Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

No Brasil e nos EUA, pacificação requer justiça, não anistia a criminosos

Imprensa política dos dois países demonstra nervosismo ao estilo 'mais realista do que o rei'

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Não foi surpresa. Uma ação civil movida pelo estado de Nova York contra Donald Trump, suas empresas e seus três filhos mais velhos era esperada pelos réus e observadores das notórias fraudes financeiras da família.

Afinal, o currículo de falcatruas da empresa começou há 50 anos, quando o governo de Richard Nixon processou Donald e o pai, Fred Trump, por impedir que negros e porto-riquenhos alugassem apartamentos em seus edifícios residenciais.

Os ensaios de buzinaço vistos na tarde desta quarta (21) quando carros passavam pela Trump Tower, em Manhattan, apontam para um aspecto que define sociedades democráticas —a esperança de que todos são iguais perante a lei e de que penalizar poderosos por crimes é uma forma de cicatrização moral. Só um americano com o QI do personagem Forrest Gump afirmaria que todos são iguais perante a lei nesse país.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump durante comício em Ohio - Gaelen Morse - 17.set.22/Reuters

Ainda assim, em uma sociedade cada vez menos democrática, repetidas pesquisas mostram que a maioria da população espera ver o ex-presidente indiciado pelo papel que teve na invasão do Capitólio.

Já o currículo empresarial de Trump, que inclui associação às máfias italiana e russa, empregar e alojar traficante de cocaína na Trump Tower e uma variedade de patifarias que fariam corar um miliciano bolsonarista é uma história mais difícil de ser acompanhada. Mas não é obscura o bastante para absolver o establishment do Partido Republicano por permitir que o senil gângster fascista tenha chegado à Casa Branca.

É possível que Trump e seus filhos nunca passem um só dia numa cela de prisão. Para isso, a ação civil de Nova York teria que ser admitida pelo governo federal como prova —óbvia para qualquer promotor— de que a família operou como uma célula de crime organizado de colarinho branco. Mesmo um juiz leniente, que considere US$ 250 milhões uma penalidade alta demais para ressarcir todos de quem roubaram, do erário público a bancos e companhias seguradoras, dificilmente vai ignorar a investigação estadual que acumula 220 páginas de provas ao longo de uma década.

Noto nas imprensas políticas dos EUA e do Brasil um nervosismo ao estilo "mais realista do que o rei". Jornalistas americanos gastam muito tempo em contorções, especulando se a longa lista de crimes cometidos por Trump vai continuar impune, diante do risco de reação de seus apoiadores.

E eis que o ex-presidente Michel Temer parece estar em demanda como voz a ser ouvida sobre a eventual impunidade do mais odioso e fora da lei presidente da história do Brasil. Temer, que usa sua cultura em direito constitucional para ofuscar a realidade gritante —o capitão é candidato a múltiplos indiciamentos na Justiça por corrupção e mortes em massa na pandemia—, usa platitudes como pacificação nacional supondo que o violento culto do presidente queira, de fato, paz e conciliação.

As cenas de fanatismo em Londres, assistidas pelo mundo, os tiros disparados contra petistas e suas residências deixam claro que os "dois lados" do debate são uma fabricação. Um lado quer destruir o Brasil.

Temer chegou a dizer que sabe que empresários no exterior, ansiosos para voltar a investir no país, preferem "tranquilidade" (impunidade?). O autor de "Elementos do Direito Constitucional" sugere que as famílias de centenas de milhares de mortos pelo genocídio planejado devem enterrar seu luto para acomodar o capital estrangeiro? Justiça não é vingança.

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