Gustavo Alonso

Doutor em história, é autor de 'Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira' e 'Simonal: Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga'.

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Roberto Carlos promoveu duplas sertanejas na TV a partir dos anos 1980

Cantor colaborou com música caipira ao chamar Chitãozinho e Xororó para participar de seu especial de fim de ano

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Na semana passada falamos sobre as influências de Roberto Carlos na música sertaneja. Como o assunto é longo, ficamos de continuá-lo aqui nesta segunda parte.

A década de 1980 foi fundamental para a consolidação da música sertaneja. Foi durante esses anos que ela deixou de ser um produto regional, voltado para os trabalhadores rurais do interior, e tornou-se um gênero nacional. Se no início da década regiões como o Nordeste e o Rio de Janeiro tinham dificuldade de saber quem era Chitãozinho e Xororó, em 1990 já era impossível não ouvir "Nuvem de Lágrimas" e "Evidências" pelas esquinas de todo o país. E Roberto foi fundamental nesse processo, não apenas como influência para a música sertaneja, mas também como apadrinhador do gênero.

Desde cedo, Roberto deixou-se tocar pela música sertaneja, endossando aquela geração. Quando lançou "Caminhoneiro", em 1984, ele já tinha sido criticado por ter se aproximado demais da música dos interioranos. Roberto de fato flertava com o gênero, e se sentiu obrigado a se defender das críticas: "Se está com cheirinho de brega, foi de propósito! Pus a segunda voz mesmo pra ficar com esse ar brejeiro de música sertaneja. Quis juntar esse toque sertanejo com toque country, e acho que a mistura ficou com uma dosagem bem equilibrada", disse ele na época, segundo seu biógrafo Paulo Cesar de Araújo, que neste mês está lançando o livro "Roberto Carlos: Outra Vez".

Paulo César de Araújo, autor da biografia do cantor Roberto Carlos, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, realizada em 2013 - Avener Prado/Folhapress

Naquela época, o compositor mais gravado pelo cantor (exceto ele mesmo em dupla com Erasmo) era Carlos Colla, que hoje ostenta a marca de mais de 40 canções gravadas pelo rei. Ao lado de Chico Roque, Carlos Colla foi também um dos principais nomes do boom sertanejo dos anos 1990. "Meu Disfarce" catapultou a carreira de Chitãozinho e Xororó em 1987. A letra da canção poderia facilmente fazer parte do repertório de Roberto: "Cada vez que eu sinto um beijo seu na minha face / Eu luto pra manter o meu disfarce / E não deixar tão claro que te quero / Cada vez se torna mais difícil o meu teatro / Não dá mais pra fugir do seu contato / Estou apaixonado por você".

Antecipando o boom sertanejo da virada da década, Roberto Carlos convidou duplas para o seu tradicional especial de fim de ano na TV Globo. Os primeiros agraciados foram Chitãozinho e Xororó e Chrystian e Ralf, em 1986. Roberto cantou "Caminhoneiro" ao lado das duas duplas e de Erasmo Carlos.

Antes de cantarem, a edição mostrou imagens do Brasil e a voz de Roberto ao fundo: "São necessários muitos corações para sentir tudo isso. Existem música e poesia no morro, no asfalto, na praia, na planície e no planalto. Cada um tem uma linguagem para paquerar sua amada. São os amores de Guimarães Rosa, Luiz Gonzaga e de Catulo... É um olho cheio de paixão sertaneja! Quem tem medo do brega não entende o Brasil! Olha aí, bicho, um capítulo inteiro da gloriosa música sertaneja, saindo do interior e invadindo a metrópole".

Em 1990, foi a vez de Leandro e Leonardo participarem do programa e cantarem o clássico "À Distância" com o rei. No ano seguinte, no auge da onda sertaneja, Roberto lançou um LP em que deixou claro seu apreço pelo gênero. Na capa, Roberto aparecia com um chapéu de caubói. A música "de trabalho" do disco foi "Todas as Manhãs", uma canção muito parecida com "Caminhoneiro": "Chuva fina no meu para-brisa/ Vento de saudade no meu peito/ Visibilidade distorcida, pela lágrima caída/ Pela dor da solidão." A temática do caminhoneiro era algo bastante comum na música sertaneja, que com frequência cantou a integração do Brasil por meio das estradas.

Mas associar-se à música sertaneja nessa época não garantia louros ao rei, pelo contrário. Roberto colocava em xeque seu prestígio ao apostar na legitimidade dos sertanejos. E abria flanco para as críticas que eram comuns na imprensa da época, especialmente aquela produzida no centro-sul do país. Sem entender que se tratava de influência mútua, a revista Veja enxergou uma disputa entre reis e súditos na edição de 4 de dezembro de 199: "O rei da MPB grava todo ano o mesmo disco? Na capa do LP do ano passado, ele ostentava uma pena na orelha. Neste, enverga um chapéu de caubói. Não é só: na faixa que puxa o disco ‘Todas as Manhãs’, ele resolve comprar a briga com as duplas sertanejas que vêm ameaçando seu reinado e entoa um puro country nacional, com direito a recaídas no clima de ‘O Caminhoneiro’".

Consciente de seu lugar de súdito, Zezé Di Camargo defendeu o rei: "Roberto Carlos sempre serviu de parâmetro para toda essa geração da música sertaneja. É um absurdo dizer que é oportunismo ele aparecer de chapéu na capa do seu último disco, nós é que entramos na praia dele."

Para além de uma relação vertical, o carinho era mútuo entre sertanejos e Roberto. No especial de 1991, os convidados foram Zezé Di Camargo e Luciano, que faziam muito sucesso com "É o Amor", e novamente Chitãozinho e Xororó. Antes de cantar "Amazônia" em dueto com a dupla paranaense, Roberto Carlos falou: "Eu fico feliz de saber que o Brasil assume sua identidade. A música sertaneja pra mim é realmente o retrato do Brasil, e eu conheço dois craques nesse assunto. Fico feliz e tenho um orgulho muito grande de receber aqui Chitãozinho e Xororó!". Chitãozinho então falou: "Roberto, nós sabemos que você sempre esteve e sempre está com a gente...". Ao que o Rei respondeu: "É que eu sou fã de vocês".

O tamanho do rei e sua história com a música sertaneja pedem outra coluna. Na próxima semana, falaremos sobre a relação de Roberto com os sertanejos nos anos 2000.

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