Descrição de chapéu Natal

Aos 70 anos, chef e consultora Ana Soares faz Natal com 400 ceias

Dona do Mesa III e criadora de mais de cem cardápios de restaurantes paulistas faz planos para 'acalmar'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Quem circula pelos restaurantes e bares paulistanos já deve ter provado muita receita de Ana Soares sem nem saber. Embora essa paulista de Guararapes tenha conquistado fama e prêmios à frente da rotisseria Mesa III, inaugurada em 1995, o alcance de suas criações é bem maior.

Arquiteta de formação, Soares é uma máquina de inventar receitas. Já criou mais de uma centena de cardápios para estabelecimentos dentro e fora da cidade —estão entre eles as casas da Cia. Tradicional de Comércio, como Pirajá, Lanchonete da Cidade e Original, e a Adega Santiago.

Chef Ana Soares, do Mesa III - Lucas Terribili

As massas que Ana produz também vão longe. Dos 4.000 quilos produzidos mensalmente, pouco mais da metade é vendida nas duas unidades da rotisseria. O restante é despachado para gôndolas de outros estabelecimentos, como o empório de luxo Santa Luzia, além de bares e restaurantes que não têm produção própria.

Dezembro costuma ser o mês mais frenético nos domínios da Mesa III. Quando chegar o dia 24, a equipe de 40 funcionários terá feito cerca de 400 entregas de ceias de Natal, cujo pedido mínimo é R$ 600.

No meio desse frenesi, entre uma reunião com clientes e uma vistoria na nova fábrica, sua menina dos olhos, Ana encontrou tempo para conversar. Falou sobre a idade, a nova fase de vida e adiantou projetos futuros —que não são poucos.

Massas no Mesa III, da chef Ana Soares - Lucas Terribili

"Sempre fiz muitas consultorias porque sou inquieta, preciso estar sempre criando, mas agora quero que a minha fábrica volte a ser meu eixo central. Vou voltar para casa."

Quando começa o seu Natal?

Em agosto [risos]. Começo a usar os dias de folga para formar estoque, levantar dados de anos anteriores e arrumar espaço para armazenar a produção congelada. Alugo uma câmara fria para isso, além de freezeres extras que vou colocando nas lojas.

Até o dia 12 de dezembro, a gente aceita encomendas. Depois disso, a pessoa tem que escolher dentro do estoque pronto. E só reservo por um dia, mais eu não consigo.

Depois de quase um semestre às voltas com essas ceias, você ainda tem apetite para comemorar o Natal?

Na minha casa, eu cozinho todos os dias, preciso dar isso aos meus amores. Mas, no nosso Natal, não sirvo as comidas da Mesa III, faço pratos de família. No dia 24, são as receitas italianas do meu lado: entradas frias, pimentões assados, berinjelas, escabeches, e nunca falta capelete in brodo, mesmo com calorão.

No dia seguinte, vêm os pratos portugueses da família do meu marido, e o bacalhau é obrigatório. Nunca deixo de ter vontade de comer.

Quais são as receitas que mais marcaram sua carreira?

O bolinho de abóbora com carne-seca, que criei anos atrás para o Pirajá, foi muito copiado. O pão de hambúrguer da Lanchonete da Cidade também. A gente queria uma leitura mais brasileira para o hambúrguer e eu inventei esse pão francês redondo. Não foi fácil achar o formato e a textura certos, na véspera da inauguração me deu um pânico...

Nas massas, acho que a arquitetura do cappelacci de alcachofra bicolor me traduz. Para sustentar o recheio pesado, a massa de baixo é mais estruturada. O que eu passei inventando isso...

Até o dia 24 de dezembro, o Mesa III e sua equipe de 40 funcionários terão feito cerca de 400 entregas de ceias de Natal, cujo pedido mínimo é R$ 600 - Lucas Terribili

Desde 1996, quando criou o primeiro cardápio para a inauguração do bar Original, seu ritmo de criação é intenso. Nunca se cansa?

A única coisa de que não me canso é criar. Só fico um pouquinho nervosa na hora de ensinar a moçada a picar os alimentos direito: diagonal é para uma receita, quadradinho para outra coisa. Nisso, eu perco mesmo a paciência.

Em compensação, hoje tenho mais calma para estudar. Sempre fiz as coisas no "feeling", sem refletir muito antes, mas agora está na hora. Vou voltar para casa.

O que isso significa?

Já fiz tanto cardápio, para tanta gente, que até esqueço. Às vezes, começava com um simples palpite e ia crescendo. Muitos nem divulgam, porque nunca fiz questão, mas agora a Mesa III precisa voltar a ser meu centro de atenção.

A rotisseria também cresceu assim, sem que eu pudesse parar e pensar, na ânsia de resolver os problemas dos meus clientes. Eu vendia só massas. Aí alguém pedia uma entradinha, e eu inventava. Uma sobremesa, e eu criava também.

No fim das contas, tenho um cardápio grande, com itens que não necessariamente fazem parte da minha cozinha. Preciso dar uma enxugada.

Em que sentido serão essas mudanças?

Por exemplo, por que eu vendo quiche? Não faz parte da minha cultura, melhor seria vender uma torta que a minha mãe fazia. Ou as tigeladas da minha família, a torta de repolho com ovos e parmesão da minha mãe. Só que mudanças assim exigem muita confiança, as pessoas nem sempre entendem essa cozinha mais caseira.

A nova loja de fábrica seria um começo desse movimento?

Sempre tive o desejo de ter uma fábrica como a da Vila Romana. Me esforcei para atingir um público mais familiar, porque estou em um bairro de tradição italiana, da macarronada do domingo. Para isso, reduzi os custos de produção. São ingredientes e processos mais simples, mas a linguagem artesanal é a mesma.

O lugar ficou lindo, um prédio que já foi das Indústrias Matarazzo. Você entra e vê todo mundo trabalhando. Projetei a produção toda envidraçada porque queria mostrar as mãos fazendo as massas. Você pode observar as seções das massas secas, das recheadas, a área de embalagens e até o forno a lenha, que é a base da nossa cozinha.

Por que fechou o café que funcionava na outra loja?

Ele deixou de existir na pandemia, e ainda não foi retomado, porque manter um serviço de mesa demanda muita atenção. Mas já estou pensando em voltar com ele. Fico olhando os espaços, pensando "e se eu colocar uma mesona aqui?". Não sei, tenho que amadurecer a ideia.

A pandemia provocou muitas mudanças?

Me deixou medrosa [risos]. Sou grupo de risco, né? Olha essa prata toda aqui [mostra os cabelos grisalhos].

O que mais esperar de 2023?

Fazer um livro está nos meus planos, quero documentar tudo isso que já fiz. A massa continua sendo um assunto alucinante para mim. Nunca usei máquinas, mas hoje já acredito que posso usá-las tão bem quanto as mãos.

Também penso em crescer de outras formas, ter parceiros, quem sabe uma terceirização. E preciso estar mais presente nas lojas, ensinando. Gosto desse contato. Olha, você pode pegar essa massa aqui, combinar como esse molho aqui. Mostrar como as pessoas podem transformar a cozinha em um monte de assuntos bons.

Ao mesmo tempo, quero voltar a ler, ter calma para assistir a uma exposição de arte, de onde sempre saio cheia de ideias. Adoro tirar as coisas de dentro para fora, mas tudo no seu tempo. Minha pressa precisa ser acalmada.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.