Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Todos os envolvidos no colapso do Silicon Valley Bank saíram mal na fita

Não existem bancos verdadeiramente privados, ou, pelo menos, não sabemos de antemão quais eles são

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The New York Times

Uma observação feita pelo jornalista Matt Klein vem circulando amplamente. Falando do colapso do Silicon Valley Bank, ele escreveu que "foi mais um caso de ‘uma corrida de idiotas ao banco’ do que de ‘um banco administrado por idiotas".

Mas por que escolher? Todos os envolvidos saíram mal na fita.

Preocupações com colapso do Silicon Valley Bank fizeram riscos na Bolsa de Valores de Frankfurt subir para máximas em vários meses - 17.mar.23/Reuters

Os reguladores não fizeram nada, embora os problemas do SVB tivessem sido notados por muitos. Os gerentes do banco fracassaram na tarefa básica de proteger-se contra o risco de alta dos juros.

Bancos de dimensões médias, incluindo o próprio Silicon Valley Bank, fizeram lobby junto ao Congresso e à administração Trump para ser isentos dos regulamentos impostos aos bancos considerados grandes demais para que se pudesse deixar que quebrassem.

Investidores desencadearam um pânico desnecessário que aniquilou uma instituição fundamental à sua própria indústria. O Federal Reserve (Banco Central do EUA) fez vista grossa para a inflação, e sua reação apressada se converteu ela própria em um fator de risco.

Não creio que todas essas pessoas sejam ou tenham tornado-se idiotas de uma hora para outra. Uma interpretação mais generosa é a seguinte: nenhum de nós está preparado para mudanças, e estamos vivendo numa era de mudanças. Três delas, em especial, merecem nossa atenção neste momento.

1) Os juros baixos acabaram

Em sua carta de 2020 a investidores, Seth Klarman, CEO e gerente de portfólio do Baupost Group, escreveu: "A ideia dos juros baixos se infiltrou em tudo: pensamento dos investidores, previsões de mercado, expectativas de inflação, modelos de avaliação, índices de alavancagem, classificações de dívida, métricas de acessibilidade de custos, preços dos imóveis e comportamento corporativo".

E prosseguiu dizendo que "pelo fato de truncar a volatilidade negativa, prevenir as quebras de empresas e adiar o dia da prestação de contas, essas políticas persuadiram os investidores que o risco entrou em hibernação ou simplesmente desapareceu".

Ponto para Seth Klarman. O colapso do Silicon Valley Bank não pode ser visto em separado da longa era de juros baixos.

O banco se especializava em atender startups que tinham pouca ou nenhuma receita, mas mesmo assim dispunham de dinheiro farto –boa parte vindo indiretamente do enorme aumento da oferta monetária criado pelo Fed. Os depósitos no Silicon Valley Bank subiram de US$ 62 bilhões no final de 2019 para US$ 189 bilhões no final de 2021. E o banco tentou agir de modo conservador. Guardou o dinheiro num lugar que, na era dos juros baixos, era visto como o investimento mais seguro e protegido de todos: títulos do Tesouro americano e outros títulos de longo prazo.

Mas, como escreveu o historiador Adam Tooze, o que isso significava realmente era que eles estavam "fazendo uma aposta imensa, de mais de US$ 100 bilhões e de mão única, nas taxas de juros".

Quando os juros caem, o valor dos títulos cai também. Não teria tido importância, talvez, se o Silicon Valley tivesse se protegido ou diversificado corretamente. Mas ele não o fez. Poderia não ter tido importância se seus clientes não tivessem precisado de seu dinheiro de volta, e rápido. Mas precisaram. Com a alta dos juros, aquelas startups passaram a não conseguir levantar dinheiro com tanta facilidade e precisaram sacar parte do que tinham no banco.

Dessa forma o SVB ficou fortemente exposto à alta dos juros sobre seus depósitos e seus investimentos.

O motivo pelo qual as dificuldades do SVB levaram a um pânico mais geral –que agora está tomando conta de bancos com características muito diferentes— é que suas circunstâncias podem ter sido específicas, mas seu problema é generalizado: a economia financeira em que estamos foi erguida sobre a base de juros baixos.

Se você perguntar "quem possui muitos títulos de longo prazo e oferece serviços bancários principalmente a startups de tecnologia na Bay Area?", são poucas as instituições que correspondem a essa descrição.

Se perguntar, em vez disso "quem traçou planos para os juros continuarem baixos e pode estar vulnerável, agora que estão subindo?", há muitos, muitos candidatos possíveis.

2) Os perigos da movimentação financeira viral se evidenciam

John Maynard Keynes não tinha muita paciência com o mito do mercado racional. Escreveu que escolher ações para comprar era como participar de um jogo "em que os competidores precisam escolher os seis rostos mais bonitos entre cem fotos, sendo o prêmio outorgado ao competidor cuja escolha corresponde mais de perto à média das preferências dos competidores como um todo. Assim, cada competidor precisa escolher não os rostos que ele próprio acha mais bonitos, mas os que ele acha que têm mais chances de agradar aos outros".

