Relato
trata do cotidiano de Palmares
Do
enviado a Lisboa
Dois extensos documentos relatam o cotidiano, os costumes
e as leis que vigoravam no interior dos vários quilombos
que compunham Palmares. Um deles foi escrito em 1677 por Manuel
de Inojosa, um proprietário de terras e de escravos
que buscava destruir Palmares.
Inojosa encarregou um de seus negros de _em troca de futura
alforria_ se infiltrar nos quilombos e na volta relatar o
que viu.
O documento foi transcrito pelo historiador Décio Freitas.
O outro relato foi localizado pela Folha no Arquivo Municipal
e Biblioteca Pública de Évora (145 km a leste
de Lisboa). O arquivo foi fundado em 1805 pelo arcebispo local
e reúne documentos de nobres e autoridades que tiveram
responsabilidades no governo do Brasil colônia.
Cópia dos relatos de Évora também foi
achada por Freitas na Biblioteca Nacional de Lisboa e no Arquivo
Histórico. Foi transcrita no Brasil pela ''Revista
do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico''
de 59 (volume 22).
O documento, batizado de ''Guerras Feitas aos Palmares de
Pernambuco'' (1), foi escrito a pedido do então governador
Pedro de Almeida entre 1675 e 1678.
Os dois relatos _o de Inojosa e o do governador_ trazem informações
contrastantes sobre os costumes familiares em Palmares.
O segundo diz que ''cada um tem as mulheres que quer; (...)
o rei, que nesta cidade assistia (na época era Ganga-Zumba),
estava acomodado com três mulheres, uma mulata e duas
crioulas, da primeira teve muitos filhos, das outras nenhum''.
É certo que o rei tinha companheiras à disposição
_como também teria se dado com Zumbi_, mas os palmarinos
viviam à míngua de mulheres. Tanto assim que
Inojosa relata o regime de poliandria estabelecido em Palmares,
especialmente no Macaco, o mocambo principal onde o rei vivia
protegido por maior número de guerreiros.
Cada fugitivo que chegava a Palmares era distribuído
a uma família em que comandava uma mulher, relata Inojosa.
''Todos estes maridos se reconhecem obedientes à mulher,
que tudo ordena, assim na vida como no trabalho.''
Cada família _formada pela mulher e vários homens_
recebia uma data de terra que deveria cultivar em proveito
de todos. ''Entre eles tudo é de todos, e nada é
de ninguém, pois os frutos do que plantam e colhem,
ou fabricam nas suas tendas, são obrigados a depositar
às mãos do conselho, que reparte a cada um quanto
requer seu sustento.''
O documento do governador diz que ''são grandemente
trabalhadores, plantam todos os legumes da terra, cujos frutos
formam providamente celeiros para os tempos da guerra e do
inverno''.
Os dois textos falam da organização política
dos mocambos. ''Suas queixas, assim as da pretendida família
como as da república, são vistas por conselhos
de justiça, sem recurso; os maiorais, todos, são
escolhidos em reunião pelos negros que assistem no
mocambo, mas o maioral principal é escolhido só
pelos maiorais (...).''
NOTA
(1) Biblioteca Pública de Évora, códice
116/2-13, peça 9, folhas 51 a 59v; transcrição
de Jair Rattner; Arquivo Histórico Ultramarino, códice
265
Colaborou
Jair Rattner, especial para a Folha, de Lisboa
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