'Quero fazer uma gestão que vai cuidar dos mais necessitados', diz Ricardo Nunes

Em entrevista à Folha, prefeito de SP afirma que é necessária parceria com os governos federal e estadual para gerir uma cidade do tamanho da capital paulista

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São Paulo

Após um mês como prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) diz que pretende governar para os mais necessitados e reduzir a desigualdade social na cidade.

Em entrevista à Folha, o chefe do Executivo fala de projetos para requalificar a região central, preocupação com a população em situação de rua e de planos para quando a pandemia de Covid-19 estiver controlada.

Ainda ocupando a sala de vice-prefeito, Nunes revela apreensão com a pressão orçamentária da saúde e do transporte e afirma que precisa ser parceiro tanto do governo federal como do estadual para governar uma cidade do tamanho da capital paulista.

Ricardo Nunes (MDB) no jardim do terraço do prédio da Prefeitura de São Paulo, na região central de SP. Ele posou sem máscaras para as fotos a pedido da Folha, mantendo o distanciamento social. - Karime Xavier/Folhapress

Como tem sido esse primeiro mês oficialmente à frente da Prefeitura de São Paulo?
É um grande desafio. A gente tem uma equipe muito boa. Isso tem dado suporte e muita tranquilidade para tocar a gestão Bruno Covas. Uma equipe que, além de muito capacitada, está muito motivada e comprometida. Estão todos imbuídos em dar o melhor resultado. As pessoas estão muito dedicadas. Isso dá tranquilidade para a gente poder tocar o projeto e cumprir as 75 metas.

O senhor tem cumprido uma agenda cheia, com participação em muitos eventos. Está sempre na rua. Seria uma maneira de se apresentar à população?
O motivo de estar bastante na rua é realmente para poder estar próximo. É um estilo meu. Venho de oito anos na Câmara. Sempre falei que vereador é ver a dor. São estilos que o Bruno já tinha. Só nos últimos tempos que ele acabou indo pouco para a rua por conta do problema que enfrentava, mas acho que você estar perto ajuda muito. Você passa a ter uma visão muito mais real da situação.

Atualmente, quais são os temas da cidade que mais têm lhe preocupado?
São muitos, mas a gente tem uma questão do centro muito séria para corrigir. Precisamos requalificar o centro. A questão do morador em situação de rua é algo preocupante. Não acho que seja aceitável a pessoa estar ali, deitada na rua, no frio, tomando chuva. Estou conversando com o padre Julio Lancellotti e entidades desse setor. Conseguimos R$ 10 milhões com o governo federal para a reforma de centros de acolhida. Vamos ter o centro de acolhida mais humanizado do país.

Outra questão é o transporte, que tem uma pressão orçamentária muito forte. Há solicitação de subsídio de R$ 4 bilhões. Em 2012, o subsídio era de R$ 960 milhões. O governo que ganhou em 2012 e terminou o mandato em 2016 [de Fernando Haddat, do PT] deixou subsídio de R$ 3 bilhões. A cidade não tem capacidade financeira para arcar com isso. Estamos tomando uma série de medidas junto com as concessionárias. Precisamos corrigir a sobreposição das linhas, a questão da reserva técnica e o custeio do sistema. Não é razoável que a gente pague esse ano subsídio maior do que o do ano passado.

Outra questão é retomada econômica. Votamos na semana passada a operação Água Branca, que trará recursos e vai gerar empregos. Tem também a habitação. A gestão que começou em 2013 e terminou em 2016 fez 8.500 unidades habitacionais. A gestão que começou em 2017 e terminou em 2020 [de João Doria, do PSDB] fez 25 mil. Nós temos no plano de metas 49 mil unidades habitacionais e nós vamos entregar.

E a saúde?
E por fim, que não é o fim, é o começo, a saúde. Com a perspectiva de que até o meio de setembro todos estejam vacinados, a gente já vai começar um trabalho de referenciar nossos hospitais para situações do pós-Covid, lembrando que o Bruno Covas abriu dez hospitais desde o ano passado. Teremos hospital referenciado para problemas respiratórios, para moradores em situação de rua.

Tem a questão financeira também. A saúde sempre teve, na média, um orçamento de R$ 8 bilhões. Para este ano é de R$ 11,9 bilhões. Na semana passada, liberei mais R$ 2,2 bilhões, porque tivemos abertura de mais leitos de UTI, a ampla vacinação. Estamos com uma equipe de saúde muito bem estruturada. E ainda tenho mais cinco UPAs para inaugurar.

Ricardo Nunes no gabinete de vice-prefeito; ao fundo, a foto com Bruno Covas na parede atrás de sua cadeira. - Karime Xavier/Folhapress

O senhor faz questão de afirmar que é uma gestão de continuidade, mas há rumores de pressão por parte de integrantes do seu partido para mais espaço no governo, além de quadros do PSDB temendo perder espaço. Como tem lidado com essas pressões?
Do meu partido eu posso te garantir, não em 99%, mas em 100%, que não houve um pedido. Nenhum pedido. Acabei de almoçar com o presidente nacional, Baleia Rossi, e com o [Isnaldo] Bulhões, que é nosso líder do MDB na Câmara. Até porque a gente tem uma série de ações do governo federal que precisa articular.