O que ele quis demonstrar é que, no curto prazo, muito do que se faz em finanças é prever o que outras pessoas pensam. Mas uma diferença entre nossa era e a de Keynes é que nós temos acesso real e imenso ao que outras pessoas pensam. Não precisamos tentar imaginar quais rostos nossos competidores consideram ser os mais bonitos.

Tem-se discutido se o Silicon Valley Bank teria sobrevivido se um grupinho de investidores não tivesse criado um pânico com suas trocas de ideias em vários chats de grupo. Não sei se essa é uma pergunta útil.

Não é possível proibir os chats de grupo (e, que fique claro, isso não é algo que se deva fazer). Mas a informação digital e o banking digital significam que corridas aos bancos podem acontecer com rapidez espantosa e espalhar-se para outras instituições.

Como destacou Gillian Tett no Financial Times, "um detalhe notável é que cerca de US$ 42 bilhões, um quarto do dinheiro depositado no SVB, deixaram a instituição em algumas horas principalmente por via digital".

E não são apenas corridas aos bancos. Tudo, desde a ascensão e queda aceleradas das criptomoedas até o momento estranho das ações de memes, reflete a aceleração digital do mundo financeiro.

Há uma pergunta que circula há alguns anos em torno da regulação financeira: será que deveríamos desacelerar o sistema novamente, para uma velocidade em que os humanos consigam trabalhar?

Não existe uma ideia única aqui que pudesse ser aplicada a todos os casos –um imposto sobre transações financeiras coibiria o trading algorítmico em alta velocidade, porém não impediria uma corrida aos bancos—, mas a vale a pena refletirmos sobre se a velocidade deve ser vista e encarada como um fator de risco financeiro em si mesma.

3) Os reguladores financeiros estavam travando a guerra passada

Em 2015 o CEO do SVB, Greg Becker, argumentou junto ao Comitê Bancário do Senado que as regras de regulamentação financeiras Dodd-Frank deveriam ser afrouxadas para bancos como o dele.

Se não fossem, ele avisou que o Silicon Valley Bank "provavelmente terá que desviar recursos importantes que seriam usados para financiar empresas geradoras de empregos na economia da inovação para o cumprimento de padrões prudenciais intensificados e outras exigências". Pena que isso não foi feito!

Mas é interessante ler seu depoimento, por razões que vão além da simples ironia. É um argumento sobre o que faz um banco ser "sistemicamente importante", termo usado para indicar uma instituição financeira que não se pode permitir que quebre.

É um argumento que persuadiu a administração Trump, além de quase todos os congressistas republicanos e um bom número de democratas.

Em seu livro "The Money Problem", Morgan Ricks, especialista em regulação financeira na Escola Vanderbilt de Direito, escreve que o problema tem raízes profundas. Segundo ele, o risco sistêmico "ainda não foi definido de uma maneira que sequer chegue perto de ser satisfatória". Na lei Dodd-Frank, legisladores tentaram defini-lo em termos de ativos: com US$ 50 bilhões ou mais você representa um risco sistêmico.

Becker e altos executivos de muitos outros bancos de dimensões médias argumentaram que esse limite é baixo e simplista demais. Para eles, você não seria um risco sistêmico se não fosse um banco grande tentando realizar engenharia financeira exótica.

"Como nossos bancos pares de dimensões médias, o SVB não apresenta riscos sistêmicos", disse Becker. "Não praticamos criação de mercados, não subscrevemos valores mobiliários nem realizamos outras atividades de bancos de investimento globais. Tampouco fazemos transações com derivativos complexos, oferecemos produtos estruturados complexos ou participamos de outras atividades do tipo que contribuiu para a crise financeira."

Em outras palavras, a ideia era que sabemos qual é a cara de um banco de risco sistêmico: é como os bancos e outras instituições financeiras que provocaram o crash de 2008. Trata-se de um caso clássico de estar travando a guerra passada. Mas é algo que está muito presente.

Quando o Silicon Valley Bank quebrou, tinha aproximadamente US$ 200 bilhões em ativos. Era um montante significativo, mas não imenso. Como disse Becker, o banco não estava negociando produtos complexos ou fazendo qualquer coisa como o que levou a economia global a entrar em crise em 2008. Mesmo assim, quando ele quebrou, os reguladores o declararam sistemicamente importante e injetaram dinheiro para garantir todos seus depósitos. A definição dada pelo governo de importância sistêmica provou ser falsa.

Mas isso nos leva a uma questão mais ampla: o setor bancário é um tipo crucial de infraestrutura pública que fingimos ser um setor particular de gerenciamento de riscos. O conceito de risco sistêmico visava proteger os bancos quase públicos, diferenciando-os dos bancos realmente privados que, na maioria dos casos, podem ser deixados para administrar seus passivos por conta própria.

Mas a lição que os últimos 15 anos nos ensinaram é que não existem bancos verdadeiramente privados, ou, pelo menos, não sabemos de antemão quais eles são.

Tradução de Clara Allain

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