Gelo e gim

Coluna é assinada pelo jornalista e tradutor Daniel de Mesquita Benevides.

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Drinque pioneiro, o mint julep refresca a tensão em 'O Grande Gatsby'

Coquetel é um dos primeiros conhecidos e, além de aparecer em contos de Fitzgerald, faz parte da história de ex-escravos

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O mint julep, feito com bourbon, hortelã e açúcar
O mint julep, feito com bourbon, hortelã e açúcar - Ze Carlos Barretta/Folhapress

Não é fácil repetir o passado. Mas é o que tenta Jay Gatsby na obra-prima de Scott Fitzgerald. No livro de 1925, vertido para as telas cinco vezes, a mansão-castelo do misterioso milionário é palco de festas babilônicas, com rios de champanhe e coquetéis ondulando ao som do jazz e do ragtime.

Com um dry martini na mão, ele observa os desfiles da borbulhante orgia art-déco. Alheio, está em algum lugar cinco anos antes. Como no trecho de "Suave é a Noite", outro grande romance de Fitzgerald: "o drinque trouxe os momentos felizes do passado para o presente, como se ainda estivessem acontecendo, e até para o futuro, como se fossem acontecer novamente."

Gatsby quer reconstruir o amor ideal, interrompido pela Grande Guerra. Procura nas cores da multidão o rosto luminoso de Daisy Buchanan. Em vão. Terá de recorrer a outros expedientes. Consegue, mas seu olhar platônico (pobre gângster!) não percebe que ela é apenas uma ficção que ele mesmo criou e na qual insiste em acreditar, na ótima análise de Harold Bloom.

A ruptura se dá sob os eflúvios do mint julep, não à toa, o coquetel que melhor representa um passado idílico, um dos primeiros drinques conhecidos —se não o primeiro. Presos num quarto do Plaza em Manhattan, Gatsby, Daisy e seu marido Tom, o narrador Nick Carraway e a elegante Jordan Baker tentam afastar o calor e o tédio. Desconfiado de que a mulher anda encontrando Gatsby, Tom torna-se agressivo. Daisy sugere então que ele tome um mint julep, "para parecer menos idiota".

Ex-escravos

Quando publicou "O Grande Gatsby", Fitzgerald já era um escritor de sucesso. Ele e Zelda formavam o casal do grande sonho americano, antes da brutal queda da Bolsa em 1929. Belos, talentosos e boêmios, circulavam naqueles anos loucos como realezas do hedonismo.

Seja em pomposos salões nos EUA ou nos cafés franceses, faziam o que bem entendiam —e dançar nus era o de menos. Certa vez, investidos do ideal de Gatsby, tentaram derreter o tempo, colocando os relógios de seus convidados numa sopa quente de tomate.

O drinque favorito de Fitzgerald era o gim rickey. Mas o mint julep, (preferência de William Faulkner) tem lugar cativo em seus livros —além do Gatsby, aparece em dois contos. Julep vem da palavra árabe julab, que significa água de rosas. Na Europa as rosas foram substituídas por hortelã e o julep passou a designar qualquer bebida com álcool, açúcar e menta.

O escritor Scott Fitzgerald
O escritor Scott Fitzgerald - Reprodução

Era usado como remédio, sendo inclusive mencionado num manual de medicina do final do século 18. Antes, no entanto, em 1634, John Milton escreveu em seu poema "Comus", de forma pouco medicinal: "eis aqui o cordial julep, dançando em chamas nos limites do cristal".

Os primeiros mestres na arte de preparar mint juleps eram negros livres ou semi-livres —a escravidão só seria abolida em 1865, depois da Guerra Civil Americana. Cato Alexander (1780-1858) foi o principal deles. Ganhou dinheiro e a liberdade com seu talento na cozinha. Abriu, no começo do século 19, o próprio bar em Nova York. Venceu a violência racista e conquistou a preferência da elite branca. Amigo de George Washington, era o presidente dos coquetéis americanos.

MINT JULEP

Ingredientes

  • 75 ml de bourbon
  • 12 folhas de hortelã
  • 15 ml de xarope simples (uma parte de açúcar para uma parte de água)
  • 4 espirradas de angostura

Passo a passo
Macere delicadamente as folhas de hortelã com o xarope e a angostura num copo ou numa taça julep. Acrescente gelo moído, bourbon e mexa. Como enfeite, coloque um ramo de hortelã.

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