Ross Douthat

Colunista do New York Times, é autor de 'To Change the Church: Pope Francis and the Future of Catholicism' e ex-editor na revista The Atlantic

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Descrição de chapéu The New York Times

Colunista promove diálogo entre eleitores indecisos antes das midterms nos EUA

Dois jornalistas discutem por que não se sentem representados por republicanos ou democratas

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The New York Times

Ross Douthat, colunista do New York Times, organizou um bate-papo online com Liel Leibovitz, editor-executivo da revista Tablet e apresentador dos podcasts "Unorthodox" e "Take One", e Stephanie Slade, editora-sênior da revista Reason, para discutir como eles e outros americanos "politicamente sem-teto" estão encarando as midterms —eleições parlamentares que ocorrem de meio do mandato, marcadas para 8 de novembro.

Ross Douthat Obrigado a vocês dois por servirem de representantes da parte importante dos EUA que se sente genuinamente dividida entre os partidos políticos. Liel, em dezembro de 2021 você escreveu um artigo sobre o que chamou de a virada —sobre não se sentir mais em casa na esquerda política, sentir-se distanciado do Partido Democrata devido a tudo, desde os fechamentos de escolas na época da Covid até o progressismo doutrinário.

Para onde "a virada" o leva quando se trata de política eleitoral, quando você enfrenta as escolhas que podemos dizer que são binárias das midterms?

Caixa de correio para receber votos antecipados no condado de Coconino, no Arizona - Michael Patacsil - 20.out.22/Reuters

Liel Leibovitz Não me leva para nenhum lugar positivo, infelizmente. Sou imigrante, de modo que não tenho lealdades realmente tribais ou que vêm de longa data. Como tantos outros imigrantes, vim para esse país porque me importo profundamente com duas coisas: a liberdade de religião e as liberdades individuais. E os dois partidos estão melando tudo o que diz respeito a esses dois pilares fundamentais da vida americana —de aplaudir a espionagem policial de americanos muçulmanos na esteira do 11 de Setembro até aplaudir nas redes sociais a imposição de restrições à liberdade de expressão. "A virada" me afasta tanto dos democratas quanto dos republicanos.

Douthat Stephanie, você é libertária, integrante de uma facção que sempre se sentiu um tanto distanciada de ambos os partidos, apesar de geralmente ter uma ligação mais forte com a direita. Acho que vale dizer que não estamos vivendo um momento especialmente libertário em nenhum dos dois grupos. Que tipo de resultados você quer ver sair do dia da eleição?

Stephanie Slade Isso é difícil. Como uma pessoa motivada pelo desejo de termos muito menos governo do que temos atualmente, sempre vou ficar nervosa com a perspectiva de um Congresso que se disponha a aprovar cegamente os caprichos de um presidente (ou vice-versa). Logo, sou instintivamente fã da divisão do poder. Mas essa preferência se choca com o repúdio quase inimaginável que sinto por alguns dos que precisariam vencer para o Partido Republicano poder retomar o Senado.

Douthat Liel, como alguém cuja relação com a esquerda e os democratas ficou muito mais complicada nos últimos anos, o que você vê quando olha para a alternativa republicana?

Leibovitz Infelizmente, a mesma coisa que vejo quando olho para os democratas. Um partido demasiado enredado com ideias muito ruins e demasiado interessado no poder, em vez de nos princípios. Vejo um partido que se presta a aplaudir o governo grande para limitar as liberdades individuais e permitir que oligopólios tech rejam muitos aspectos de nossas vidas. O único raio de luz está no grande número de eleitores que divergem da ortodoxia que ambos esses partidos parecem estar produzindo hoje em dia. Para mim, isso indica que a dicotomia esquerda/direita está realmente perdendo o sentido.

Douthat Mas os partidos sempre estão mais interessados no poder que nos princípios, não? E muitas pessoas olham para a paisagem e dizem: "Claro que há problemas nos dois, mas as questões em jogo são importantes demais para não tomarmos partido". Entre os progressistas, especialmente, há uma corrente forte de frustração com os eleitores que se sentem pressionados por considerações contraditórias. Como reage a pessoas que não conseguem entender por que você não está inteiramente do lado delas?

Slade As pessoas que buscam o poder com certeza querem que os eleitores sintam que as questões em jogo são importantes demais para eles não concordarem com as exigências delas. Sim, há partidários militantes de ambos os lados que me veem como traidora por não estar 100% do lado deles. Ao mesmo tempo, existe uma distinção que merece ser lembrada entre as opiniões dos militantes partidários e as do eleitor republicano ou democrata mediano. A maioria dos americanos não está tão aferrada assim a sua identidade republicana ou democrata.

