Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

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Jorge Coli

Bolsonaro tem prazer com morte e destruição

Presidente se realiza com armas de fogo e vibra com extermínio de florestas e indígenas

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"Cherchez la femme", ou seja, "procure a mulher", dizem os franceses quando há algo de inexplicável. "Cherchez l’argent", ou "procure o dinheiro", seria melhor, porque ele é quase sempre o motivo de tudo. Perguntar não ofende: quanto lucra Paulo Guedes permanecendo em seu ministério?

Bolsonaro é campeão de mentiras. Sua história da vacina associada à Aids é de uma crueldade sem tamanho. Falsa, claro, mas deve colar em alguém, como sua declaração de que a esquerda no Brasil é financiada pelo narcotráfico. Ele não hesita diante de nenhuma balela.

Victor Hugo, na tradução que Machado de Assis fez de "Os Trabalhadores do Mar", escreveu assim: "Um mau reinado tem evidentemente júbilos do pelourinho". Quer dizer, o soberano perverso tem prazeres cruéis ao contemplar o sofrimento de seus súditos. Hugo lembra Nero, que teria incendiado Roma.

A crueldade é um sentimento natural da espécie humana. Apenas dela: a crueldade nos distingue dos animais tanto quanto a razão. Na natureza, um devora o outro, mas a destruição alheia justifica-se pela sobrevivência. Só o ser humano tem prazer em contemplar o sofrimento.

Rousseau imaginou uma essência humana boa. Hobbes, mais pessimista, dizia que o homem é o lobo do homem, o que é um insulto para com os lobos. Fritz Lang, diretor de cinema que fez "Metrópolis", e "M – O Vampiro de Dusseldorf", afirmava que só existem pessoas ruins ou muito ruins.

Robert Louis Stevenson criou Dr. Jekyll e Mr. Hyde, o médico e o monstro. Imaginou alguém de quem fosse extraído todo impulso de bondade ou de generosidade. Que fosse puro mal, sem nenhuma dose de empatia humana. Isso existe: os serial killers são assim.

O cinema explorou o horror desses monstros, que gozam com imenso prazer diante do sofrimento alheio. Criminosos inteligentes e perversos, eles fascinam. Provocam muito medo nas plateias. Há uma identificação com as vítimas. Mas uma secreta parte de nós sabe que também podemos ser carrascos.

William Hogarth foi um grande pintor inglês do século 18. Realizou quatro gravuras sobre os estágios da crueldade. Numa delas, mostra meninos furando os olhos de um pássaro e rapazes enfiando uma flecha no ânus de um cão. Crianças gostam de arrancar asas e patas de moscas.

Leio num velho dicionário: "Crueldade, instinto que conduz a cometer atos desumanos". Porém, a crueldade é humana, muito humana. Felizmente, também temos dentro de nós aquilo que neutraliza os impulsos cruéis e conduz ao prazer da fraternidade e da generosidade.

A crueldade baseia-se na destruição. A ela se opõe o que agrega e cria. A Antiguidade sabia disso quando opôs eros e anteros. Vênus e Marte. O que aglutina, associa e fecunda e o que agride, destrói e desagrega. No Renascimento, Botticelli e Piero di Cosimo pintaram belas alegorias sobre esse tema.

Para além das explicações históricas, sociais, econômicas ou psicológicas, permanece a questão metafísica da presença do mal no mundo. Penso em Scorsese, cineasta tão obcecado pela infiltração da maldade entre os homens. Maldade sem causa, pura presença demoníaca.

Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida, disse que pátria amada não pode ser armada. Ele opôs amor e ódio, agregar e destruir. Bolsonaro teve orgulho em responder: "Em nosso governo, [...] alteramos decretos e portarias de modo que a arma de fogo passou a ser uma realidade entre nós".

A grande realização bolsonarista é a arma de fogo. Há um evidente orgulho e volúpia nessa afirmação da realidade armada. Prazer com aquilo que mata e destrói. A natureza de Bolsonaro é feita de fúrias assoladoras, que goza com a terra arrasada. Literalmente: veja-se a destruição da Amazônia.

Bolsonaro foi eleito por uma pulsão destruidora: o ódio. Energizou seus abomináveis instintos com as piores vibrações coletivas. Foge da racionalidade, da reflexão serena. Tem a mesma natureza, embora numa escala maior, das multidões atingidas pela febre do linchamento.

Para além dos interesses próprios ao agronegócio, ele vibra com o processo de extermínio das florestas e das populações indígenas. A guerra deve trazer vertigens lascivas assim: disfarça o prazer do combate, a fúria da destruição, em heroísmo e glória.

A morte de 600 mil brasileiros por Covid-19 seriam baixas de uma guerra. Essa visão não passa de um álibi, como perdas inevitáveis, o que permite a Bolsonaro excluir toda a culpa. E continuar com seus: Abaixo as máscaras! Aglomerem-se! Viva a cloroquina! E morram, cada vez mais.

Bolsonaro nega a ciência e tem ódio ao conhecimento. O mal se compraz nas suas certezas. Saber mais significa duvidar, interrogar, coisas nada agradáveis, antes de afirmar. Retirar cerca de 90% das verbas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, acabar com a ciência no Brasil, ao contrário, que intensa volúpia!

O mal é mesquinho e, mesmo, muito mesquinho. Bolsonaro não tem escrúpulos diante da catástrofe humanitária de grandes proporções ou diante do sofrimento individual. Adora as indignidades, maiores ou menores, como negar a distribuição de absorvente feminino a quem não tem recursos.

"Eu sou o espírito que sempre nega." Assim se apresenta Mefistófeles, o demônio, a encarnação do mal absoluto, no "Fausto", de Goethe. Execra o sim, o positivo, o que constrói.

Bolsonaro deixará terra arrasada no fim de seu governo. Pobre de quem o suceder. Pobre Brasil. Pobres de nós.

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