Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes

É impossível fugir das escolhas

Alguns programas públicos estão no osso porque outras despesas dispararam

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Tramita no Congresso Nacional, por demanda da equipe de transição, uma PEC que autoriza aumento de despesa primária em mais de R$ 200 bilhões. A justificativa é que uma ideologia "neoliberal fiscalista" teria imposto ao país um "austericídio", reduzindo drasticamente o gasto público. Sem a PEC, não haveria dinheiro para nada: bolsas de estudo, medicamentos, passaportes, manutenção de estradas, defesa civil, universidades. Tudo "no osso".

O problema é que, para essa explicação estar correta, precisaríamos observar uma queda da despesa. Contudo, em 2022, já descontada a inflação, o gasto primário será 7,2% maior que em 2016, ano anterior à adoção do teto de gastos. E esse número ainda pode subir, pois a PEC da Transição autoriza mais gastos também em 2022.

Excluindo 2020, ano de alta despesa devido à Covid-19, o crescimento médio anual do gasto primário no período 2016-2022 foi de 1,8% acima da inflação. Em 2022, o crescimento real do gasto será o maior do período: pelo menos 3,7%.

Homens e mulheres seguram cartazes em protesto contra cortes na educação
Estudantes durante protesto contra o corte de verbas feito pelo Ministério da Educação nos orçamentos de universidades e institutos federais do Rio. - Eduardo Anizelli/Folhapress

Como explicar esse paradoxo? Simples. Escolhas foram feitas: cortes brutais em alguns programas estão ocorrendo porque foram aumentadas outras despesas. Só reclama quem sofreu corte. Quem ganhou fica calado, ou até pede mais.

Até 2019, as emendas parlamentares ao orçamento não eram de execução obrigatória. Se faltasse recursos em algum programa público, elas poderiam ser contingenciadas e os recursos redirecionados. Agora, não mais. Além disso, elas dobraram de tamanho, com a criação das emendas de relator. Isso significa que, em 2023, quase R$ 40 bilhões não estarão disponíveis para outros programas públicos.

O Bolsa Família, que custava R$ 33 bilhões em 2019, pulou para R$ 175 bilhões em 2023. Ou seja, R$ 142 bilhões vão faltar para outras despesas. Certamente poderíamos custear essa despesa adicional descontinuando outros programas menos eficientes. Ou poderíamos desenhar um programa voltado apenas para os mais pobres. Mas preferimos dar mais dinheiro para mais gente, sem cuidar da eficiência do programa.

A contribuição da União ao Fundo da educação básica (Fundeb) pulou de R$ 15 bilhões em 2019 para R$ 34 bilhões em 2022. Um crescimento de 167% em apenas três anos, decorrente da aprovação da Emenda Constitucional 108/2020.

Não se trata de questionar se essas eram as prioridades corretas ou não. Mas constatar que, somente com o aumento nesses três itens de despesa, R$ 202 bilhões não mais estão disponíveis para pagar bolsas de estudos, medicamentos ou qualquer outra finalidade igualmente meritória. Chegamos aos R$ 200 bilhões da PEC!

Diversas outras despesas foram criadas pelo Executivo e Legislativo. Em artigo com Marcos Lisboa, publicado no Brazil Journal, elencamos 42 normas legais adotadas desde 2019 que implicaram aumentos de gastos ou renúncia de receitas.

Na última quinta-feira (15), a Câmara aprovou PEC repassando para a União o custo do aumento do piso salarial dos enfermeiros e o Congresso determinou que a União ressarça os estados por perdas no ICMS para que não se reduza o gasto com saúde e educação.

Reforço: não estou discutindo o mérito, só constando que esses foram os aumentos escolhidos, em detrimento de outros.

O problema do setor público brasileiro não é de "austericídio". Tentamos gastar mais com tudo, sem levar em conta a noção básica de "custo de oportunidade": o dinheiro que gasto com A não estará disponível para gastar com B.

Meu colega Felipe Schwartzman recentemente recordou um poema de Cecília Meireles que retrata de forma cristalina a questão. Vale citar um trecho:

Quem sobe nos ares não fica no chão,

Quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa

Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,

Ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo

E vivo escolhendo o dia inteiro!

Ao evitar fazer escolhas estamos, na verdade, escolhendo ter políticas públicas de pior qualidade, mais dívida pública, mais inflação, juros mais altos, menos crescimento e mais pobreza.

É impossível fugir das escolhas.

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