Leibovitz A coisa mais corrosiva e desanimadora é o grau em que nosso debate político se tornou uma soma zero. Olho para o Partido Democrata e vejo muita energia da qual gosto —especialmente o espírito antigo de Bernie Sanders, antes de ser consumido pelo aparelho. Olho para o Partido Republicano e vejo gente como Ted Cruz, pessoas que são muito boas quando se trata de resistir a algumas das piores ideias do partido. Há esperança e energia aqui. Só não há se você continua sempre a encarar a disputa como sendo vermelhos versus azuis.

Douthat Um momento, Liel. Quais são as más ideias contra as quais você acha que Ted Cruz está fazendo resistência?

Leibovitz Ele representa um tipo de energia que não necessariamente gravita para as ortodoxias de dar a grandes corporações a liberdade de fazer o que bem entendem. Ele tem raízes numa visão dos EUA que rejeita a noção de que temos uma massa de interesses governamentais-corporativos que ditam cada aspecto da vida e de que tudo é uniformizado, do sistema médico ao entretenimento.

Douthat Esse é um bom exemplo da diferença entre como políticos profissionais enxergam as coisas e como os indivíduos as veem. Não há espaço para um simpatizante de Bernie e Cruz nas tipologias políticas normais. Mas vemos nas pesquisas de opinião agora não apenas eleitores da Geórgia que podem apostar em Brian Kemp para governador e Raphael Warnock para senador, como também habitantes do Arizona que podem votar em Mark Kelly e Kari Lake, uma combinação ainda mais esdrúxula.

O que você, Stephanie, acha desse impulso de dividir o voto?

Slade Parte disso não é novidade. Não é de hoje que cientistas políticos e institutos de pesquisas observam que as pessoas comuns não gostam da ideia de um lado na política ter poder demais em dado momento. Não posso criticá-las por isso.

Leibovitz Concordo. Mas ainda acho muito interessante o fato de algumas dessas divisões serem tão bizarras, como o grande número de pessoas que votaram em Barack Obama em 2012 e em 2016 votaram em Donald Trump. Isso nos revela algo verdadeiramente interessante, ou seja, que esses rótulos desgastados —democrata, republicano— já não significam grande coisa, na realidade.

Slade Nós, que estamos por dentro da política, sempre queremos acreditar que os eleitores baseiam suas escolhas numa posição filosófica consistente. Mas estamos assistindo a muito mais votos movidos pela frustração, votos de reação contra alguma coisa. Isso pode ser tudo bem, na medida em que há coisas de sobra com que ficarmos frustrados em nosso mundo, mas meu medo é que isso possa descambar para uma política movida por ódios. E isso é assustador.

Douthat Certo. Por exemplo, entre os analistas e comentaristas existe uma premissa de que os candidatos republicanos devem ser avaliados com base em até que ponto defendem teorias eleitorais conspiratórias e de que os indecisos devem rejeitar os conspiratórios. Isso parece ocorrer na Pensilvânia, onde o republicano mais conspiratório, Doug Mastriano, se sai pior na disputa para governador do que Dr. Oz no Senado. No Arizona, porém, Lake é a candidata mais conspiratória e parece estar em posição mais forte que Blake Masters na disputa por uma vaga no Senado.

Isso sugere que os eleitores indecisos frequentemente se norteiam por critérios diferentes que os da classe política.

Leibovitz Quero injetar uma dose muito grande de esperança aqui, se é que ouso. Sim, há muito ódio e medo correndo solto. Mas se olhamos para esses padrões voláteis que você descreve, vemos outra coisa, que é um anseio por uma visão real. Os eleitores estão gravitando para candidatos que lhes contam narrativas coerentes e que fazem sentido. Para as classes políticas, essas narrativas às vezes soam conspiratórias, malucas ou distantes da realidade do governo federal. Mas, para os americanos comuns, fazem sentido.

Douthat Ou, Stephanie, será que eles estão apenas oscilando de um lado a outro com base no preço da gasolina? Ou será que todas as narrativas maiores são coisas que os analistas políticos sobrepõem aos impulsos mais básicos movidos pela preocupação com considerações econômicas?

Slade Sim, eu fico um pouco mais dividida sobre isso. Os problemas econômicos fundamentais têm importância enorme, assim como os fatores estruturais —como o fato de que o partido do presidente geralmente se sai mal nas midterms.

Douthat Mas então você, sendo uma americana mais bem informada que a maioria e mais sujeita a pressões contraditórias, acha que eleger republicanos para a Câmara ou o Senado vai ajudar com a situação econômica?

Slade É uma discussão que corre solta entre os libertários: se ter um governo dividido é uma coisa boa. Ou será que a única coisa sobre a qual os dois partidos podem concordar é que devem gastar mais e mais dinheiro?

