Queijo medalhista internacional movimenta cidadezinha mineira

Em Alagoa, os 112 queijeiros produzem 3,5 toneladas diárias do queijo inspirado no parmesão

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Alagoa (MG)

No cocuruto da Serra da Mantiqueira, a 1.132 metros de altitude, Alagoa é um município de 2.700 habitantes dos quais 112 são queijeiros.

O sotaque cantado é mineiro raiz, mas o que se produz ali não é queijo minas. Reconhecido e regulamentado oficialmente pelo governo de Minas Gerais, o Queijo Artesanal de Alagoa já foi conhecido como parmesão da Mantiqueira.

Hoje, porém, tem nome, sobrenome e uma cidade inteira para defender sua identidade.

Queijo da cidade mineira de Alagoa, em Minas Gerais - Divulgação/Nereu Jr.

Essa história começou há mais de 100 anos, quando o imigrante italiano Paschoal Poppa inventou de transformar em queijo o leite farto produzido na região.

Não se sabe ao certo de que região da Itália veio Poppa, mas é bem provável que tenha sido da Emilia-Romagna, já que a receita era praticamente a mesma do famoso Parmigiano Reggiano.

O leite cru, adicionado a fermento e coalho, é aquecido a no máximo 50ºC. A massa, depois de enformada e livre do soro, passa 36 horas mergulhada em salmoura.

Depois de lavados, os queijos vão para a maturação. Quanto mais tempo nas prateleiras de madeira, mais picantes, quebradiços e aromáticos vão ficando.

Em Alagoa, o modo de fazer queijo passa de pai para filho —mas, por pouco, a tradição não se perdeu. Marcio Martins, 69, proprietário da Fazenda 2M, lembra que o gargalo era a comercialização, que dependia de atravessadores.

“Pagavam pouco e ainda pediam 40 dias de prazo para pagar”, ele conta.

Foi quando Osvaldo Martins de Barros Filho, 36, um alagoense neto de tropeiro que parece ter nascido sabendo tudo de marketing, teve a ideia de vender os queijos dos sitiantes amigos pela internet.

Era o ano de 2009 e ninguém ali —nem o próprio Osvaldinho, como prefere ser chamado— sabia como viabilizar a venda online.

“Me falaram que precisava de logística, aí fui procurar quem fizesse as entregas, mas não encontrei uma só empresa que aceitasse vir até Alagoa. Só os Correios toparam entregar”, relembra.

O começo foi tímido: nos dois primeiros meses, só três pedidos para despachar. Mas não é que o negócio pegou? Doze anos depois, a Queijo D’Alagoa, empresa que ele fundou, vende mensalmente 2 toneladas de queijos, de dez produtores. “Virei um tropeiro digital”, brinca.

Osvaldinho, fundador da Queijo D’Alagoa, empresa que vende mensalmente 2 toneladas de queijos de dez produtores de Alagoa (MG) - Divulgação/Nereu Jr.

Embora não fabrique os queijos, Osvaldinho tem participação ativa no processo de produção, como afinador.

Significa que as formas chegam às suas mãos com poucos dias de vida, e cabe a ele a tarefa de curá-las, por prazos que variam de queijo para queijo e podem chegar a seis meses —entre os dias 15 e 18 de setembro, o mineiro estará em Lyon, na França, participando do curso intensivo de cura de queijos da escola Mons Formation, em parceria com a associação SerTãoBras. Será o terceiro em sua carreira.

O armário onde os queijos repousam para envelhecer é a grande atração da loja física da Queijo D’Alagoa. Inaugurado em 2017, o ponto turístico iniciou um movimento que transformou a vida da cidade.

Não demorou para que os queijos chegassem às cozinhas de chefs dos grandes centros, criassem fama e atraíssem visitantes dispostos a vencer o acesso difícil à cidadezinha. Outras lojas pipocaram por ali —hoje são nove. Ao todo, os 112 queijeiros locais produzem 3,5 toneladas por dia.

O Festival do Queijo, evento realizado anualmente desde 2010 (só a edição de 2020 foi suspensa, devido à pandemia), deu força extra ao setor. A última edição recebeu 10 mil pessoas, mais do que o triplo do número de habitantes.

“Antes até havia turismo, mas eram poucas pessoas do interior que vinham fazer passeios de um dia. Agora já temos sete pousadas, com 220 leitos ao todo”, comemora o prefeito Juliano Diniz, 42, já no segundo mandato.

Uma delas é a Pousada Trilha do Ouro, onde a vista deslumbrante das montanhas concorre com outra atração: o macarrão que a proprietária, Paula Diniz, finaliza dentro de um queijo tamanho gigante, que vai derretendo e se incorporando à massa.

Os queijos alagoenses têm acumulado prêmios importantes. Leandro Fonseca, 38, que produz o queijo batizado de Alagoinha, saiu do Prêmio Queijo Brasil, em 2019, com a medalha de ouro.

De seu sítio, saem 50 peças de um quilo todos os dias. Depois de maturadas, perdem peso e ganham valor —cada uma pesa de 500 a 600 gramas e custa R$ 40 no e-commerce (www.queijodalagoa.com.br).

Ninguém foi tão longe, porém, quanto Marcio Martins. Em 2019, seu queijo foi agraciado com a medalha de prata no Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, um dos concursos mais importantes do setor, realizado na França.

Embora o retrato de Martins estampe a embalagem, o mérito, como ele mesmo faz questão de avisar, é de sua mulher, Dirce Barros, encarregada da queijaria.

Enquanto ele cuida das 35 vacas e comanda as duas ordenhas diárias, ela assume a produção do começo ao fim, com ajuda do filho Caik. Maturadas por apenas sete dias, as peças pesam entre um e 1,3 quilo e custam R$ 70.

A demanda tem tudo para aumentar. O Queijo D’Alagoa é um dos produtos selecionados pelo 24º Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes, que será realizado de 18 a 26 de setembro.

Além de servir de ingrediente para pratos de restaurantes da cidade, como a posta de pirarucu com crosta de queijo D’Alagoa e castanhas-de-caju que o chef João Victor Santos Dolabela vai preparar no Beco D’Ouro, será vendido no empório online do evento, com entregas em todo o Brasil.

Enquanto isso, Osvaldinho conta o tempo que falta para inaugurar, em Alagoa, um verdadeiro complexo queijeiro, englobando escola, cave subterrânea para maturação e loja com espaço para eventos.

O projeto, elaborado em parceria com Emater-MG, mal começou —está na fase de terraplanagem e tem inauguração prevista para 2023. Mas ninguém por ali duvida que, logo logo, Alagoa vai entrar no mapa mundial da produção queijeira. Se é que já não entrou.

A repórter viajou a convite do Festival Cultura e Gastronomia de Tiradentes

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