Competição desafia cozinheiros a harmonizar pizzas com vinho do Porto

Segunda edição do World Stars Pizza & Port Wine teve sabores com carne de rena e compota de jabuticaba

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Marcelo Duarte
Porto

Era um casamento totalmente improvável. Tipo Cláudia Raia e Alexandre Frota. Como harmonizar pizza com o licoroso e doce vinho do Porto? A versão branca é servida predominantemente como aperitivo, e a tinto, como digestivo.

A pergunta acabou rendendo uma competição. A segunda edição do World Stars Pizza & Port Wine, que aconteceu no último dia 16 de novembro, na cidade portuguesa do Porto, teve catorze competidores (todos com festejados currículos) de Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão, Porto Rico, Portugal, Sérvia e Suécia.

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Chef pizzaiolo Antonio Mezzero, organizador do World Stars Pizza & Port Wine - Marcelo Duarte

"Fiz uma grande consulta mundial com amigos e reuni apenas artistas", afirma o chef pizzaiolo Antonio Mezzero, organizador do evento. "O que eu faço é uma verdadeira Copa do Mundo da pizza".

Foram três categorias, e a principal delas, a harmonização da pizza (que os portugueses, aliás, pronunciam ‘pisa’) com o vinho do Porto, foi vencida pelo representante brasileiro Jaqueson Dichoff, um dos três únicos que disputaram também a primeira edição, em 2018.

Para a harmonização com o vinho do Porto, Jaqueson apostou numa fruta bem brasileira. A pizza ganhadora tinha queijo minas, queijo mogiana com urucum —que lhe dava um aspecto mais alaranjado—, salame picante e um tomate especial, bem doce, plantado por um casal (ele holandês, ela russa), em Andradas, no interior mineiro.

Por cima, um leve toque de pesto de coentro e castanha de caju, finalizada com compota de jabuticaba da marca Maria Preta, fabricada em Campinas, e queijo tulha da Fazenda Atalaia, de Amparo, ambas no interior de São Paulo.

Também veio na mala um azeite premiado da Fazenda Irarema, de São Sebastião da Grama, a 270 km de São Paulo. "A compota de jabuticaba criou uma ilusão de parecer azeitona e isso surpreendeu o júri", conta Jaqueson. "Em 2018, eu tinha usado geleia de jabuticaba, que era mais doce que a compota."

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Pizza apresentada na segunda edição do World Stars Pizza & Port Wine, que aconteceu no último dia 16 de novembro, na cidade portuguesa do Porto - Marcelo Duarte

Havia pizzas com coberturas de todos os tipos. Ali Chahrour, representante sueco, usou fatias de carne de rena, enquanto o alemão Tobias Kühnle colocou batatas e maçãs carameladas na cobertura da sua. O italiano Gianni Calaon, sete vezes campeão do mundo, apareceu com uma massa verde e explicou aos jurados que havia a enriquecido com espirulina.

Takumi Tachikawa, do Japão, usou caras de bacalhau, que ele comprou ao chegar em Portugal —loucuras que, até então, se pensava que só os donos de rodízio de pizza no Brasil seriam capazes de inventar.

Jaqueson largou a publicidade e morou dois anos na Itália para se formar na Scuola Italiana Pizzaioli. Já foi sócio de pizzarias, como a Vituccio, na Vila Ipojuca, em São Paulo, e hoje viaja pelo país dando cursos e consultorias para quem deseja entrar no ramo.

Na primeira edição do World Stars, que teve dez pizzaiolos, Jaqueson foi eliminado na primeira fase. Desta vez, ele estudou cada detalhe. "Como sabia que a maioria dos jurados seria italiana, desisti de trazer carne seca", conta. "Achei que estranhariam o sabor."

Mezzero reconheceu a ascensão do brasileiro: "Ele veio para ganhar. Foi o único que me pediu o contato dos enólogos antes de entrar no avião".

Aqui vale uma explicação de como funciona a competição. Cada pizzaiolo "defende" uma vinícola da região. Em comum acordo, pizzaiolo e enólogo da casa decidem que vinho do Porto e vinho douro serão harmonizados com as pizzas.

