Descrição de chapéu Folha Mulher Mátria Brasil

Dona Jerônima de Almeida ajudou a expulsar holandeses de Pernambuco

Mulher madura, mãe de nove filhos, foi condenada à morte porque abrigou e alimentou tropas luso-brasileiras

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Patrícia Valim

Professora do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA), é idealizadora e uma das coordenadoras do projeto Mátria Brasil

Salvador

A ocupação dos holandeses na região açucareira do território do Brasil ocorreu durante o período da União Ibérica (1580-1640), quando Portugal e seus territórios de conquista foram anexados ao império dos Habsburgos com o reinado de Felipe 2º (1º de Portugal). Como os protestantes da República das Províncias Unidas dos Países Baixos, comandada pela Holanda, lutavam contra o domínio dos católicos Habsburgos desde o final do século 16, o monopólio português do super lucrativo comércio marítimo de exportação do açúcar virou alvo de conflitos acirrados.

Após a criação de duas companhias de comércio para disputar com os portugueses o monopólio das rotas nos oceanos Pacífico, Índico e Atlântico –a Companhia das Índias Orientais, em 1602, e a Companhia das Índias Ocidentais, em 1621–, os holandeses partiram para a conquista das áreas de produção do açúcar, invadindo a capitania da Bahia, em 1624, e a capitania de Pernambuco, em 1630.

Foram expulsos da Bahia depois de um ano, mas permaneceram na capitania de Pernambuco durante 24 anos, período no qual invadiram outras regiões litorâneas e avançaram para o interior.

Ilustração de Veridiana Scarpelli mostra retrato de Jerônima de Almeida, uma mulher com mais de 50 anos, de meia idade e com pele clara. Ela aparece do peito para cima, olhando para a direita. Os cabelos são castanhos e estão presos em um coque. Usa uma roupa preta com mangas bancas. As mãos estão sobre o peito, usa anéis e, no pescoço, uma correntinha dourada com um crucifixo também dourado. Na orelha esquerda está um pequeno brinco arredondado, com pedras preciosas. Tem um olhar sereno e forte.
Chamada de "matrona", dona Jerônima de Almeida se engajou na resistência contra os holandeses e colaborou, no século 17, para a expulsão dos invasores de Pernambuco - Veridiana Scarpelli

Os intensos conflitos entre holandeses e luso-brasileiros diminuíram com o início do governo de Maurício de Nassau (1638-1645), reconhecido como um período de muita prosperidade e relativa paz. Além das reformas urbanas, culturais e científicas, Nassau fez alianças políticas, começou a devolver os engenhos confiscados e os meios de produção aos antigos proprietários, liberou práticas da fé católica, mas não conseguiu evitar as inúmeras conspirações contra os holandeses, como a que foi acusada dona Jerônima de Almeida.

Nascida provavelmente em 1584, Jerônima era filha de um casal de portugueses proprietários de engenhos, casada com Rodrigo de Barros Pimentel, rico proprietário dos engenhos do Morro e Novo. Tinha nove filhos, razão pela qual religiosos portugueses a chamavam de "matrona", uma mulher branca e madura que já tinha cumprido suas obrigações, como casar-se com um homem rico, cuidar dos filhos e rezar diariamente no espaço privado da casa.

Com a invasão dos holandeses, dona Jerônima foi além do permitido. Em 1638, foi acusada por eles de abrigar e alimentar as tropas luso-brasileiras, por isso acabou sendo colocada em uma prisão insalubre, proibida de falar com portugueses e condenada a morrer degolada por traição.

Um grupo de mulheres como ela, "as matronas do Recife", se reuniu para conversar com Maurício de Nassau e pedir a ele que a amiga fosse perdoada. Chegaram à sede do governo holandês com dezenas de caixas de açúcar para reforçar o argumento e foram recebidas pessoalmente por Maurício de Nassau em um jantar durante o qual ele se comprometeu a perdoar e libertar dona Jerônima de Almeida.

O despacho foi assinado no dia seguinte, quando dona Jerônima saiu da prisão e foi direto para a sede de um de seus engenhos em Porto Calvo, com o objetivo de retomar o controle da produção do açúcar que estava com os holandeses.

Para ter uma ideia do prejuízo, a produção do engenho do Morro caiu de 4.889 arrobas de açúcar (cada arroba equivalia a 14,7 kg) em 1623 para 2.150 arrobas em 1639, dois anos depois da conquista de Porto Calvo pelos holandeses.

A instabilidade do período não impediu que dona Jerônima e o grupo de matronas se engajassem na resistência contra os holandeses. Ao contrário, tanto que em 1641, ela teve novamente problemas com o governo holandês, acusada de traição ao articular um encontro político na sede do seu engenho com Gerard Crayenstein, uma autoridade holandesa, e Paulo da Cunha Souto Maior, um capitão das tropas luso-portuguesas, em um jantar com a presença dos filhos e de algumas matronas.

Não sabemos se ela foi presa novamente, pois no ano seguinte dona Jerônima ficou responsável pelas finanças da família. Ela negociou com uma autoridade holandesa uma dívida do marido, que foi preso novamente em 1645, torturado para falar sobre os planos de uma sedição contra os holandeses e solto provavelmente em 1650, após ela organizar com amigos a venda de 60 caixas de açúcar para quitar as despesas com alimentação e saúde dele na prisão.

Os holandeses foram expulsos de Pernambuco quatro anos depois, em 1654. Os episódios protagonizados por dona Jerônima de Almeida e as matronas do Recife foram importantes para a derrota deles em Porto Calvo. Por isso, a vitória de uma guerra ocorre com batalhas e com as resistências do cotidiano, que transformam situações de instabilidade em momentos de luta por direitos e protagonismo político das mulheres.

Projeto retrata mulheres ao longo da história do Brasil

O projeto Mátria Brasil apresenta mulheres relevantes ao longo da história do país, desde a invasão portuguesa até os dias de hoje. Os textos são assinados por algumas das mais importantes historiadoras e escritoras brasileiras, e terão publicação semanal ao longo de seis meses.

A série foi idealizada pela professora do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Valim, que também é uma das coordenadoras do projeto.

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