Não tenho muita esperança de que uma Câmara ou um Senado sob controle republicano farão muita coisa boa. Por outro lado, a pura e simples insanidade econômica dos anos Biden —que equivale a aprovar mais de US$ 4 trilhões em empréstimos novos, sem falar na moratória anticonstitucional dos despejos e do perdão da dívida estudantil— é incompreensível para mim, de modo que praticamente qualquer coisa que possa frear algumas dessas medidas me parece que valeria a pena ser tentado.

Douthat Falado como uma legítima eleitora indecisa! Liel, você não é libertário, mas seu perfil —escritor imigrante judeu que rejeita o extremismo progressista— guarda semelhanças com um grupo anterior de pessoas sujeitas a pressões contraditórias: os neoconservadores originais dos anos 1970.

Com o passar do tempo, muitos acabaram se inserindo confortavelmente na direita (até recentemente, pelo menos), porque se sentiram acolhidos pelo otimismo da Presidência de Ronald Reagan. Você acha que o lado tóxico do Partido Republicano constitui um obstáculo que vai impedir permanentemente um movimento semelhante para a direita de pessoas que rejeitam o progressismo?

Leibovitz Sem querer adotar um tom demasiado bíblico, eu vejo Trump não tanto como uma pessoa quanto como uma praga, um lembrete dos céus de que precisamos nos emendar, se não sofreremos as consequências. E muitos eleitores que não gostaram do forte desvio para a esquerda descrito pelo Partido Democrata estão se sentindo politicamente sem-teto no momento —como eu.

Mas politicamente sem-teto não significa politicamente impotente ou desesperançado. A saída não está em calcular qual dessas "casas" dilapidadas é melhor, mas focar quais ideias ainda nos são caras. Estou de acordo com Stephanie. É crucial brecar a insanidade econômica —que vai de gastos públicos desenfreados a suspender a produção de petróleo e fazer o preço da gasolina subir e dar passe livre às grandes corporações.

Também é imprescindível combater a ideia de que é tudo bem pensar que o governo possa decidir que algumas categorias, como cor, gênero ou orientação sexual, tornam uma pessoa membro de uma classe protegida e que o governo tem o direito de decidir qual dessas classes é mais digna de proteção.

Douthat Vamos encerrar falando em termos mais específicos. Independentemente do partido, há algum candidato que você quer especialmente que vença ou perca?

Leibovitz Sou nova-iorquino. Logo, qualquer candidato que tenha ajudado a converter esse estado —e minha cidade amada— no caos que é hoje merece perder. Lee Zeldin parece ser o tipo de candidato inesperado que pode ser transformador, especialmente considerando os danos imensos provocados pelos progressistas no estado.

Douthat Ok, você identificou um candidato republicano que gostaria de ver vencer. Existe algum que quer ver perder?

Leibovitz Sei que a Pensilvânia é um campo de batalha muito importante e que os democratas apresentaram como candidato uma pessoa que parece mal equipada para encarar essa responsabilidade, mas é muito, muito difícil levar a sério a candidatura do Dr. Oz.

Slade Passo boa parte do meu tempo acompanhando o movimento conservador iliberal ascendente, conhecido como conservadores nacionais, pós-liberais, Nova Direita e assim por diante. O que os distingue é seu desejo não apenas de conquistar poder no governo, mas de usar esse poder para destruir seus adversários. Isso contraria tudo em que acredito e tudo que a meu ver os EUA representam.

A pessoa que é candidata a um cargo público no momento e que parece mais representativa dessa posição é J.D. Vance, que disse a um repórter certa vez que "nossa gente odeia as pessoas certas". Eu gostaria de ver esse pensamento perder redondamente em novembro, onde quer que esteja representado por candidatos —não que eu esteja dizendo que penso que vai perder realmente em Ohio.

Douthat Nada de previsões aqui, apenas preferências. Há alguém que você gostaria de ver ganhar?

Slade Como boa libertária, posso dizer que eu gostaria que todos perdessem?

Douthat Não realmente, porque minha última pergunta concede a vocês um poder muito antilibertário. Cada um é o único eleitor indeciso nos EUA e tem a oportunidade de definir o mundo de 2023: um Congresso controlado pelos democratas, pelos republicanos ou o curinga: republicanos tomando o controle de uma Casa, mas não da outra. Como utilizaria esse poder?

Leibovitz Sou torcedor dos Mets, de modo que curinga é uma metáfora boa. Eu aceitaria a divisão, veria os dois partidos perdendo de maneiras cômicas e tristes e rezaria por um time melhor na próxima eleição.

Slade Se eu fosse forçada a decidir, dividiria o bebê ao meio e depois o dividiria ao meio de novo: os republicanos ficariam com a Câmara e os democratas, com o Senado.

Douthat Uma conclusão deveras salomônica. Muito obrigado aos dois.

Tradução de Clara Allain

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