Russos que se opõem à guerra na Ucrânia partem para o exílio

Contrários à ação de Putin temem retaliação e se mudam para locais como Turquia e Armênia

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Anton Troianovski Patrick Kingsley
Istambul | The New York Times

Eles fizeram fila nos caixas automáticos, desesperados por dinheiro depois que Visa e Mastercard suspenderam as operações na Rússia, trocando informações sobre onde poderiam conseguir dólares.

Em cafés de Istambul, ficaram sentados em silêncio estudando mensagens de Telegram e mapas do Google. Organizaram grupos de apoio para ajudar outros exilados a encontrar moradia.

Dezenas de milhares de russos fugiram para a Turquia desde que a Rússia invadiu a Ucrânia: indignados com o que consideram uma guerra criminosa, preocupados com o recrutamento militar, tensos com a chance de fechamento da fronteira ou com o fato de seus meios de subsistência não serem mais viáveis.

Eles são só a ponta do iceberg. Dezenas de milhares viajaram a países como Uzbequistão, Quirguistão, Armênia, Geórgia e Cazaquistão, mais conhecidos como fontes de emigrantes para a Rússia. Na fronteira com a Letônia —aberta apenas para quem tem visto europeu—, os viajantes relataram esperas de horas.

As russas Maria Borzunova e Nigina Beroeva, que trabalhavam na TV russa Chuva, abraçam uma amiga antes de viajar para Tbilisi, na Geórgia
As russas Maria Borzunova e Nigina Beroeva, que trabalhavam na TV russa Chuva, abraçam uma amiga antes de viajar para Tbilisi, na Geórgia - 6.mar.22/The New York Times

Embora o êxodo de cerca de 3 milhões de ucranianos de seu país devastado pela guerra tenha concentrado a atenção do mundo, a escalada do autoritarismo na Rússia fez muitos habitantes perderem a esperança no futuro. Isso criou uma fuga —embora muito menor do que na Ucrânia— que alguns comparam à de 1920, quando mais de 100 mil oponentes dos bolcheviques comunistas durante a guerra civil foram buscar refúgio no que era então Constantinopla, a atual Istambul.

"Nunca houve algo assim em tempos de paz", diz Konstantin Sonin, economista russo da Universidade de Chicago. "Não há guerra em território russo. Como evento único, é muito grande."

Alguns dos que fugiram são blogueiros, jornalistas ou ativistas que temiam a prisão sob a nova lei draconiana da Rússia, que criminaliza o que o Estado considera "informação falsa" sobre a guerra.

Outros são músicos e artistas que não veem futuro para seus ofícios na Rússia. E há trabalhadores em tecnologia, direito e outros setores que viram a perspectiva de uma vida confortável de classe média —sem falar em qualquer possibilidade de aceitação moral de seu governo— se dissipar da noite para o dia.

Eles deixaram para trás empregos, família e dinheiro parado em contas bancárias que não podem mais acessar. Temem ser vistos como russos no exterior, enquanto o Ocidente isola o país em razão da invasão, e vacilam com a perda de uma identidade russa positiva. "Não apenas tiraram nosso futuro", afirma Polina Borodina, dramaturga de Moscou, sobre a guerra de seu governo na Ucrânia. "Tiraram nosso passado."

A invasão desencadeou uma mudança tectônica. Apesar de toda a repressão do presidente Vladimir Putin, a Rússia até o mês passado era um lugar com extensas conexões de viagens para o resto do mundo, internet praticamente sem censura, que dava alguma plataforma para a mídia independente, uma próspera indústria tecnológica e uma cena artística de classe mundial. Elementos típicos da classe média ocidental (Ikea, Starbucks, carros estrangeiros) estavam amplamente disponíveis.

Quando acordaram em 24 de fevereiro, porém, muitos russos viram que tudo aquilo tinha acabado. O jornalista Dmitri Aleshkovski, 37, entrou em seu carro e dirigiu para a Letônia. "Ficou claro que, se essa linha vermelha foi ultrapassada, nada mais o impediria", diz, sobre Putin. "As coisas só vão piorar."

