut Up in My Bones"

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Charles M. Blow

Republicanos dobram aposta em estratégia trumpista para investigar investigadores

Foi o ex-presidente, não Biden, quem tentou instrumentalizar o governo federal contra seus inimigos

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The New York Times

Os republicanos decidiram perseguir os investigadores.

Cientes de que não têm como tirá-los do rastro de muitos conservadores —incluindo, e talvez principalmente, Donald Trump—, eles decidiram complicar as investigações, levantando tanta poeira que o público tem dificuldade em diferenciar fatos de ficção.

Nesta semana, republicanos na Câmara dos Representantes agiram prontamente para aprovar a formação da chamada Subcomissão Selecionada sobre a Instrumentalização do Governo Federal, que se pretende investigar agências que, segundo a versão deles, vêm lançando ataques direcionados a conservadores.

O deputado Kevin McCarthy observa o então presidente Donald Trump em evento no Salão Oval, na Casa Branca, em 2017 - Carlos Barria - 2.nov.17/Reuters

Como definiu reportagem do jornal The New York Times, "o painel tem alcance tão amplo que pode converter-se no principal instrumento dos republicanos para atacar a administração Biden, potencialmente provocando confrontos sobre acesso a informações altamente confidenciais e detalhes de inquéritos criminais".

Mas que fique claro: os republicanos estão empregando uma tática fundamentalmente trumpista —acusar o outro daquilo de que se é culpado. Foi Trump, não os democratas, quem tentou instrumentalizar o governo federal contra seus inimigos.

O segundo chefe de gabinete da Casa Branca do ex-presidente, John F. Kelly, disse ao Times que o então chefe lhe disse várias vezes que queria que o IRS (a Receita Federal americana) investigasse seus inimigos políticos.

O ex-secretário da Defesa Mark Esper, em livro de memórias publicado no ano passado, escreveu que Trump queria que o Pentágono submetesse a uma corte marcial os líderes militares aposentados Stanley McChrystal e William H. McRaven, que o haviam criticado.

Segundo o livro "Frankly, we Did Win this Election: The Inside Story of how Trump Lost" (francamente, vencemos essa eleição: bastidores de como Trump perdeu), do repórter do Times Michael C. Bender, durante os protestos do movimento Black Lives Matter em 2020 o então presidente pressionou autoridades policiais repetidamente, dizendo que "o jeito certo de lidar com essas pessoas é quebrar a cabeça delas".

E tudo isso aconteceu bem antes da insurreição violenta de 6 de janeiro de 2021, que ele ajudou a incitar.

O FBI e o Departamento de Justiça, instituições que às vezes criaram obstáculos a Trump quando ele estava no poder, agora estão investigando ele e outros que podem ter cometido crimes a seu serviço ou por lealdade a ele. Evidentemente, essas apurações atraíram a ira do político e deixaram muitos republicanos preocupados com a própria culpa em cartório.

Assim, seguindo a verdadeira cartilha trumpista, eles acusam de corrupção qualquer pessoa que investiga a possibilidade de eles terem sido corruptos. Manipulam teorias conspiratórias e as convertem em desacato real.

Acredito que os republicanos estejam tentando criar um contrapeso às provas e aos depoimentos condenatórios trazidos à tona pelo comitê do 6 de Janeiro. Eles pretendem fabricar uma equivalência.

Como parte de seu esforço para punir as agências que procuram cobrar sua responsabilidade, o partido da lei e da ordem pretende perseguir a polícia e a Justiça. Isso mostra que o apoio dado ao movimento Blue Lives Matter (vidas azuis importam, em defesa da polícia) não passou de uma farsa. Eles queriam apenas proteger policiais que matam pessoas negras de modo desproporcional.

Para eles, a polícia sempre foi um instrumento para controlar e reprimir o "outro". Quando a polícia e a Justiça tentaram controlá-los e reprimi-los, eles reclamaram, dizendo ser uma injustiça. Como o Departamento de Justiça ousava aplicar a lei imparcialmente?! Não era esse o plano. Não era essa a intenção.

Outra tática que republicanos começaram a usar nos últimos anos é cooptar a virtude, roubar a linguagem dos direitos civis, evocando causas justas do passado para justificar os próprios esforços corruptos.

Os republicanos estão comparando seu novo colegiado —que a deputada democrata Ayanna Pressley, de Massachusetts, caracterizou corretamente de "Comitê de Proteção da Insurreição"— com o Comitê das Igrejas dos anos 1970. Este foi um esforço investigativo legítimo e bipartidário, que trouxe à tona uma série de abusos federais cometidos por agentes que atacaram organizações de direitos civis como a Conferência Sulina de Liderança Cristã, ativistas que protestavam contra a Guerra do Vietnã e indivíduos como Martin Luther King.

A nova comissão não é um Comitê das Igrejas —é um conciliábulo de teóricos da conspiração.

Consta que ela vai começar indo atrás dos agentes federais que tentaram reprimir protestos turbulentos e às vezes violentos contra políticas progressistas de conselhos escolares, para o qual estariam rotulando alguns dos pais de alunos envolvidos como "terroristas domésticos". (Como destacou a agência Associated Press, não há evidências de que isso tenha jamais acontecido.)

Também essa é uma tática trumpista: vincular os problemas de Trump aos de seus seguidores, para criar a impressão de que eles são todos companheiros de armas, que combatem um inimigo comum.

Mas penso que as queixas republicanas contra os órgãos de polícia e Justiça federais têm raízes mais profundas que os problemas de Trump e de deputados cúmplices dele. Acredito que elas têm sua origem nos fundamentos do conservadorismo e no câncer que se permitiu que crescesse nele.

O secretário de Justiça Merrick Garland disse a senadores em 2021 que o maior perigo doméstico que os EUA enfrentam vem de "extremistas violentos com motivações raciais ou étnicas, especificamente aqueles que defendem a superioridade da raça branca".

O secretário de Segurança Interna, Alejandro N. Mayorkas, destacou especificamente: "O perigo e a letalidade da ameaça criada pelo extremismo doméstico violento são evidenciados pelo ataque de 6 de janeiro de 2021 ao Capitólio e outros ataques recentes em vários pontos de nosso país, incluindo a edifícios governamentais, funcionários federais e comunidades não brancas".

Mais tarde, republicanos começariam a falar em afastar Mayorkas por sua abordagem ao controle das fronteiras, mas o fato de ele ter chamado a atenção para a ligação entre o extremismo doméstico violento e a multidão trumpista enfurecida que invadiu o Congresso deve ter intensificado sua sede de sangue, seu desejo de derrubá-lo.

Uma das primeiras coisas que aconteceu sob a nova maioria republicana na Câmara foi que o deputado republicano pelo Texas Pat Fallon apresentou pedidos de impeachment contra Mayorkas. Isso sim é instrumentalizar o governo federal.

Tradução de Clara Allain

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