Mario Sergio Conti

Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".

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Augusto de Campos revisita precursores da poesia concreta em traduções

Série de livretos são a afirmação atual e apurada dos propósitos do seu autor, presentes numa vida inteira dedicada à arte

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Há um quê amador e artesanal no punhado de livros "Extraduções" que seduz na hora. Desde que se entenda por amador aquele que ama o que faz. E se tome por artesanato a expressão de uma personalidade que se materializa por meio de um trabalho único, útil, nada fútil.

Os livrinhos têm menos de 50 páginas e são pouco maiores que a palma da mão. O papel couché é uma carícia visual e tátil. A tipologia clássica e as ilustrações antigas se amoldam amenamente ao arrojo das capas. São minivolumes suaves, convites a um lento deleite.

Ilustração representando vários livros, abetos, fechados e manuseados
Publicada em 19 de novembro de 2021 - Bruna Barros

A sedução final, o toque mágico, vem na última página. Ali se informa que a tiragem de cada livro é de 30 exemplares. Num mundo em que telas de celular tripudiam do papel, e o sucesso é sinônimo de zilhões de livros mercadistas, não há como resistir à publicação de tiragens de 30.

Os livretos publicados pela Galileu Edições, de Londrina, não são anacrônicos nem saudosistas. São a afirmação atual e apurada dos propósitos do seu autor, presentes numa vida inteira dedicada à arte. Aos 90 anos, o estilo tardio Augusto de Campos surpreende.

"Cerca 70% do que fiz na literatura foram traduções", diz ele. De calça e camiseta pretas, está de barba. Que lhe caiu bem porque ficou com o rosto mais augusto e menos vetusto.

Suas novas traduções revisitam poetas que já vertera por considerá-los precursores da poesia concreta. É o caso de Mallarmé, cujos lances espaçosos e os dados tipográficos de "Um Lance de Dados" lhe forneceram matéria-prima para a elaboração de teorias.

A novidade, agora, está em outros cantos. Está em voltar a Mallarmé para aproximá-lo de, olha só, Jules Verne. Dados os dados do acaso, ambos eram fascinados pelo mar, por viagens imaginárias, pela técnica moderna, pelas nuances do branco e do silêncio, por recursos gráficos e ilustrativos.

O novo está na tradução de vates que nada tem a ver com a poesia concreta. É o caso de Nerval ("ressoa o sol negro da melancolia"), Montale ("o vento que nasce e morre/ na hora que lenta escorre") e Sylvia Plath ("seus ocos trincam e tragam"; "her blacks crackle and drag").

Está na lembrança lírica da Loja do Livro Italiano, na rua Xavier de Toledo, na São Paulo do pós-guerra, na época em que começou a traduzir, quando se pôs a recriar Alfonso Gatto e Quasimodo, "poetas da resistência".

Está em reconhecer que, nos seus primeiros passos na arte da tradução, estava o poeta que —em outro dos livrinhos— agora transcrevia o compositor e poeta medieval Guillaume de Machaud, e este afirma: "Meu fim está no meu começo/ E meu começo no meu fim".

O nonagenário é um jovem longevo que retém o gume e o lume. Busca o presente e por isso volta ao passado. Deu o título de "Extraduções" aos livretos porque eles são um extra, um extraordinário a mais. São ex-poemas de outros idiomas que, com o seu trabalho, adquiriram vida nova em português.

A busca do presente está presente na sua introdução a Sylvia Plath. Ele separa a moça que se suicidou aos 31 anos da sua obra. Iessiênin, Maiakóvski e Tzvietáieva também se suicidaram na juventude, ele nota, e nem por isso são tidos por "confessionais" —que é o que fez, faz, a fama da americana.

Augusto escreve que a etiqueta de confessional "confunde e fragiliza a recepção da arte de Sylvia Plath". O rótulo seria uma "decorrência de certo preconceito feminista às avessas", uma "classificação ‘politicamente correta’ para a poesia feita por uma mulher". É firme e polêmico.

Não vale acusá-lo de antifeminista. Várias vezes o convidaram para receber a Ordem do Mérito Cultural. Nunca aceitou. Em 2015, porém, pôs o terno e foi ao Planalto no fragor da cruzada pela derrubada de Dilma. Até discursou. Disse que era um prazer receber a ordem das mãos dela.

Explicou que prezava a presidente "pela postura que ela sempre teve de defesa da democracia durante o malsinado regime militar, e pela firmeza e coragem com que se mantém na defesa da democracia contra aqueles que buscam de alguma forma malferir nossas instituições democráticas".

Augusto faz versos, mas não tergiversa. Para ele, a poesia concreta foi um momento. "Depois, cada um seguiu o seu caminho", disse. "Como o modernismo, o futurismo ou o surrealismo, nosso movimento está aí para ser estudado, comparado, avaliado estética e historicamente". Isso está por ser feito. Quanto às traduções, a apreciação pode ser feita já. Com suas tiragens de 30 exemplares, Augusto de Campos é nosso tradutor maior.

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