Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Joe Biden acumula erros que atrapalham Partido Democrata na eleição nos EUA

Presidente mostra que já internalizou a própria fraqueza e aceitou de antemão a derrota nas midterms

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The New York Times | The New York Times

Se os democratas acabarem perdendo a maioria tanto na Câmara quanto no Senado nos EUA, resultado que parece mais provável hoje do que um mês atrás, não será nada de especialmente inesperado.

O partido do presidente quase sempre sofre perdas nas midterms. O ano começou para os democratas com maiorias pequenas e um mapa não muito favorável no Senado, e o Ocidente enfrenta uma crise energética movida por uma guerra, algo que geralmente prejudica partidos no poder, sejam eles progressistas ou conservadores —basta perguntar à pobre Liz Truss.

O presidente Joe Biden conversa com jornalistas após receber vacina contra a Covid em Washington - Saul Loeb - 25.out.22/AFP

Mas esse argumento não é boa desculpa para Joe Biden. Algumas disputas eleitorais inevitavelmente serão resolvidas nas margens, o controle do Senado possivelmente também, e nas margens sempre há alguma coisa que um presidente poderia ter feito de diferente para produzir um resultado político melhor.

O caso do americano não é exceção: devido a três falhas notáveis, três rumos que a Casa Branca sob Biden traçou, as midterms estão sendo mais difíceis para os democratas do que teria sido preciso.

O primeiro curso a ter consequências fatídicas começou, como Matthew Continetti observou em The Washington Free Beacon, nos dias iniciais da administração. Foi quando Biden tomou decisões críticas sobre energia e imigração que eram exigidas por ativistas de seu partido: uma moratória dos arrendamentos de novas terras públicas para a extração de petróleo e gás; e uma revogação parcial de políticas-chave de fronteira adotadas pela administração Donald Trump.

O que se seguiu nas duas áreas foi uma crise: um aumento grande da migração para a fronteira sul e uma alta dos preços de combustíveis impelida pela invasão da Ucrânia ordenada por Vladimir Putin.

Discute-se interminavelmente até que ponto as mudanças de Biden contribuíram para isso. Uma aposta razoável é que suas iniciativas na imigração de fato ajudaram a motivar o aumento da migração, enquanto a política em relação ao arrendamento de terrenos para extração de petróleo vai afetar o preço dos combustíveis em 2024, mas não mudou grande coisa na crise atual.

Mas o fato crucial é que, por menos intencional que tenham sido, as duas mudanças fizeram parecer que essas crises eram coisas que a administração Biden buscava.

E então, em vez de fazer um esforço grande de reformulação, priorizando energia doméstica e políticas de fronteira, a Casa Branca tentou mudar a aparência do que estava ocorrendo. Buscou soluções rápidas e temporárias: entregar o portfólio da fronteira a Kamala Harris e lançar mão da reserva estratégica de petróleo —de modo geral confirmando a ideia preconcebida de que, se você quer que um partido leve a sério a implementação de medidas imigratórias e a produção petrolífera, deve votar nos republicanos.

A segunda falha crucial também faz parte dos dias iniciais da administração. Em fevereiro de 2021, quando os democratas preparavam um pacote de estímulo de US$ 1,9 trilhão, um grupo de senadores republicanos fez uma contraproposta, de cerca de US$ 600 bilhões.

Derramando autoconfiança, a Casa Branca rejeitou a oferta e injetou três vezes mais dinheiro na economia. O que se seguiu foi o que haviam previsto alguns economistas de centro-esquerda dissidentes liderados por Larry Summers: a pior aceleração da inflação em décadas, quase certamente exacerbada pela escala enorme do pacote de estímulo.

Sendo que, se Biden tivesse aceito a proposta dos republicanos ou simplesmente feito uma própria e aberto negociações, poderia ter iniciado sua administração na base bipartidária que sua campanha prometera —e, ao mesmo tempo, protegendo o país dos perigos inflacionários que acabaram chegando.

A terceira falha tem relação a questões culturais, não à política econômica. Parte da atração de Biden como candidato foi seu longo histórico de moderado social —um católico de centro-esquerda da escola antiga, não um progressista fanático. Sua Presidência tem oferecido muitas oportunidades para fazer jus a essa persona moderada. Nas questões relativas às pessoas trans, as preocupações crescentes de europeus em relação a bloqueadores de puberdade serviriam de argumento potencial para ele pedir cautela maior relativa às intervenções médicas em adolescentes com disforia de gênero.

Em vez disso, a Casa Branca optou por negar a existência de qualquer discussão real sobre o assunto, posicionando a administração à esquerda da Suécia.

E há a decisão da Suprema Corte sobre o direito ao aborto, cuja impopularidade converteu a interrupção voluntária da gravidez numa questão que provavelmente resultaria em vitória política para democratas –desde que eles conseguissem mostrar-se como moderados e os republicanos como fanáticos.

Biden poderia ter liderado esse esforço, apresentando posições que ele próprio defendeu no passado —apoiar Roe vs. Wade, mas também defender restrições ao aborto perto do final da gestação e defender a emenda que proíbe o uso de recursos federais para pagar pelo procedimento na maioria dos casos— como o consenso nacional, contrapondo-se ao absolutismo da proibição da prática no primeiro trimestre.

Em vez disso, ele recuou e deixou que candidatos democratas promovessem o argumento ativista de que restrição nenhuma é permissível —uma posição impopular perfeita para desperdiçar a vantagem que a decisão sobre Roe deu ao partido.

A dúvida nesse caso, e até certo ponto com todas essas questões, é se um Biden mais moderado ou triangulador teria conseguido manter a coalizão unida. Mas com frequência demasiada essa questão vira uma desculpa para se encarar como inevitável a polarização e a política do 50-50. Um presidente forte, por definição, deve ser capaz de puxar seu partido para o centro quando a política o requer.

Portanto, se Biden sente que não consegue, isso sugere que ele já internalizou sua própria fraqueza e aceitou de antemão o resultado que provavelmente aguarda os democratas em novembro: a derrota.

Tradução de Clara Allain

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