Preço do cacau triplica e já ameaça produção de chocolates artesanais

Crise nos países produtores e especulação afetam o valor de venda das barras, e chocolateiros veem futuro incerto

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São Paulo

O preço do cacau commodity, aquele mais comum, também chamado bulk, que abastece a grande indústria, deu um pinote inédito há pouco mais de um mês. A tonelada, que era negociada a US$ 4.000 até o ano passado, chegou a US$ 12.000 em abril. De lá para cá, o preço segue flutuando, mas muito acima da média histórica.

Dois fatores estão por trás do aumento. Sem investimento em melhoramento genético e técnicas agrícolas, Gana e Costa do Marfim, que respondem por 80% do cacau consumido no mundo, não conseguem se adaptar às mudanças climáticas e suprir a crescente demanda global.

Pedaços de chocolate da Dengo, que atua no ramo dos produtos artesanais
Pedaços de chocolate da Dengo, que atua no ramo dos produtos artesanais - Keiny Andrade/Folhapress

O outro motivo se encontra bem longe das plantações, nas bolsas de Londres e Nova York, onde o preço do cacau é definido e, por décadas, manteve-se estável.

"Fundos de investimento descobriram o cacau e começaram a comprar posições para especular. Antes, grandes empresas do setor controlavam o preço, mas o mercado saiu da mão delas nos últimos seis meses", explica Tuta Aquino, vice-presidente da Associação Bean to Bar Brasil e sócio da Baianí Chocolates.

As fábricas artesanais de chocolate não usam o cacau bulk como matéria-prima, mas também estão amargando uma alta considerável no preço do cacau fino, cultivado em diversas regiões do Brasil. O preço do quilo das amêndoas, que girava em torno dos R$ 35 no segundo semestre de 2023, está batendo os R$ 85 agora em junho.

A manteiga de cacau subiu ainda mais. "Paguei R$ 47 o quilo em novembro de 2023. Hoje [dia 5 de junho], me cobraram R$ 170, e poucos fornecedores têm para entregar. Tive que pagar, fazer o quê?", relata Vanessa Rizzi, sócia da Raros Fazedores de Chocolate. Localizada em Cunha (SP), a fábrica artesanal produz 100 quilos de chocolate por mês e já reajustou o preço das barras de 50 gramas, que passaram de R$ 18 para R$ 21,70.

A diferença de R$ 3,70, diz Vanessa, nem sempre é bem aceita. "Na venda direta, o consumidor se assusta, mas a gente explica a situação. Como gosta do produto, ele paga, mas compra menos quantidade. Já registramos uma redução de 20% nas vendas. Com os revendedores é pior, nem todos entendem. Já perdi três pontos de venda em função do aumento."

Dono da microchocolateria Uma Doce Revolução, o francês Jean-François Daniel também remarcou as barras de 80 gramas que vende na loja própria, em Santo Antônio do Pinhal (SP). Passaram de R$ 30 para R$ 35. Já no caso dos chocolates destinados aos revendedores, como o Instituto Chão e o Instituto Feira Livre, em São Paulo, o reajuste foi menor.

"Meus clientes da loja não reclamaram, mas precisei espremer minha margem de lucro para não repassar todo o aumento aos revendedores", conta.

O cacau fino sempre custou mais caro, porque demanda mais investimentos no cultivo e beneficiamento, mas não é tabelado, como o commodity. Acompanhar ou não a disparada dos preços internacionais é uma postura individual de cada fornecedor.

Fabricante do chocolate Mestiço, Rogério Kamei também planta cacau e vende o excedente. Ele conta que a relação entre chocolateiros e cacauicultores anda tensa. "Não posso subir tanto o preço do meu cacau, pois posso matar meus clientes e afetar toda a cadeia bean to bar. Mas também não posso vender meu cacau fino mais barato do que o commodity", afirma.

Presidente da Cooperativa Cabruca, que reúne 21 pequenos cacauicultores no sul da Bahia, Marc Nuscheler faz coro. "Durante décadas, o preço do cacau mal pagava os custos de produção. Agora, que temos a chance de receber um valor razoável, não podem nos pedir para ser solidários com os chocolateiros. Precisamos cobrar mais [do que o chocolate commodity]. Alguns clientes compreendem, outros não."

Superfície onde há uma fruta de cacau cortada, uma tigela com o que parece ser chocolate derretido e outra com o que parece ser manteiga de cacau em pedaços, e, ao lado, um fouet, instrumento para bater e misturar ingredientes, sujo de chocolate; ao fundo se veem grãos de cacau secos
Chocolate bean to bar da chocolateira Luísa Abram - Arquivo Pessoal/Luisa Abram

Chocolateiros que tinham estoque de amêndoas, como Arcelia Gallardo, da Mission Chocolate, deram sorte. "Em julho, vou começar a comprar de novo. Só então vou decidir o que fazer com o preço ao consumidor", ela diz.

Já Claudia Schultz, da Chokolah, sofreu o impacto sem amortecedor –em função dos aumentos e da dificuldade de conseguir cacau, deixou de entregar pedidos e perdeu clientes. "Sei que meu fornecedor segurou a entrega para especular. Cheguei a produzir 6 toneladas de chocolate e derivados por mês, mas hoje não chego a 2 toneladas", lamenta.

Chocolates bean to bar são produtos dirigidos a consumidores de alto poder aquisitivo, que geralmente absorvem aumentos de preço sem chiar. As barras de 40 gramas da Casa Lasevicius, por exemplo, estão à venda nos frigobares do hotel de luxo Rosewood São Paulo por R$ 50 –no e-commerce da marca, elas passaram de R$ 17 para R$ 21.

Ainda assim, o sócio da empresa, Bruno Lasevicius, que preside a Associação Bean to Bar do Brasil, reconhece que vai precisar se adaptar aos novos tempos.

"Desenvolvi uma linha com frutas, para diminuir a quantidade de cacau, e deixei de fabricar o branco, pelo alto custo da manteiga de cacau. Também estava programando o lançamento de barras de 80 gramas, mas desisti."

O futuro do setor é incerto. A safra temporã no sul da Bahia, que começa oficialmente em maio, está atrasada. Segundo Tuta Aquino, que também é cacauicultor, a floração que ocorre na primavera sofreu com muito calor e pouca chuva. "Estou colhendo, no máximo, 20% dos frutos."

O clima nas reuniões da associação, fácil concluir, não é dos mais otimistas. Os chocolateiros ainda concorrem com os compradores estrangeiros, que têm valorizado bastante as amêndoas do Brasil e pagam em dólar. E temem uma debandada de produtores de cacau fino para o mercado tradicional, que está pagando bem, requer menos investimento e dá menos trabalho. É esperar para ver.

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