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Descrição de chapéu Brasília

Defesa do terceiro setor exige mobilização da sociedade civil

No 10º aniversário do Marco Regulatório das OSCs, é preciso retomar a construção de um ambiente jurídico mais favorável às entidades

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Laís de Figueirêdo Lopes

Advogada, sócia da SBSA Advogados e presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB de São Paulo

Dois projetos de lei reverberaram recentemente nas redes sociais, nas ruas e nos espaços que abrigam organizações da sociedade civil.

Um deles, federal, equipara o aborto legal acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. O outro, municipal, batizado de "PL da Marmita", pretendia impor uma série de regras e multa de mais de R$ 17 mil para quem doasse comida às pessoas em situação de vulnerabilidade em São Paulo.

Meses antes, o país já havia assistido à ameaça de CPI das ONGs na Câmara de Vereadores, que mirava o padre Júlio Lancellotti, conhecido por atuar em nome do amor ao próximo na capital paulista. Todas as iniciativas estancaram diante da mesma autoridade: a imensa repercussão negativa que geraram na população.

A imagem mostra uma fila de pessoas aguardando para receber alimentos em um local com paredes azuis. Um homem, usando uma camiseta branca e um lenço rosa na cabeça, está entregando um pacote verde a um homem idoso, que usa um casaco laranja e um chapéu. Ao fundo, outras pessoas estão na fila, algumas usando máscaras. O ambiente parece ser um espaço comunitário ou de assistência social.
Sociedade civil deve se articular para defender existência de organizações sociais, ameaçadas por iniciativas retrógradas, como a CPI das ONGs - Keiny Andrade/Folhapress

Exemplos de uma onda que ganha cada vez mais corpo e poder. A sociedade civil mostra sua força ao levantar a voz contra decisões controversas, revelando um engajamento importante em espaço cívico renovado e uma determinação clara de influenciar políticas públicas e defender direitos fundamentais.

Potente, vigorosa e segura, a voz cidadã, por meio das suas organizações ou em ações individuais e espontâneas, apresenta-se como antídoto ao crescimento ameaçador de propostas como essas no mundo. O universo digital, ao mesmo tempo em que serve como veículo de propagação de fake news, tem sido aliado poderoso do protagonismo que vem das ruas e não dos gabinetes.

Iniciativas que surgem em um representativo momento de reflexão. Em 31 de julho de 2024, comemoramos dez anos do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, o chamado MROSC.

Durante três dias, 1.700 pessoas se inscreveram para celebrar a data no III Seminário Internacional do MROSC, que reúne organizações, academia, filantropia e gestores públicos num balanço geral da agenda.

E o que mudou de lá para cá na relação entre Estado e sociedade civil? O MROSC se firmou como instrumento vital para um ambiente mais justo e participativo. Uma ferramenta que trouxe para essa relação um lugar próprio e legítimo, que reconhece que o Estado conta com as organizações como colaboradoras para executar políticas públicas e, ao mesmo tempo, fomenta iniciativas dessas entidades.

Essas e outras novidades do novo regime jurídico mudam a narrativa e o empoderamento das organizações.

Mas temos muito ainda o que alcançar. Havia uma expectativa de que o MROSC gerasse uma revolução na relação entre Estado e sociedade civil. A ideia era promover segurança jurídica, transparência e regras claras para a execução de recursos públicos, além de incentivar a capacitação e a boa governança da administração pública e das organizações da sociedade civil.

No entanto, com a saída da então presidente Dilma Rousseff, em 2016, os esforços de implementação da nova lei restaram comprometidos.

A lei mudou, mas ainda falta mudar o Estado. Mesmo após uma década de MROSC, seguimos vendo medidas que criminalizam quem se dispõe a atuar no setor e nos mostram quanto ainda precisamos aperfeiçoar o diálogo.

Sabemos que estamos vivendo uma sociedade polarizada, mas as organizações devem ser protegidas e valorizadas, pois representam a vontade e a luta coletiva.

O engajamento cívico demonstrado diante dos PLs citados é, acima de tudo, um sinal positivo de uma democracia participativa e ativa. Precisamos dar mais vazão também aos debates contra excessos burocráticos que drenam as capacidades das organizações de seguir adiante, seja do ponto de vista dos atos administrativos, seja em relação à legislação vigente.

Importante citar que hoje este debate no Brasil finalmente conta com um espaço previsto pela própria Lei 13.019/2014 para concertação sobre políticas, regras e práticas referentes a agenda MROSC: o Conselho Nacional de Fomento e Colaboração.

Um bom recomeço para uma agenda adormecida. É hora de retomarmos a construção e a consolidação de um ambiente jurídico, legislativo e institucional mais favorável às organizações. A quem interessa um terceiro setor enfraquecido?

Com a sociedade civil se articulando contra iniciativas retrógradas, defendendo direitos fundamentais e fazendo avançar o seu diálogo com o Estado pela valorização de seu papel complementar no enfrentamento aos desafios sociais, econômicos, tecnológicos e ambientais no Brasil, é possível acreditar que o futuro venha a ser um tempo em que os direitos de todos serão respeitados e protegidos.

Inclusive os direitos das organizações da sociedade civil de existir e resistir.

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