Conrado Hübner Mendes

Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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Conrado Hübner Mendes
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O STF não precisa de código de ética

Normas existem, falta autoridade que puna a promiscuidade

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Não há mais dissenso razoável sobre a ingovernabilidade procedimental do STF: os poderes de obstrução individual, os pedidos de vista, as cautelares monocráticas que driblam o plenário. Uma dinâmica procedimental caso a caso, que foge a padrões legalmente válidos. Portanto, multiplicadora de insegurança jurídica. Continua a decidir o que quiser e quando quiser, a depender dos interesses e das pressões que lhes sensibilizam. Ou não.

Não há mais dissenso razoável sobre o descalabro ético de ministros do STF. Divergem apenas os ministros e bajuladores de ministros. Já aprendemos a enxergar, classificar e até debochar de múltiplas condutas de promiscuidade que se normalizam e se aprofundam. Só não temos tido capacidade de produzir constrangimento. Muito menos controle e sanção jurídica.

Ética e procedimento são os problemas primários do STF.

Fachada do palácio do STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília
Fachada do palácio do STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília - Gabriela Biló - 3.mai.22/Folhapress

O Congresso Nacional passou a ressuscitar alguns debates sobre reformas procedimentais. No momento, há três ideias em pauta: impor a pedidos de vista limites de recorrência e de prazo; impedir decisões monocráticas em controle de constitucionalidade (coisa que a Lei 9868/99 já proíbe em seu artigo 10, mas o STF ignora); conceder ao Congresso poder de revogar decisões do STF.

Esse caldo reformista do STF vem se acumulando há pelo menos dez anos sob o slogan mal-ajambrado e banalizado de "ativismo judicial". Foi depois turbinado e refraseado por Bolsonaro e seus milicos, que interpretam a Constituição pelas lentes da hermenêutica dos porões. De lá arrancaram poder para "intervenção militar constitucional". E Ives subscreveu.

Apesar do clima de vingança que paira no ar, em virtude do que o STF fez, correta ou incorretamente, e não sozinho, para conter um golpe de Estado, e apesar das piores intenções subterrâneas de seus inimigos, as duas primeiras propostas são boas. Tão elementares quanto necessárias.

Ministros do STF, no hábito indecoroso de se meterem em debates públicos e lançarem juízos de constitucionalidade ao microfone, antes que o caso lá chegue, tentam induzir confusão entre "reduzir poderes do STF" e "reduzir poderes de ministros do STF". Porque reduzir poderes de ministros é urgente.

Se isso ajuda a conter a ingovernabilidade procedimental, o que fazer com o descalabro ético? Como neutralizar o festival da promiscuidade nos jardins do Lago Sul e nos salões de Lisboa?

A Suprema Corte americana, por muito menos, foi convencida a escrever o seu Code of Ethics. Os nove juízes disseram que o código serve apenas para "evitar mal entendidos", pois representaria apenas "a codificação de princípios que sempre governaram nossa conduta". Juristas de lá consideram o passo importante, apesar da falta de mecanismo de implementação.

O Judiciário brasileiro já está sujeito a normas éticas. A Lei Orgânica da Magistratura já diz, entre outras coisas, que magistrados devem agir com independência e "manter conduta irrepreensível na vida pública e particular".

O Código de Ética da Magistratura já afirma que sedimentar a "confiança da sociedade em sua autoridade moral" é fortalecer a legitimidade. Define que o magistrado imparcial "evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito". O Conselho Nacional de Justiça tentou dar mais detalhes a esses princípios e criar uma política de transparência sobre o abuso das "palestras", mas a proposta foi derrotada.

As normas éticas existem, mas o STF as ignora. Sem argumento, senão a soberba autoritária. Não é surpreendente que, mesmo diante da profusão de normas (que não são "apenas éticas", pois também previstas em lei), mais libertino tem sido o comportamento.

Não bastam normas dizendo "isso não pode". Falta uma autoridade que diga "em razão de sua infração, você está punido". Não há freios e contrapesos. Há apenas confiança no decoro, no autorrespeito, no bom senso de ministros. Esses reguladores morais já funcionaram melhor em outros tempos. Estão hoje irrelevantes como nunca.

Editorial da Folha recitou dias atrás uma máxima da autoridade judicial: "Não basta que juízes sejam éticos —precisam parecer éticos." O STF tem respondido: "Não basta a muitos ministros do STF serem antiéticos —precisam parecer antiéticos." Uma grande colher de chá aos inimigos da democracia e da proteção de direitos.

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