Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio

Aída dos Santos foi a única brasileira na última Olimpíada em Tóquio

Nos Jogos deste ano, mulheres devem ser maioria em delegação do Brasil

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Início de ano é tempo de planejar, organizar e, em alguns casos, prometer. A promessa tem esse caráter de obrigatoriedade moral que, mesmo que outros não saibam nada sobre o compromisso assumido, ele deve ser realizado.

Promessas e desejos se confundem. A diferença entre o querer do desejo e o dever da promessa às vezes é muito sutil. Desejar algo está longe de poder tê-lo ou realizá-lo. Precisei me tornar psicóloga para entender que o desejo é uma força que mobiliza, fundamental para a vida. É a energia capaz de tornar uma intenção em ação.

O ano de 2020 será olímpico. Tóquio prepara uma grande festa, e mais de uma centena de atletas brasileiros já confirmou suas marcas e posições para participar. A delegação não terá o mesmo tamanho de 2016 por razões óbvias: daqui para frente, o que vale é mérito, não simplesmente ser anfitrião.

Ao que tudo indica, essa será a edição olímpica das mulheres brasileiras. A se confirmarem os resultados, elas serão a maioria da delegação. Isso não surpreende quem acompanha a história olímpica brasileira. Será diferente de 1964, quando Tóquio também foi sede, e Aída dos Santos, do salto em altura, foi a única mulher a representar o Brasil.

Sua história confirmou um padrão que já tinha se repetido em duas outras edições olímpicas, tornando Mary Dalva, dos saltos ornamentais, e Wanda dos Santos, do atletismo, as únicas mulheres em 1956 e 1960.

Aída nasceu na cidade do Rio de Janeiro, mas estudou e morou em Niterói. De família humilde, ajudava a mãe nos afazeres domésticos e não teve oportunidade para praticar esporte. Certa vez, ao acompanhar uma amiga ao estádio Caio Martins, fez um salto a convite dela e chegou a 1,40 m de altura, sem nenhuma técnica. O recorde era 1,45 m.

Ela começou a treinar e, em sua primeira competição, saltou 1,50 m. Ao mostrar sua medalha para o pai, levou uma surra, pois estava treinando escondido e, para ele, "esporte era coisa de vagabundo".

Como atleta do Botafogo, ela disputou o Troféu Brasil, saltou 1,65 m e fez índice para os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964. Ainda assim, teve que passar por mais cinco fases classificatórias para "reforçar" o índice já conquistado.

Depois de reafirmar sua competência, precisou correr para em uma semana conseguir tudo aquilo que os homens da delegação já tinham: uniforme, técnico, espaço e respeito. Sem falar inglês, foi buscar sua credencial sozinha, usando da cara e da coragem. O mesmo se repetiu no reconhecimento do estádio e do local de sua prova.

Aida dos Santos, campeã brasileira de saltos, foi a única mulher do país nos Jogos de 1964, em Tóquio
Aida dos Santos, campeã brasileira de saltos, foi a única mulher do país nos Jogos de 1964, em Tóquio - 19.abr.61/Folhapress

A solidão também foi sua companheira no dia da competição. Contam alguns de seus colegas de delegação sobre a surpresa ao vê-la, ao vivo na TV, fazendo a final do salto em altura. Aquela foi a primeira edição olímpica transmitida via satélite para o mundo. A mesma determinação que levou Aída a Tóquio a tornou a primeira brasileira a chegar a uma final e conquistar a quarta posição.

Já se passa mais de meio século, e esse é um fato para não esquecer. A história de Aída ilustra a trajetória das mulheres olímpicas brasileiras e todo o caminho percorrido para que elas cheguem a 2020 como a força que prometem ser.

A agenda 20+20, documento do COI produzido mais de um século após o início dos Jogos Olímpicos, aponta a necessidade de promover a igualdade de gênero. Isso demonstra o reconhecimento da discriminação vivida pelas mulheres ao longo de anos.

A história mostrou que o acesso às condições de treinamento e de competição levariam as mulheres a resultados inimagináveis. Esses índices puseram por terra argumentos construídos com a finalidade de defender pontos de vista específicos. Que em 2020 as mulheres possam mostrar do que são capazes.

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