Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Descrição de chapéu Folhajus

Falta de transparência da Suprema Corte dos EUA é privilégio insustentável

Não surpreende os americanos desconfiarem do tribunal em que maioria conspira para impor extremismo da minoria

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Uma audiência no Senado dos EUA na terça-feira (2) deixou evidente como a corte mais conhecida e citada da Justiça ocidental se deixou arrastar pela mesquinhez ideológica que corrói sua legitimidade.

Foi-se o tempo em que a Suprema Corte era vista pela maioria como uma instituição destinada a manter distância das marés partidárias. Uma série de revelações sobre conflitos de interesses omitidos por conservadores —maioria entre os nove juízes— alimenta a percepção confirmada por pesquisas que mostram o declínio da reputação do tribunal máximo dos Estados Unidos.

O prédio da Suprema Corte dos EUA, em Washington
O prédio da Suprema Corte dos EUA, em Washington - Anna Moneymaker 19.abr.23/Getty Images via AFP

O presidente da corte, John Roberts, recusou-se a comparecer à audiência convocada pelo Comitê de Justiça do Senado para debater a necessidade da criação de um código de conduta para o tribunal, à semelhança de diretrizes que regulam outras instâncias do Judiciário.

Roberts adota postura de avestruz, alheio ao fato de que a polarização política, aliada ao ecossistema digital, não permite mais que a Suprema Corte conte com um cheque em branco de confiança do público.

A maior parte das revelações sobre negócios e finanças dos juízes e seus parentes não sugere ilegalidade. Mas o pinga-pinga de detalhes escondidos faz lembrar uma famosa frase registrada nas súmulas do mesmo tribunal, em 1964. À época, o juiz Potter Stewart justificou a decisão de reverter a condenação de um dono de cinema que exibira o filme "Os Amantes", de Louis Malle, explicando sua definição de obscenidade: "Eu reconheço quando a vejo".

Não é preciso educação em direito, mas apenas bom senso para ver pornografia no comportamento do juiz Clarence Thomas, brindado com viagens e presentes pelo bilionário republicano Harlan Crow.

Só uma das viagens que Thomas e sua mulher fizeram a bordo do jato particular e do iate de Crow para a Indonésia seria avaliada em US$ 500 mil. Crow se apressou em dizer que suas empresas nunca levaram casos à Suprema Corte. Mas logo descobriram que ele comprou a casa onde Thomas cresceu, onde mantém a mãe do juiz de graça.

A mulher de Roberts faturou mais de US$ 10 milhões em oito anos como recrutadora de profissionais para escritórios de advocacia, alguns com casos pendentes no tribunal presidido pelo maridão.

A falta de transparência é um privilégio insustentável. Até as três juízas da minoria progressista assinaram declaração prometendo "adesão voluntária" a um código de conduta e rejeitando monitoração autoimposta ou externa da bufunfa que acumulam quando despem as togas.

Sai neste mês nos EUA o livro de um acadêmico da Universidade do Texas sobre ações menos conhecidas e mais sinistras da Suprema Corte. Steve Vladeck é o autor de "The Shadow Docket: How the Supreme Court Uses Stealth Rulings to Amass Power and Undermine the Republic" (a súmula na sombra: como a Suprema Corte usa decisões furtivas para acumular poder e minar a república), um exame do recurso que deveria ser exceção, mas usado com abuso pela maioria conservadora solidificada na Presidência Trump.

A súmula na sombra são as decisões de emergência tomadas pelos juízes. Uma delas, em 2021, sobre uma lei antiaborto no Texas, revelou o sinal de que a maioria conservadora suspenderia o direito ao aborto legal em junho de 2022. Não surpreende os americanos desconfiarem do tribunal em que a maioria conspira para impor o extremismo da minoria da população.

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