A cidade de São Paulo é o terceiro maior orçamento do país. Não tem como fazer a gestão de uma cidade desse tamanho se você não tiver uma ação muito conjunta com governo do estado e governo federal. A gente depende de recursos federais para poder colocar em prática a questão do BRT Aricanduva, o BRT Radial Leste, o corredor Itaquera, os terminais [de ônibus]. Há 14 obras de piscinões que dependem de recurso federal. Recebi na semana passada o ministro da Saúde, para quem a gente só pode tecer elogios, porque ele nos tem atendido, dialogado, tem feito a homologação dos nossos leitos de UTI. Esse hospital [Guarapiranga] em que a gente esteve na sexta-feira (11), o custeio é de R$ 13 milhões por mês, 50% o município está arcando e 50%, o governo federal.

Há boa relação com o vice-governador Rodrigo Garcia, com o governador João Doria. E estou em diálogo com os setores da Polícia Civil, com o secretário da Segurança, para desenvolver uma ação na questão da cracolândia. Não consigo ver aquilo e me sentir confortável. A gente precisa resolver aquela situação. Estamos elaborando um plano de trabalho com morador em situação de rua. A prefeitura não tem relação com as comunidades terapêuticas. É o governo do estado que contrata essas comunidades. Fui visitar várias comunidades e estou convencido de que elas são importantes. Cerca de 60% dos que se internam conseguem sair desintoxicados. Só trabalhar com a redução de danos, que é o que a prefeitura faz hoje, me parece uma posição equivocada. A gente precisa, no mínimo, tentar outras alternativas.

O senhor já disse que é um político de centro, mas sua primeira nomeação foi Antonio Fernando Pinheiro Pedro, que escreveu o plano ambiental do governo Bolsonaro e é tido como conservador. A nomeação dele indica o endireitamento da gestão Covas?
O doutor Fernando Pinheiro Pedro é um técnico de uma qualidade fora do padrão. Ele é muito bom, muito qualificado. Ele foi candidato pelo PV. O PV está mais para esquerda do que para centro. Eu não teria problema nenhum em fazer nomeação de alguém que fosse a favor do Bolsonaro, contra o Bolsonaro ou neutro.

Há questões que não constam no plano de metas, como a vida pós-Covid. Além dos impactos na saúde, o impacto da pandemia na educação é bem significativo. Há alunos que não acompanharam o conteúdo, além do atraso na entrega dos tablets. Como a prefeitura pretende resolver esses problemas?
Esse é um dos nossos grandes desafios. Os tablets ficaram parados porque houve questionamento do Tribunal de Contas do Município. Sem nenhuma crítica, fizeram o papel deles, mas atrasou o processo. A gente tem hoje, já entregues, 150 mil tablets de um total de 506 mil. São mais outros 48,5 mil notebooks. Todos têm softwares para o trabalho pedagógico e vão com chip.

A gente aprendeu muito com a pandemia. Essa questão de utilizar a internet para fazer o reforço quando retornar às aulas é algo superimportante. E uma das nossas questões, inclusive, é o acesso. Descobri que a cidade tem muitos locais sem cobertura de antenas de internet. Rapidamente mandei projeto para a Câmara, onde as empresas poderão colocar antenas de 4G e se preparar para o 5G nas áreas onde há o maior resultado financeiro, que é no centro expandido, mas têm que necessariamente criar uma contrapartida que é colocar as antenas nesses locais sem cobertura, para atender principalmente a educação e a saúde.

Para o pós-pandemia, a gente vai preparar a cidade para o digital. Nosso plano é colocar 20 mil pontos de wi-fi. Percebemos também uma arrecadação maior no setor de software e tecnologia, então estamos preparando a cidade para esse empreendedor da tecnologia.

Novo prefeito recebe representantes do Comando Militar Sudeste para reunião, nesta segunda (14) - Karime Xavier/Folhapress

Dentro do governo, algumas pessoas afirmam que o discurso de continuidade e o fato de sempre citar a gestão Bruno Covas seria uma maneira de amenizar pontos de sua biografia que foram questionados durante a campanha, como a ligação de aliados políticos seus com entidades gestoras de creches e de grupos que alugam imóveis para creches, bem como a queixa de violência doméstica registrada pela sua esposa em 2011. Como avalia isso?
É a primeira vez que escuto falar nisso e, sinceramente, me parece até deselegante a tua fala. É a primeira vez que eu escuto falar uma coisa dessas. Não poderia deixar de te dizer que é até deselegante. Até em respeito à memória do Bruno e em respeito à minha vida. É deselegante, desrespeitoso e eu prefiro sequer responder uma coisa dessas.

E qual é a marca que a sua gestão quer deixar na cidade de São Paulo?
Quero fazer uma gestão que vai cuidar dos mais necessitados, que deixará uma cidade melhor, com menos desigualdade social. Uma cidade para todos, com uma visão de desenvolvimento tecnológico, de um ambiente saudável para quem quer empreender aqui. Com melhor qualidade de vida nos serviços públicos, com muito respeito ao dinheiro público. De uma gestão de muita dedicação.


Raio-X

Filiado ao MDB, Ricardo Nunes, 53, foi vereador por dois mandatos. Em 2020, concorreu como vice de Bruno Covas. Após a morte do titular em 16 de maio de 2021, assumiu definitivamente a chefia do Executivo. Além de político, Nunes é empresário, fundador da empresa Nikkey, que tem diversas filiais. Também foi presidente da Aesul (Associação Empresarial da Região Sul)

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