No sorteio, Jaqueson ficou com a Ramos Pinto, que tem uma longa tradição com o mercado brasileiro. A Ramos Pinto foi fundada em 1880 e, já naquele ano, começou a exportar seu vinho para o Brasil. Em 1889, o vinho do Porto Adriano foi o primeiro vendido já engarrafado para o Brasil. Adriano é o nome do fundador, Adriano Ramos Pinto, que abriu o negócio com apenas 21 anos.

No começo, o vinho do Porto era apresentado como um fortificante. Um remédio mesmo. Na categoria douro, o vinho escolhido pela Ramos Pinto foi o Duas Quintas. Ao conversar com o enólogo Thomas Rogerson e com o diretor de exportações Nuno Sampaio Maia, Jaqueson saiu na frente e começou os testes já em São Paulo.

Aos poucos, os portuenses começaram a entender que a pizza permite um mundo infinito de combinações e, portanto, a harmonização com vinho do Porto não era algo tão impossível assim.

Em 2017, o napolitano Antonio Mezzero resolveu subverter a tradição e, no Dia Internacional do Vinho do Porto, celebrado em 10 de setembro, apresentou duas pizzas com esse objetivo —uma de sotaque português (com muçarela fior di latte, alheira de caça, agrião, queijo de cabra curado do Alentejo e redução de vinho do Porto) e outra de sotaque italiano (com a mesma muçarela, mortadela de Bologna , rúcula, pistache, cogumelo porcini e parmesão).

A data está registrada até em uma das paredes de sua pizzaria, inaugurada em 2011, na cidade de Matosinhos, na Grande Porto. As duas pizzas, obrigatoriamente acompanhadas de cálices de vinho do Porto, estão fixas em seu menu desde então.

Mezzero chegou em Portugal há 14 anos e se vangloria de ter sido o primeiro a fazer pizza em estilo napolitano no país. "Nasci na Itália e quero morrer em Portugal", diz.

Uma fatia de sua família fazia parte do clã Casalesi, um braço da Camorra, a máfia napolitana. O homônimo Antonio Mezzero, primo do pai e apontado como um dos chefões, foi preso por três homicídios —pegou uma pena de 55 anos em 1999 e foi solto em julho passado, depois de cumprir 23 anos.

No início dos anos 1990, a guerra entre autoridades e mafiosos amedrontava os italianos. Os pais de Mezzero, Martino e Maria, tinham medo de que os cinco filhos se bandeassem para os lados da máfia também.

Por isso, deixaram para trás uma empresa de construção civil e se mudaram para a pequena Waldshut-Tiengen, no sul da Alemanha. Mezzero tinha sete anos. A família teve que recomeçar do zero.

Já em Portugal, Mezzero começou trabalhando na pizzaria do irmão, a S. Martino, que hoje tem 21 endereços espalhados pelo país. Até que conseguiu um empréstimo com o cônsul italiano da cidade para abrir sua própria casa, de apenas dez lugares. Três anos depois, Mezzero ampliou o espaço para os atuais quarenta.

Tirou o Pizzeria Pulcinella da fachada para colocar seu nome, mostrando que ali a pizza era autoral. Pela massa de fermentação longa, pelos ingredientes e pela sua arte. Virou uma celebridade.

Louco por futebol, o torcedor do Napoli conquistou o paladar de boleiros. Os brasileiros Hulk e Alex Telles, que jogaram no time do Porto, eram habitués da casa e foram trazendo os portugueses e os estrangeiros. Várias vezes os clubes fecharam a pizzaria para comemorações de títulos.

Hoje, na alta temporada, há quem espere duas horas para conseguir uma mesa. Vende em média cem pizzas por noite, com preços que variam de 15 a 27,50 euros (individual).

Para a próxima edição do World Stars Pizza & Port Wine, inicialmente prevista para setembro de 2024, Mezzero planeja trazer dois pizzaiolos de cada país, um para cada tipo de harmonização. Quer abrir espaço também para mulheres.

"Não dá para entender por que temos tão poucas mulheres pizzaiolas no mundo", lamenta a italiana Simona Lauri, mestre em panificação e pizzas, convidada para ser jurada no Porto. "Veio possivelmente da tradição da panificação, que também era masculina. Mas fazer pizza é um trabalho com sensibilidade, paixão, tudo a ver com as mulheres."

O repórter viajou a convite da organização da World Stars Pizza & Port Wine

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