Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Lúcia Guimarães

Como Donald Trump pode, enfim, pagar por um de seus crimes

É difícil imaginar figura pública nos EUA hoje mais solitária sob o peso de uma decisão do que Merrick Garland

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O letárgico discurso de Donald Trump, anunciando que vai concorrer à Presidência pela terceira vez, destacou algo que ele tem em comum com o clone ocioso no Planalto: ambos precisam de poder político para se livrar do xilindró.

Mas os dois malfeitores vivem em contextos judiciais diferentes. Trump passou quase toda a Presidência sendo investigado e enfrentou dois impeachments com impunidade. O fato de que continua livre, quase dois anos depois de incitar uma violenta tentativa de golpe de Estado, é motivo constante de indignação entre americanos que preferem viver numa democracia.

Apoiador com meia com o rosto de Donald Trump desenhado assiste em Mar-a-Lago a anúncio do ex-presidente de que quer concorrer novamente em 2024 - Alon Skuy - 15.nov.22/AFP

Analistas jurídicos acreditam que o ex-presidente pode escapar da Justiça pela invasão do Capítólio, cuja prova de responsabilidade é difícil de ser testada por promotores, embora mais de 900 pessoas tenham sido indiciadas pelo ataque.

Mas começa a haver consenso de que Trump pode, sim, ser indiciado pelo crime mais estúpido que cometeu, numa longa carreira de ilegalidades. O furto e a ocultação de documentos confidenciais do governo, decisão que resultou na inédita busca do FBI na residência de Mar-a-Lago, é um caso fácil de provar. É também central para a missão que marcou a carreira do ex-juiz e atual secretário de Justiça, o cauteloso e apolítico Merrick Garland.

Um dos mentores de Garland foi Benjamin Civiletti, secretário de Justiça de Jimmy Carter, num período em que o Departamento se reformava para nunca mais ser usado como proteção pessoal de um presidente, como aconteceu no governo de Richard Nixon.

O furto de documentos tem aspectos cruciais para Garland cumprir a promessa, feita em janeiro de 2021, de despolitizar e reabilitar o Departamento de Justiça corrompido pelo secretário de Trump, William Barr.

Há provas, entre elas vídeos, de que Trump mentiu sobre o furto, instruiu advogados a mentir e obstruiu o processo judicial. E terminou por acusar o FBI de plantar provas em Mar-a-Lago. Ou seja, Trump repetidamente cometeu crimes contra o órgão com um vasto aparato que inclui a Justiça e a segurança nacional.

Nenhum ex-presidente americano foi indiciado por crimes cometidos no exercício do cargo, embora, em 240 anos de república, criminosos tenham morado na Casa Branca. Essa tradição de impunidade era justificada pelo interesse em pacificar o país e proteger a transição de poder. Foi mantida, sob grande controvérsia, em 1974, quando o recém-empossado Gerald Ford deu indulto a Nixon pelo Watergate.

Mesmo juristas resistentes, alegando que um dos pilares do sistema é não usar o Estado para punir adversários políticos, começam a admitir que Trump tornou alto demais o preço de manter a tradição.

Garland sabe que não pode indiciar Trump pelo motivo errado, o que anima a torcida por alguma forma de punição. O erro seria aplicar a Justiça para manter Trump longe do poder porque ele ameaça a democracia.

Ao contrário do venal juiz que removeu Lula da campanha de 2018 e se atirou nos braços do capitão, Garland sabe que seu encontro marcado com o destino será doloroso —condenado e ameaçado se indiciar um pré-candidato em campanha, desprezado pela história se decidir o oposto. A decisão de indiciar Trump, com base em recomendações feitas por promotores federais, cabe somente a Garland. E é difícil imaginar uma figura pública nos EUA hoje mais solitária sob o peso de uma decisão.

O secretário de Justiça dos EUA, Merrick Garland, em entrevista em Washington - Kevin Dietsch - 24.out.22/Getty Images/AFP

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.