Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

Quem é que está a rir agora?

É mais fácil nos aproximarmos do país de Salazar que da inovação portuguesa

Ilustração de bonde em rua
Rodrigo Yokota/Folhapress

​Na terra do Pai Natal, você pode conectar seu telemóvel nos elétricos. Traduzindo para quem foi pego de surpresa com uma língua que "às vezes" parece com a nossa: em Portugal, onde o Papai Noel tem outro nome, você pode andar de bonde e usar o wi-fi do seu celular. 

Percebi isso quando, chegando a pé à praça do Comércio, no fim de semana passado, o bonde que cruzava à minha frente, todo decorado com motivos natalinos —o "Elétrico de Natal"—, trazia o aviso de que seus usuários poderiam usufruir da internet. 

Um detalhe menor do cotidiano da capital portuguesa, hoje um dos mais procurados destinos turísticos da Europa (inclusive por brasileiros). Mas que fala alto quando a gente se lembra da imagem que até bem pouco tempo tínhamos de Portugal.

É um grande clichê, estou ciente disso. Mas todos sabem como o brasileiro sempre olhou com certo desdém para a "Terrinha"

A lógica cartesiana e impecável dos portugueses sempre rendeu assunto para infinitas piadas —conhece aquela da pessoa que pergunta a quem está dentro do elevador que chega se ele está subindo ou descendo, e a resposta do português, corretíssima, é: "Está parado"? 

E o apego às tradições aliado à petrificação da sociedade no período salazarista sempre passou a ideia de que nossos irmãos ficaram parados no tempo.

Enquanto nós, os brasileiros "descolados", avançamos em tudo —na economia, nos costumes, na criatividade, enfim, como civilização. Espertos que somos, nós, quando comparados a eles, desenvolvemos cidades mais interessantes, tramamos uma malha social mais justa e éramos "os filhos que deram certo" —sem remorso de cortar o cordão umbilical da pátria que também nos formou.

Nesse sentido, quando visitei Lisboa pela primeira vez, no início dos anos 1980, dei-me por satisfeito de ter tomado um bom vinho, comido um bom bacalhau, ouvido um bom fado e visto um belo castelo. 

Que diferença desta última viagem

Para poder dizer que aproveitei bem Lisboa, tive que: descobrir um novo prédio de arquitetura arrojada na Ribeira, comer num dos restaurantes de um dos chefs mais inovadores da Europa (José Avillez); conhecer a nova loja de um estilista incrível (Nuno Gama); ouvir uma nova voz do "hip-hop tuga" (Tour Quesa); visitar galerias de arte contemporânea; perder-me nos inúmeros rótulos apresentados por meu amigo Pedro Marques; celebrar a tradição com um toque moderno comprando presentes na loja A Vida Portuguesa; procurar nas prateleiras da Bertrand por novos escritores fantásticos (como Filipa Martins e Valério Romão); passear pelos cafés e butiques brotando da rua do Poço dos Negros; ver o pôr do sol do bar do Memmo Hotel na Alfama.

E ainda tive de sair com a frustração de não ter aproveitado ao máximo os três dias que passei por lá. 

Com tantos motivos para celebrar a vida em Lisboa, e em Portugal como um todo, que investiu pesado em turismo nas duas últimas décadas, resolvi perguntar então, usando o sempre elegante infinitivo que eles adoram (aliás, bem melhor que nosso surrado gerúndio): quem é que está a rir agora? 

Nós aqui no Brasil há anos deixamos de encarar o turismo como uma fonte sólida de renda —se é que um dia olhamos para ele com alguma seriedade. 

Com o nosso incomensurável potencial natural, nos contentamos em simplesmente empacotar o que temos —e, se pensamos em atrair o turista estrangeiro, jamais é para seduzi-lo, mas apenas para tirar-lhe um dinheiro fácil. (Não são poucos os relatos de amigos que cá nos visitaram uma só vez para nunca mais voltar). E nada indica que, nos anos vindouros, essa situação deve melhorar.

Pior, com a abstrata nostalgia que toma conta do nosso povo, parece mais fácil nos aproximarmos do país de Salazar do que de uma nação que hoje tem ideias como o projeto "Portugal 2020", que conecta investidores portugueses a quem tem boas ideias de inovação, inclusive estrangeiros: soube de dois brasileiros já beneficiados pelo esquema.

Podemos até seguir com nossas piadas, mas não deve demorar muito até a gente começar a ouvir "aquela do brasileiro que se achava tão moderno que acreditou que o melhor caminho para o futuro era o passado".

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