Obesidade atinge 22% da população no país carregada em estigma

Dificuldade para acessar alimentos saudáveis, pouco incentivo à atividade física e predisposição contribuem para aumento

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São Paulo

As doenças crônicas, também chamadas de DCNT (doenças crônicas não transmissíveis), são um problema global de saúde. Suas características, como a maior incidência em países de renda baixa ou média e o aumento conforme o envelhecimento da população, como hipertensão e diabetes tipo 2, as colocam em evidência para medidas de controle.

Por outro lado, ações para redução da obesidade, ela própria um fator de risco para outras enfermidades, patinam em todo o mundo. E muito está associado ao estigma relacionado à doença e aos pacientes.

pai, mãe e filha caminham na floresta
Iniciativa da Federação Mundial de Obesidade busca retratar obesos em situações do dia a dia, como cozinhar, fazer exercícios e fazer compras, em vez de poses estigmatizadas, como consumindo fast foood ou com enquadramento na região da barriga ou nos quadris, por exemplo - World Obesity Federation

"A gente avançou nas últimas décadas, mas pessoas obesas continuam sendo alvos de piada, de frases com cunho discriminatório e julgamentos", afirma Márcio Mancini, vice-presidente do Departamento de Obesidade da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

Dentre as medidas para controle da obesidade estão políticas públicas voltadas para a promoção da saúde, como maior acesso a áreas verdes, oferta de alimentos saudáveis, principalmente em escolas e próximo a indústrias e locais de trabalho, e a valorização de medidas de combate ao sedentarismo.

Para ele, o paciente obeso é frequentemente julgado como se a condição fosse exclusivamente de sua responsabilidade, desconsiderando que, além da predisposição genética, outros fatores também contribuem para o aumento da obesidade.

"Sem dúvida, a responsabilidade é colocada em cima da pessoa. A sociedade vê uma pessoa magra e uma pessoa obesa almoçando fast-food e não julga a pessoa magra, mas julga a pessoa obesa", afirma. Ele fiz, ainda, que há também discriminações econômicas sofridas por pessoas com obesidade, que recebem menos para desempenhar uma mesma função do que pessoas magras.

Mais da metade da população adulta brasileira tem sobrepeso ou obesidade, de acordo com os dados do Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia) desenvolvido pela Vital Strategies, organização global de saúde pública, e pela UFPel (Universidade Federal de Pelotas).

Segundo levantamento do Ministério da Saúde, a obesidade afeta 6,7 milhões de adultos, ou 1 em cada 4 brasileiros acima de 18 anos. Até 2035, porém, é esperado que esses números atinjam 41% dos adultos.


No país, a obesidade atinge 22% da população, segundo dados do Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por inquérito Telefônico) 2022, segundo Deborah Malta, ex-coordenadora da instituição e pesquisadora e professora da Escola de Enfermagem da UFMG.

Para ela, apesar dos números altos, o Brasil derrapa em medidas mais assertivas de combate à obesidade.

"A rotulagem dos alimentos foi certamente um grande avanço, mas precisamos ainda de maior tributação dos ultraprocessados, assim como uma comunicação mais contundente dos malefícios associados a essa alimentação, e também subsídios para alimentos saudáveis", disse.

Ela destaca que outro problema associado ao consumo é a desigualdade econômica, que afeta pessoas com menor poder aquisitivo de se alimentarem de maneira saudável. Com a crise econômica durante a Covid, muitas famílias mais pobres recorreram a produtos pouco nutritivos e com alto teor calórico. "O acesso a alimentos ultraprocessados do pior tipo, como macarrão instantâneo, foi favorecido porque as pessoas não tinham dinheiro para comprar comida de verdade", afirma.

Foi também durante a pandemia que milhões de brasileiros entraram em insegurança alimentar, que é definida pela incerteza em obter alimentos de qualidade, precisando abrir mão ou reduzir as refeições algumas vezes durante o ano, lembra. Segundo ela, há um padrão de onde há aumento de obesidade, há também o crescimento da insegurança alimentar.

"É um problema com dois lados, a má nutrição, que atinge tanto aqueles que não têm acesso a alimentos adequados, quanto o aumento de sobrepeso e obesidade devido ao consumo de alimentos ruins à saúde."

Malta reforça que, dentre os agravos de saúde, a obesidade é a que apresenta o maior índice de mortalidade, superando doenças cardiovasculares e câncer.

Ela é, ainda, um fator de risco para estas e outras doenças, lembra Mancini, da Sbem. "A obesidade aumenta diabetes, pressão alta, dislipidemia [colesterol elevado]", afirma.

A obesidade cresceu também pelas as mudanças na oferta de alimentos nas prateleiras de supermercados e restaurantes nos últimos 20 anos. "Há hoje maior oferta de alimentos considerados altamente palatáveis, ricos em gordura, açúcar e sódio, e que são ultraprocessados, associados a diversos riscos em saúde."

Outra mudança foi no estilo de vida do brasileiro, com a redução do tempo gasto para preparar refeições em casa e a diminuição do tempo gasto para prática de atividade física.

Especialistas que estudam o consumo de ultraprocessados no país veem com preocupação o aumento nos últimos anos, embora ainda seja menor do que o observado em países como Inglaterra, Estados Unidos e México. Por outro lado, preocupam os efeitos da alimentação inadequada na infância, como por exemplo com bebidas açucaradas, doces e salgadinhos.

"A obesidade é uma doença que se acumula, então se ela tem início cedo ela pode provocar, no adulto, outros problemas de saúde, como doença do fígado, diabetes, pressão alta e colesterol elevado", diz Malta.

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