Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

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Ocupações de risco mostram drama do acesso à moradia nas metrópoles

Desabamento lança luz sobre problema do acesso à habitação em meio à especulação imobiliária

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O trágico desabamento do prédio de 24 andares no centro de São Paulo que abrigava 146 famílias sem teto, na terça-feira (1º), lançou luz sobre um problema que tem se agravado nas metrópoles brasileiras: o do acesso à moradia em meio à crescente especulação imobiliária e à financeirização das políticas habitacionais.

O índice Fipe-Zap mostra que, entre janeiro de 2008 e março de 2018, os preços de venda dos imóveis em São Paulo subiram 257,3%. No mesmo período, o Ibovespa avançou 43,5%, os preços medidos pelo IPCA subiram 80,3% e o rendimento nominal médio dos trabalhadores empregados na região metropolitana de São Paulo cresceu 140%.

O fenômeno ajuda a explicar a estabilidade na alta parcela da renda nacional apropriada pelo 1% mais rico no Brasil durante os anos 2000.

Como mostram os estudos de Marcelo Medeiros, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que combinam dados das pesquisas amostrais com dados tributários, o crescimento rápido dos rendimentos do trabalho —sobretudo na base da pirâmide— foi acompanhado de um forte crescimento dos chamados ganhos de capital, que incluem os efeitos da valorização dos imóveis.

 

Em seu livro “Guerra dos Lugares”, Raquel Rolnik mostrou como o programa Minha Casa, Minha Vida não só não resolveu o problema como pode ter tido efeitos colaterais nocivos. Mesmo na faixa 1 do programa, que subsidiava integralmente a compra de imóveis por famílias com renda mensal domiciliar inferior a R$ 1.600, as empresas privadas eram responsáveis por encontrar e adquirir a terra e elaborar os projetos.

Como o teto do preço e as dimensões das unidades estavam preestabelecidas, todo o lucro das empresas dependia de uma economia de custos no processo, entre as quais a escala de produção e a localização dos terrenos.

Representantes de construtoras de grande porte entrevistados na pesquisa relatada por Rolnik chegaram a afirmar que só valia a pena construir empreendimentos da faixa com mais de 600 unidades habitacionais. 

Segundo a autora, isso formou “verdadeiros bolsões de moradia popular, bastante semelhantes às cidades-dormitório que foram constituídas pela produção habitacional pública em décadas anteriores”. Os subsídios públicos não alteraram, portanto, a segregação urbana existente.

Os problemas de acesso à moradia urbana em meio à especulação imobiliária não atingem apenas o Brasil. 

A diminuição dos investimentos diretos em programas de habitação social e sua substituição por modelos baseados no crédito hipotecário e nas parcerias público-privadas são mais uma dimensão do enfraquecimento do Estado de bem-estar social iniciado nos anos 1980. 

No Reino Unido, o líder do Partido Trabalhista, Jeremy Corbyn, chegou a prometer em janeiro deste ano que, se eleito, seu governo compraria imediatamente 8.000 propriedades desocupadas para dar moradia à população sem teto.

Como bem destacou Nabil Bonduki nesta Folha nesta quarta-feira (2), em vez de confundir os movimentos sociais que cobram do poder público a implementação de políticas habitacionais mais amplas e eficazes com os estelionatários que se aproveitam do drama de famílias sem-teto para cobrar aluguéis em ocupações de alto risco, a tragédia deveria “deflagrar iniciativas governamentais para, em conjunto com os movimentos sérios, formular e implementar uma estratégia de produção massiva de habitação social em áreas bem localizadas”.
 

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