Jorge Coli

Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.

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Enquanto líderes progressistas são presos, juízes perversos permanecem impunes

História mostra que, da Roma Antiga a Sergio Moro, avanços sociais são entravados por interesses dos privilegiados

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Na Roma Antiga, antes do Império, nos tempos da República romana, havia dois irmãos, Caio e Tibério Graco. Há uma história conhecida a respeito da mãe deles, Cornélia. Um dia, ela recebeu em sua casa uma dama romana vaidosa e cheia de joias, de que tinha muito orgulho. Quando a visita pediu para ver as joias de Cornélia, ela chamou seus dois filhos, Caio e Tibério, dizendo: "Aqui estão as minhas joias".

Os irmãos não decepcionaram. Tornaram-se o que se chamou, na Roma antiga, de "populares": líderes que favoreciam a causa dos plebeus, sobretudo dos mais pobres. Os ricos aristocratas fizeram tudo para barrar os projetos que hoje nós consideraríamos como sociais. Tanto que, em 133 a.C., Tibério Graco foi morto a pauladas no Capitólio.

busto de dois homens com túnica
Escultura dos irmãos Caio e Tibério Graco por Jean-Baptiste Claude Eugène Guillaume - Wikimedia Commons/Reprodução

Seu irmão Caio, eleito tribuno da plebe, fez aprovar uma lei ambiciosa de reforma agrária, outra de investimento em estradas, outra que proibia a condenação à pena capital sem processo regular, outra que distribuía pão subvencionado aos mais carentes, outra determinando que o Estado deveria pagar os equipamentos militares individuais e que ninguém abaixo dos 18 anos pudesse ser convocado.

O Senado terminou autorizando a eliminação de Caio Graco por qualquer meio. O tribuno fugiu, perseguido por seus inimigos. Para não se entregar, pediu a um escravo fiel que o matasse. 3.000 de seus aliados e apoiadores foram também assassinados.

Como a história sempre dá voltas, a que acabei de contar ressurge nos tempos da Revolução Francesa. Havia então um jovem pintor chamado Topino-Lebrun. Possuía muito talento, era muito humano, como descrevem os que conviveram com ele.

Topino tinha espírito independente. Não era homem de partido, mas se empenhou em atividades revolucionárias. Suas ideias sociais, generosas, fizeram com que ele tivesse simpatia por Babeuf, um teórico, jornalista e militante.

Era o final da Revolução Francesa, momento de recuo nas posturas políticas e sociais avançadas. A revolução se tornara conservadora, preparando terreno para o que viria ser o império napoleônico. Babeuf articulou uma revolta conhecida como a Conjura dos Iguais, mas a polícia descobriu e prendeu os revoltosos. Para evitar manifestações populares, o julgamento foi transferido para fora de Paris.

Babeuf havia tomado o nome de Graco —Graco Babeuf—, seu grande predecessor da Roma antiga, que também lutara pela reforma agrária. Ao ouvir sua condenação à morte, tentou se suicidar, seguindo seu modelo romano. Foi impedido e levado, moribundo, para a guilhotina no dia 28 de maio de 1797.

'A Morte de Caio Graco', de Topino-Lebrun
'A Morte de Caio Graco', de Topino-Lebrun - Wikimedia Commons/Reprodução

Abalado pela condenação e pela morte de Babeuf, Topino-Lebrun apresentou, em 1798, um grande quadro, de aproximadamente 4 m x 6 m, representando "A Morte de Caio Graco" (Museu de Marselha). O quadro é enérgico.

Nele, se veem os romanos aproximando-se de Caio Graco para massacrá-lo. O tribuno, de torso nu, apoia-se em seu escravo, que o ajudou no suicídio e que se mata também. Seus inimigos, furiosos, coléricos, concentram-se nos violentos personagens do primeiro plano. Ao longe, percebem-se partidários de Caio Graco sendo atirados no rio Tibre.

O quadro era uma referência clara, metáfora dos acontecimentos da época que envolveram Babeuf e um eloquente documento sobre as simpatias políticas de seu autor, o pintor Topino-Lebrun. Ora, no ano de 1800 houve um falso atentado para assassinar o general Bonaparte, então primeiro cônsul, que se preparava para o golpe que o tornaria um imperador autócrata.

Era uma encenação, uma agressão fictícia, um simulacro, pretexto para perseguir e neutralizar a oposição de esquerda. Sob falsas acusações, militantes foram guilhotinados depois de uma paródia de julgamento. Entre eles, estava Topino-Lebrun.

Como se vê, em todos os períodos, os avanços políticos e sociais são constantemente entravados pelos interesses econômicos dos privilegiados, e, na história, os episódios espelham-se uns nos outros.

No Brasil, não faz muito, a democracia sofreu um ataque violento e eficaz, que aprisionou um líder político, afastando-o de eleições em que tinha fortes probabilidades de ganhar. Foi um crime contra a democracia, a legalidade e a ética.

Um simples juiz, Sergio Moro, feriu de modo violento o processo democrático, abrindo caminho para o bolsonarismo triunfante. Moro aproveitou-se depois para se tornar ministro, para se projetar, e agora quer a Presidência do Brasil.

Volto para a Antiguidade, para Heródoto, o historiador grego. Ele conta que o rei persa Cambises, do século 6º a.C., descobriu que o juiz supremo era iníquo, julgando conforme seus interesses. Mandou então que esse juiz fosse esfolado e sua pele inteiramente retirada. Em seguida, recobriu a cadeira da justiça com essa pele, de modo que os juízes seguintes se lembrassem sobre o que estavam sentados quando distribuíam justiça.

Hoje, líderes progressistas continuam sendo presos e mesmo assassinados, como o foram os Gracos, Baboeuf, Topino-Lebrun ou Marielle Franco. Mas já não se tiram as peles dos juízes perversos.

Não é razão para pôr um deles na cadeira da Presidência.

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