Nos dias seguintes à invasão, Putin forçou o que restava de mídia independente na Rússia a fechar. Planejou uma repressão brutal contra manifestantes, com mais de 14 mil pessoas presas desde o início da guerra, incluindo 862 em 37 cidades no domingo (13), segundo o grupo OVD-Info.

Com certeza muitos russos apoiam a guerra —e vários deles desconhecem completamente a extensão do conflito, porque confiam nos noticiários da televisão estatal. Mas outros afluíram para lugares como Istambul, que, como em 1920, voltou a ser um refúgio para exilados.

Enquanto a maior parte da Europa fechou os céus, a Turkish Airlines decola de Moscou até cinco vezes por dia; somados com os de outras companhias, mais de 30 voos chegam da Rússia em certos dias.

"A história se move em espiral, especialmente a da Rússia", diz Kirill Nabutov, 64, comentarista esportivo de São Petersburgo que fugiu para Istambul com a mulher neste mês. "Ela volta para o mesmo lugar —para este mesmo lugar." O primo da mãe de Nabutov era um marinheiro de 18 anos na Crimeia quando foi retirado com a frota do comandante Peter Wrangel para Constantinopla em 1920.

Agora, uma geração de exilados enfrenta a assustadora perspectiva de recomeçar do zero. E todos enfrentam a dura realidade de serem vistos como representantes de um país que lançou uma guerra.

Russos que fugiram de Moscou em apartamento temporário de voluntário em Istambul
Russos que fugiram de Moscou em apartamento temporário de voluntário em Istambul - 12.mar.22/The New York Times

Na Geórgia, onde, segundo o governo, 20 mil russos chegaram desde o início da guerra, os exilados enfrentam ambiente intimidador, cheio de pichações antirrussas e comentários hostis nas redes sociais.

Muitos georgianos veem claros paralelos entre a invasão atual e a guerra da Rússia contra a Geórgia em 2008. Embora a maioria tenha recebido bem os recém-chegados, alguns não distinguem entre dissidentes que fugiram por razões morais ou de segurança e aqueles que apoiam Putin.

Na vizinha Armênia, cujo governo diz que vários milhares de russos chegam diariamente, os exilados disseram que foram mais bem recebidos. Davur Dordjeir, 25, conta ter deixado o emprego como advogado no Sberbank, banco estatal da Rússia, organizado suas finanças, feito um testamento e se despedido da mãe. Ele voou para Ierevan preocupado que comentários públicos que já fez contra o governo pudessem torná-lo um alvo. "Percebi que desde o início dessa guerra sou inimigo do Estado."

Alguns exilados estão tentando organizar esforços de ajuda mútua e buscando combater o sentimento antirrusso. Aleshkovski diz que chorou todos os dias no começo da guerra e teve ataques de pânico.

"Então me recompus e percebi que precisava fazer o que sei fazer." Ele e colegas estão organizando uma iniciativa chamada por enquanto de "Russos OK", para ajudar aqueles que são forçados ou querem partir e para produzir conteúdo de mídia em inglês e em russo.

Mikhail Khodorkovski, magnata do petróleo exilado que passou dez anos preso na Rússia, está financiando o projeto Kovcheg (arca), que fornece moradia em Istambul e em Ierevan e procura psicólogos para oferecer apoio emocional. Desde o último dia 10, já foram mais de 10 mil consultas.

A dor de deixar tudo para trás tem sido terrível, muitos disseram —junto com a culpa de talvez não ter feito o suficiente para combater Putin. A antropóloga Alevtina Borodulina, 30, juntou-se a mais de 4.700 cientistas russos que assinaram uma carta aberta contra a guerra. Enquanto caminhava com amigas no Boulevard Ring, em Moscou, uma delas puxou uma sacola que dizia "não à guerra" e foi presa.

Borodulina voou para Istambul em 3 de março, conheceu russos com ideias semelhantes em um protesto em apoio à Ucrânia e agora é voluntária no projeto Kovcheg para ajudar outros exilados.

"Era como se eu estivesse vendo a União Soviética", diz, sobre seus últimos dias em Moscou. "Pensei que as pessoas que deixaram a União Soviética na década de 1920 provavelmente tomaram uma decisão melhor do que as que ficaram e acabaram em campos."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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