Descrição de chapéu Folha Mulher Mátria Brasil

Hipólita foi a única mulher com participação ativa na Inconfidência Mineira

Ela distribuiu cartas e comunicados chamando militares para começar o levante

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André Figueiredo Rodrigues

Professor do departamento de história no campus de Assis e do programa de pós-graduação em história da Unesp (Universidade Estadual Paulista)

Assis (SP)

Em 21 de abril, celebra-se o dia da Inconfidência Mineira, que foi uma revolta separatista organizada por membros da elite socioeconômica de Minas Gerais contra o pagamento de dívidas e impostos cobrados pelo governo português em 1788 e 1789.

Dos envolvidos presos e sentenciados, coube ao alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, a maior punição: a morte na forca em 21 de abril de 1792. A partir de sua história, interpretações desse episódio são constantemente revisitadas.

Ilustração de Veridiana Scarpelli mostra uma mulher, retratada do peito para cima. Ela está de frente e ocupa quase toda a cena. É uma mulher branca, com cabelos castanhos longos. Os olhos também são castanhos e ela olha fixamente para o leitor. Os traços do rosto são bem delicados, o nariz é fino, assim como os lábios e sobrancelhas. Os cabelos, presos em um rabo, estão esvoaçantes para o lado esquerdo, alguns fios passam sobre o rosto. Um brinco dourado e branco aparece na orelha direita. Cm a mão direita, ela segura um chale cinza, que passa pelos ombros.
De Prados (MG), Hipólita Jacinta ordenou levante militar para tentar salvar Inconfidência Mineira - Veridiana Scarpelli/Folhapress

A Inconfidência já foi muitas coisas: serviu para a formação de um projeto republicano, foi fábrica de heróis e mesmo base para a construção de nossa identidade nacional no século 20.

Neste emaranhado de usos, quase que indistintamente, os personagens e seus fatos são lembrados sob a ótica de um universo estritamente masculino, como se dele apenas homens tivessem participado.

Mas nessa história devemos inserir Hipólita Jacinta Teixeira de Melo, a única mulher que participou ativamente da Inconfidência. Até hoje, pouco se conhece sobre ela. Pelas informações que se extraem do processo para julgar os inconfidentes, ficamos sabendo que era uma mulher instruída, destemida e de personalidade forte.

Hipólita nasceu em 1748 em Prados (MG). Era filha de Clara Maria de Melo e Pedro Teixeira de Carvalho, minerador e capitão-mor da vila de São José, atual cidade de Tiradentes, de quem herdou fortuna.

Casou-se com o fazendeiro Francisco Antônio de Oliveira Lopes, de família influente e abastada da região da Borda do Campo, atual Barbacena.

O casal morava na fazenda da Ponta do Morro, herdada de seu pai, e nunca teve filhos legítimos, mas criou duas crianças: Antônio Francisco Teixeira Coelho, que no Império tornou-se o barão da Ponta do Morro, e Francisco da Anunciação Teixeira Coelho, que foi padre na cidade de Formiga e deputado na Assembleia Provincial de 1866 e 1867.

Como participante e com conhecimento das discussões sobre a revolta, Hipólita foi quem buscou articular o início do movimento, após a prisão dos principais envolvidos. Distribuiu cartas e comunicados chamando militares para começar o levante.

Enviou correspondência ao marido em maio de 1789, alertando-o sobre a traição de Silvério dos Reis, estopim que iniciou o processo de repressão aos inconfidentes, e avisando-o de que Tiradentes estava preso no Rio de Janeiro.

No bilhete, ela pediu cautela ao marido e também o lembrou de que participava de um movimento rebelde, que lutava por condições de vida e trabalho melhores em Minas Gerais. No fim, escreveu: "E quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas; e mais vale morrer com honra que viver com desonra."

Em outra situação, queimou a carta-denúncia escrita por seu esposo, na tentativa de diminuir sua pena, por se envolver na revolta.

desenho em preto e branco mostra uma grande fazenda rural
Ilustração mostra a Fazenda da Ponta do Morro (data e autoria desconhecidas) - Acervo da Prefeitura de Prados

Após a prisão de seu marido, em 12 de junho de 1789, seus bens foram apreendidos. Por ter sido acusada de participar ativamente da Inconfidência, Hipólita foi punida com a perda de todas as suas posses, inclusive as trazidas como herança paterna. Em 25 de setembro de 1789, levaram da fazenda da Ponta do Morro muitos escravizados, animais de criação, utensílios e rendimentos das lavras de ouro.

No avançar do processo em que buscava restituir seu patrimônio, descobriu-se que ela, estrategicamente, declarou à Justiça bens que, em grande parte, eram de sua sogra, que estavam sob sua custódia. Por ter subornado o meirinho com "três vacas paridas", listaram-se no processo os bens de sua parente, e não os seus mais importantes.

Ao ver os bens de sua mãe apreendidos como se fossem de Hipólita, seu cunhado, o sargento-mor Manuel Caetano Lopes de Oliveira, solicitou a devolução dos bens de sua mãe.

Inconformado, denunciou a artimanha em agosto de 1794, confessando que as posses que lhe pertenciam por herança estavam listadas como patrimônio do inconfidente e o que realmente cabia ao seu irmão e que deveria ter sido objeto de apreensão foi omitido do processo.

Hipólita conseguiu evitar o sequestro de metade de sua unidade escravista (74 escravizados escondidos de um total de 148 cativos) mais a fazenda Bananal, localizada no termo de Mariana, e "muitos trastes de casa", como bacias e faqueiros de prata, variados utensílios domésticos e móveis. Entre os animais, foram escondidos bois, vacas, cavalos, éguas e potros, com suas selas e arreios.

Em 27 de abril de 1795, após prestar esclarecimentos à Justiça e ao reconhecer os atos de sonegação praticados na apreensão de seus bens, Hipólita não foi penalizada. A fortuna surrupiada permaneceu em suas mãos, sem que sofresse qualquer apreensão e repreensão. Ao final, os bens de seu cunhado também lhe foram devolvidos.

Após a prisão de seu marido, Hipólita, em atitudes de coragem, perseverança e altivez, assumiu a direção dos negócios, ampliando-os e lutando para preservar o patrimônio familiar. Morreu como uma mulher rica, que em nada lembra a ideia corrente que as famílias dos inconfidentes perderam tudo, ficando na miséria.

Projeto retrata mulheres ao longo da história do Brasil

O projeto Mátria Brasil apresenta mulheres relevantes ao longo da história do país, desde a invasão portuguesa até os dias de hoje. Os textos são assinados por historiadoras e historiadores de diversas regiões brasileiras, e têm publicação semanal ao longo de seis meses.

A série foi idealizada pela professora do departamento de história da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Patrícia Valim, que também é uma das coordenadoras do projeto.

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