Todos os dias Sonia Maria do Valle Rossini dirige seu Fusca azul 1968 com destino à Escola Estadual Maria de Lourdes de França Silveira, em Jundiaí, no interior de São Paulo, onde leciona geografia desde 1979. Aos 73 anos, a servidora pública é a professora com mais tempo em sala de aula dentre os 180 mil da rede estadual de ensino paulista.
Sonia é parte de um quadro de 11.915 educadores que seguem ativos após os 60 anos, de acordo com Secretaria Estadual de Educação de São Paulo. Desse total há, ainda segundo a pasta, 563 docentes que têm mais de 70 anos.
A professora Sonia relata ser mochileira e prefere sempre se hospedar em quartos coletivos de hostels para ter mais experiências a dividir com seus alunos.
"Gosto de interagir com pessoas de todo o mundo. Minha paixão por viajar influenciou muitos dos meus alunos a explorar o mundo e a se aventurar em diferentes países", diz Sonia, que já esteve em locais como a usina de Chernobyl, na Ucrânia, e em campos de concentração como Auschwitz, na Polônia, e Dachau, na Alemanha.
Para manter o interesse de seus alunos e tornar as aulas de geografia mais atraentes, ela gosta de apresentar costumes que presenciou nos 74 países que visitou, em quase todos os continentes.
Apesar de ser tão ativa e adorar estar em sala de aula —calcula já ter dado aula para 30 mil—, Sonia vai ter que parar de trabalhar na escola estadual daqui a dois anos, já que no Brasil todo o servidor público é obrigado a se aposentar aos 75.
"Na Europa, Canadá e Estados Unidos você pode trabalhar até quando aguentar", afirmou Sonia, que pretende seguir atuando no setor privado com ex-alunos após deixar a escola onde atua há quatro décadas.
A antropóloga Mirian Goldenberg, uma das maiores estudiosas da velhice do país e colunista da Folha, afirma que em suas pesquisas é comum ouvir das pessoas com mais idade que o importante para envelhecer bem e não morrer antes da hora é ter autonomia. Para a especialista, a aposentadoria compulsória pode distanciar o idoso dessa meta.
"Você obriga uma pessoa a se aposentar do maior tesão da vida dela, atuar no que ama, como é o caso dessa professora. O docente [idoso] não trabalha pelo dinheiro, e sim por um projeto de vida", afirmou Mirian.
Segundo a antropóloga, a aposentadoria é libertadora para alguns "que odeiam o trabalho". Mas para outros é uma morte simbólica. "Quem pode ter uma bela velhice, a minoria no Brasil, é aquela pessoa que pode até se aposentar do trabalho, mas não da vida, porque constrói novos projetos para se manter vivo."
A saúde mental do professor também é um ponto importante para manter as pessoas acima dos 60 anos em sala de aula com qualidade de vida, segundo Maria Machado Cota, presidente da Rede Ibero-Americana de Associações de Idosos do Brasil.
Segundo ela, a sobrecarga de professores com um grande número de alunos pode causar frustração e sofrimento, afetando a qualidade do ensino.
"A saúde mental é fundamental para o processo de ensino e aprendizado, pois os docentes precisam estar bem para que os alunos confiem e absorvam adequadamente o conhecimento. Portanto, é crucial que os gestores da educação considerem a carga de trabalho dos professores ao alocar alunos em suas salas de aula, visando não apenas o bem-estar dos docentes, mas também a qualidade da educação."
Estudioso sobre a longevidade no setor público e formado em medicina pela Unicamp, José Luiz Riani Costa, 70, se autodeclara "semiaposentado" porque não conseguiu parar de trabalhar após a aposentadoria, aos 64, como professor universitário na Unesp.
Para ele, o conhecimento e a experiência ao longo da carreira fazem dos servidores públicos com idade superior a 60 anos essenciais no serviço público.
"Eles fornecem apoio e servem de modelo para os trabalhadores mais jovens. Mas é necessário ampliar a formação contínua e de oportunidades para pessoas nessa faixa etária."
Para o secretário da Educação de São Paulo, Renato Feder, cada um desses professores tem uma trajetória própria. "Não posso dizer por todos, mas, para nós, é uma honra ter na rede e contar com a paixão de profissionais como a Sonia, de Jundiaí. Ela, além de querer estar na escola com seus mais de 70 anos, não quer se aposentar, ensinou gerações de estudantes e continua se atualizando para manter a qualidade das aulas para seus alunos."
De acordo com dados do IBGE, as mulheres e os homens com mais de 60 anos representavam 9% da população brasileira em 2003. Atualmente, esse percentual já alcança 15%, devendo chegar a 23% em 2050 e a 32% em 2060, segundo projeções do instituto, o que vai corresponder a mais de 70 milhões de pessoas.
Para Mirian Goldenberg, ouvir e respeitar os idosos é fundamental para desafiar estigmas e preconceitos relacionados à idade. "A idade cronológica não define a vitalidade de uma pessoa, e é possível manter o tesão pela vida na velhice, desde que se tenha coragem e paixão. Portanto, é importante celebrar e inspirar outros idosos a viverem suas vidas com intensidade, independentemente de sua idade. "
Neste mês de outubro, celebra-se o Dia Nacional do Idoso (1º) e Dia do Servidor Público (28).
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