Mathias Alencastro

Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

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Descrição de chapéu Coronavírus África

Fechamento de fronteiras diante da variante ômicron condena África ao ostracismo

Movimento unilateral e inconsequente mostra que comunidade internacional precisa melhorar se quiser vencer a pandemia

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O novo capítulo da história do coronavírus tem um brasileiro como protagonista. O cientista Túlio de Oliveira, que reside na África do Sul desde 1997, está por trás da descoberta da nova mutação denominada ômicron.

Para a sua equipe, que também foi a primeira a identificar a variante delta em dezembro de 2020, trata-se de um infeliz bicampeonato. A mais recente contribuição decisiva da ciência africana para a luta contra a pandemia foi recompensada da pior forma. Em menos de 48 horas, um cordão sanitário foi erguido em torno de toda a África Austral.

Na era da informação instantânea, os governantes são obrigados a reagir às manchetes. Eles explicam a decisão de fechar fronteiras africanas, de utilidade duvidosa contra uma variante que já está presente em cinco, como a única possível diante das informações disponíveis sobre a ômicron.

Passageiros fazem fila no Aeroporto Internacional Tambo, em Joanesburgo, para deixar a África do Sul - Dmitri Korczak - 28.nov.21/AFP

Mas eles omitem que reabrir as fronteiras será muito mais difícil do que fechá-las. Os últimos dois anos nos ensinaram que a retomada da liberdade da circulação, supostamente um valor sagrado das democracias ocidentais, está condicionada a fatores comerciais, migratórios e eleitorais.

Nesse contexto, não é exagero dizer que as medidas podem ter sentenciado toda a África Subsaariana a meses, senão anos, de ostracismo.

A África do Sul, principal visada, é uma das principais portas de entrada da África. Só a província sul-africana de Gauteng, onde se situa a capital econômica Joanesburgo, produz cerca de 10% do PIB continental. O aeroporto internacional da cidade é o ponto de referência em serviços, transporte e logística. Nos últimos meses, as instituições financeiras exaltaram a diversificação econômica e a integração comercial como motores da recuperação pós-pandemia na região.

Todas essas belas promessas foram jogadas pela janela na tarde de sexta-feira. O drama é revoltante porque a África do Sul passou os últimos meses exigindo que as indústrias farmacêuticas e os países desenvolvidos honrassem os engajamentos assumidos pelo mecanismo Covax no ano passado.

Somente um quarto dos profissionais médicos e 6% da população africana está vacinada. Estima-se que faltaram 500 milhões de vacinas para os países africanos conseguirem imunizar 40% da sua população em 2021. A sempre romantizada solidariedade Sul-Sul também esteve muito aquém do esperado.

Nem tudo o que acontece na África é imputável aos países industrializados. Marrocos acabou de suspender todos os voos internacionais por duas semanas, contribuindo para o isolamento da África Ocidental.

A Tanzânia sofreu com um presidente à imagem do brasileiro, patologicamente negacionista, que ignorou a existência do vírus até o seu leito de morte. A própria África do Sul, onde o governo está longe de ser irrepreensível na gestão de crises sanitárias, depara-se com uma onda de hesitação vacinal.

Culpar os países desenvolvidos pelo surgimento da variante ômicron é colorir a ciência com lições de moralismo. Mas o movimento unilateral e inconsequente de fechamento de fronteiras mostra que a comunidade internacional precisa melhorar muito se quiser vencer a pandemia.

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