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Mandioca é aposta para aumentar influência do Brasil na gastronomia mundial

Raiz indígena e seus derivados são ferramentas de soft power no exterior, mas promoção só é feita por iniciativas individuais

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São Paulo

A mandioca, ingrediente introduzido por povos indígenas, se infiltrou em pratos no exterior. Parte da identidade brasileira, a raiz tem sido preparada por chefs do país em viagens internacionais, mas seu potencial como emissária gastronômica ainda está subutilizado.

Como a promoção do tubérculo —e da culinária do Brasil— acontece mais por iniciativas individuais do que por ações organizadas, o seu impacto global acaba sendo mais modesto.

Amido de raiz de mandioca orgânico
Amido de raiz de mandioca - Luis Echeverri Urrea/Adobe Stock

Segundo o diplomata Igor Trabuco, chefe das ações de promoção da cultura brasileira do Itamaraty, a mandioca — seja como farinha ou tucupi— tem calibre para ser o kimchi brasileiro.

O molho fermentado de vegetais da Coreia do Sul conquistou o mundo na última década e, ao lado do k-pop, aumentou o soft power coreano, termo que engloba as estratégias para conquistar prestígio internacional sem uso da força.

Nada disso aconteceu por acaso. O crescimento internacional da culinária sul-coreana foi resultado de um planejamento governamental que acontece há anos. "O país asiático injetou dinheiro para promover a própria gastronomia no exterior e agora colhe os frutos em forma de retornos econômicos e culturais", afirma Trabuco.

Mesmo com potencial para seguir esse caminho, o Brasil está atrás de outras nações, inclusive na América Latina. No Peru, o governo local trabalhou para vender sua cozinha autêntica a ponto de atrair visitantes que buscam turismo gastronômico.

O segredo, diz o diplomata, foi a valorização de um ingrediente muito próprio do país andino: a batata. Até mesmo aquele que é tido como o melhor restaurante da região, o Central, em Lima, usa o tubérculo em diferentes texturas para estrelar os pratos.

Nesta terça-feira (28), o ranking 50 Best divulga as cinco dezenas de restaurantes escolhidos como os melhores da América Latina no ano. É um indício que pode dar pistas sobre a influência do Brasil na alta gastronomia. Na lista do ano passado, o país teve nove endereços citados entre os melhores, como Casa do Porco (4º) em São Paulo, e o Oteque (12º), no Rio de Janeiro.

"Precisamos dar valor às técnicas e ingredientes daqui", afirma Trabuco.

A mandioca teria esse potencial, segundo ele, por estar conectada aos saberes alimentares indígenas, que pularam para a cultura alimentar brasileira. Em aldeias no Xingu, em Mato Grosso, mesmo após o encontro violento entre escravizados, indígenas e colonizadores, cozinheiros mantêm os modos antigos de ralar e secar o tubérculo no sol para fazer o beiju, uma farinha.

Hoje, todos os estados produzem mandioca, com destaque para o Pará e o Paraná. São mais de 18 milhões de toneladas por ano, o que representa 5,7% da produção mundial, atrás apenas de Gana, Nigéria, República Democrática do Congo e Tailândia.

Na estimativa da Embrapa, 40% do que se colhe é destinado à produção de farinha, enquanto 20% viram amido, mandioca de mesa —variedade própria para alimentação humana sem processamento— ou comida animal.

Parte do que se produz também vai ao exterior. O Brasil exporta cerca de 12 mil toneladas de farinha de mandioca por ano, segundo os últimos dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura).

Na avaliação de Mariana Gontijo, chef e professora de gastronomia, a produção de farinhas é uma das bases da cozinha brasileira. "Temos uma enorme variedade: rosca, fubá, linhaça, mandioca. Cada região tem uma mais usada", diz.

Gontijo têm introduzido a mandioca e seus derivados no exterior em seu trabalho como chef. Em viagem à França, ela levou goma da raiz para ensinar os franceses a fazer pão de queijo.

"Mostrei até como falar pão de queijo. Nada de 'cheese bread'. Precisamos valorizar nossas técnicas e nomeá-las", diz.

Outro chef que foi emissário do produto foi Paulo Anijar, do restaurante Santa Chicória, em Belém do Pará. Ele levou o tacacá, prato com tucupi, goma de tapioca, jambu e camarão seco, para Portugal. Lá enfrentou resistência: alguns convidados até mesmo cuspiram a comida.

Quando recebeu outro convite, agora para os Estados Unidos, Anijar diz ter ficado com receio de introduzir o tacacá de novo. Mesmo assim, acabou servindo o prato porque os clientes queriam conhecer a gastronomia brasileira além da feijoada e da caipirinha, segundo ele.

Ele conta que, após provar o tucupi, os americanos disseram ter sentido o umami —o quinto gosto do paladar, depois de doce, salgado, amargo e azedo— no prato. É uma das características marcantes dessa iguaria.

Conheça restaurantes que servem pratos típicos do norte do Brasil em SP

Segundo o chef Roberto Smeraldi, que fez estudos sobre cozinhas amazônicas para a iniciativa de desenvolvimento sustentável Amazônia 2030, o tucupi pode ser o kimchi brasileiro.

Ele se recorda de um jantar de comida brasileira que organizou em Londres, no qual os convidados ficaram encantados com a estética de pratos como a piracaia —churrasco de peixe no chão.

A pokeka, método que embrulha pescados em folhas de coqueiro, também animou. "A técnica encapsula o colágeno do peixe e o mantém com textura macia, mesmo com menos umidade. É uma preparação baseada em saberes tradicionais", diz o chef.

A estética da culinária ancestral indígena tem grande apelo visual, segundo Smeraldi. Por isso, as técnicas e ingredientes autênticos seriam agentes da "gastro-diplomacia brasileira". "Nesse soft power, conquistamos pelo gosto", afirma o chef.

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