Professora de 73 anos é a mais longeva na rede estadual de SP, que tem 11,9 mil com mais de 60

Com mais de 70 anos, são 563 profissionais públicos estaduais, que celebram seu dia no sábado (28)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Todos os dias Sonia Maria do Valle Rossini dirige seu Fusca azul 1968 com destino à Escola Estadual Maria de Lourdes de França Silveira, em Jundiaí, no interior de São Paulo, onde leciona geografia desde 1979. Aos 73 anos, a servidora pública é a professora com mais tempo em sala de aula dentre os 180 mil da rede estadual de ensino paulista.

Sonia é parte de um quadro de 11.915 educadores que seguem ativos após os 60 anos, de acordo com Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Desse total há, ainda segundo a pasta, 563 docentes que têm mais de 70 anos.

A professora Sonia relata ser mochileira e prefere sempre se hospedar em quartos coletivos de hostels para ter mais experiências a dividir com seus alunos.

"Gosto de interagir com pessoas de todo o mundo. Minha paixão por viajar influenciou muitos dos meus alunos a explorar o mundo e a se aventurar em diferentes países", diz Sonia, que já esteve em locais como a usina de Chernobyl, na Ucrânia, e em campos de concentração como Auschwitz, na Polônia, e Dachau, na Alemanha.

Mulher branca, de cabelo loiro, curto e encaracolado, com tatuagem no braço direito, carimba o caderno de um de seus alunos; outros fazem um círculo de cadernos ao redor dela
A professora de geografia Sonia Maria do Valle Rossini, 73, faz anotações divertidas nos cadernos dos seus alunos do ensino fundamental, usando um carimbo com frases como: 'Nota baixa? O Brasil tá lascado' - Eduardo Knapp/Folhapress

Para manter o interesse de seus alunos e tornar as aulas de geografia mais atraentes, ela gosta de apresentar costumes que presenciou nos 74 países que visitou, em quase todos os continentes.

Apesar de ser tão ativa e adorar estar em sala de aula —calcula já ter dado aula para 30 mil—, Sonia vai ter que parar de trabalhar na escola estadual daqui a dois anos, já que no Brasil todo o servidor público é obrigado a se aposentar aos 75.

"Na Europa, Canadá e Estados Unidos você pode trabalhar até quando aguentar", afirmou Sonia, que pretende seguir atuando no setor privado com ex-alunos após deixar a escola onde atua há quatro décadas.

A antropóloga Mirian Goldenberg, uma das maiores estudiosas da velhice do país e colunista da Folha, afirma que em suas pesquisas é comum ouvir das pessoas com mais idade que o importante para envelhecer bem e não morrer antes da hora é ter autonomia. Para a especialista, a aposentadoria compulsória pode distanciar o idoso dessa meta.

"Você obriga uma pessoa a se aposentar do maior tesão da vida dela, atuar no que ama, como é o caso dessa professora. O docente [idoso] não trabalha pelo dinheiro, e sim por um projeto de vida", afirmou Mirian.

Segundo a antropóloga, a aposentadoria é libertadora para alguns "que odeiam o trabalho". Mas para outros é uma morte simbólica. "Quem pode ter uma bela velhice, a minoria no Brasil, é aquela pessoa que pode até se aposentar do trabalho, mas não da vida, porque constrói novos projetos para se manter vivo."

A saúde mental do professor também é um ponto importante para manter as pessoas acima dos 60 anos em sala de aula com qualidade de vida, segundo Maria Machado Cota, presidente da Rede Ibero-Americana de Associações de Idosos do Brasil.

Segundo ela, a sobrecarga de professores com um grande número de alunos pode causar frustração e sofrimento, afetando a qualidade do ensino.

"A saúde mental é fundamental para o processo de ensino e aprendizado, pois os docentes precisam estar bem para que os alunos confiem e absorvam adequadamente o conhecimento. Portanto, é crucial que os gestores da educação considerem a carga de trabalho dos professores ao alocar alunos em suas salas de aula, visando não apenas o bem-estar dos docentes, mas também a qualidade da educação."

Estudioso sobre a longevidade no setor público e formado em medicina pela Unicamp, José Luiz Riani Costa, 70, se autodeclara "semiaposentado" porque não conseguiu parar de trabalhar após a aposentadoria, aos 64, como professor universitário na Unesp.

Para ele, o conhecimento e a experiência ao longo da carreira fazem dos servidores públicos com idade superior a 60 anos essenciais no serviço público.

"Eles fornecem apoio e servem de modelo para os trabalhadores mais jovens. Mas é necessário ampliar a formação contínua e de oportunidades para pessoas nessa faixa etária."

Para o secretário da Educação de São Paulo, Renato Feder, cada um desses professores tem uma trajetória própria. "Não posso dizer por todos, mas, para nós, é uma honra ter na rede e contar com a paixão de profissionais como a Sonia, de Jundiaí. Ela, além de querer estar na escola com seus mais de 70 anos, não quer se aposentar, ensinou gerações de estudantes e continua se atualizando para manter a qualidade das aulas para seus alunos."

De acordo com dados do IBGE, as mulheres e os homens com mais de 60 anos representavam 9% da população brasileira em 2003. Atualmente, esse percentual já alcança 15%, devendo chegar a 23% em 2050 e a 32% em 2060, segundo projeções do instituto, o que vai corresponder a mais de 70 milhões de pessoas.

Para Mirian Goldenberg, ouvir e respeitar os idosos é fundamental para desafiar estigmas e preconceitos relacionados à idade. "A idade cronológica não define a vitalidade de uma pessoa, e é possível manter o tesão pela vida na velhice, desde que se tenha coragem e paixão. Portanto, é importante celebrar e inspirar outros idosos a viverem suas vidas com intensidade, independentemente de sua idade. "

Neste mês de outubro, celebra-se o Dia Nacional do Idoso (1º) e Dia do Servidor Público (28).

Como parte da iniciativa Todas, a Folha presenteia mulheres com dois meses de assinatura digital grátis

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.