Religião
impediu fixação de holandeses no país,
diz historiadora
Calvinistas
no Recife
MARILENE FELINTO
enviada à Holanda
A
historiadora holandesa Hannedea van Nederveen Meerkerk, 57,
professora de história da arte da Universidade Aberta
dos Países Baixos, em Heerlen, acha que foi a diferença
de religião o maior empecilho para a permanência
dos holandeses no Brasil. Morou quatro anos em Recife, nos
anos 60, onde se dedicou ao estudo da arquitetura de origem
holandesa.
O estudo resultou na publicação ''Recife: The
Rise of a 17th-Century Trade City From a Cultural-Historical
Perspective'' (O Surgimento de Uma Cidade de Comércio
do Século 17, de Uma Perspectiva Histórico-Cultural),
1989, escrita originalmente em holandês. O texto é
dividida em duas partes: ''Casa Grande'' e ''Senzala''.
A historiadora falou à Folha em Amsterdã.
Folha
- Os holandeses perderam o Brasil por não terem se
mestiçado com negros e índios?
Hannedea van Nederveen Meerkerk - Entre muitas coisas,
talvez sim. Por razões econômicas e políticas,
claro. Eles chegaram a se misturar com os índios, mas
não com os negros. Nessa altura, os portugueses também
não se misturavam muito com os negros, só depois
é que começou a grande miscigenação.
Folha
- Faltou tempo aos holandeses?
Van Nederveen - Isso também. Mas eu acho que
a religião católica dos portugueses foi o grande
empecilho. E a língua um pouco, porque os judeus de
Recife, que também eram donos dos escravos, falavam
português com eles. Mas tinha muita gente culta na Companhia
(das Índias Ocidentais). Ambrosius Richshoffer, soldado
da Companhia, conta em seu diário que sabia conversar
com um português porque tinha aprendido latim na escola.
Mas os holandeses eram calvinistas, a religião sempre
era um problema. Eles estranhavam, por exemplo, a forma rígida
dos jesuítas transformarem em católicos os índios.
Folha
- Por que não impuseram a religião deles?
Van Nederveen -Porque toda a cultura do açúcar
estava na mão dos portugueses. Quero dizer que os portugueses
tinham o know-how para tratar com a situação
aqui. Sabiam cuidar das plantações de cana e
dos escravos. O homem que cuidava da qualidade do açúcar
no engenho era português, o que vigiava o escravo era
português. Quando os holandeses chegaram, tudo já
funcionava desse jeito. Os próprios portugueses se
espantavam porque os holandeses não tentavam operar
os engenhos por conta própria e nem tentavam educar
os negros.
Folha
- Em suas outras colônias, os holandeses se mestiçaram
com os negros?
Van Nederveen - Sim, há muitas famílias
misturadas em Curaçao, nas Guianas também. Mas
no Brasil, como eu disse, também os negros já
tinham contato com a religião católica. Viajantes
holandeses da Companhia, como Johannes Nieuhof, diziam nos
relatos sobre Palmares que os negros mantinham um pouco da
religião católica, mas tinham seus próprios
padres e juízes. E Zacharias Wagner menciona sobre
Palmares que os negros faziam xangô no Brasil já
em 1630.
Folha
- Segundo historiadores, os holandeses preferiam trabalhadores
livres a escravos.
Van Nederveen - No início, sim, mas depois eles
logo viram que tinham que usar os escravos. Os calvinistas
estranharam o tratamento cruel dado aos escravos. Mas logo
aceitaram aquilo. Eles também foram cruéis.
Durante as viagens nos navios era pior. A Companhia foi muito
negligente e desumana, não tratava os negros como seres
humanos. Nas plantações era melhor, porque a
gente sabia que, como eram muito caros, precisavam ser bem
tratados.
Folha
- Qual a importância histórica do Brasil
holandês para a Holanda de hoje?
Van Nederveen - O interesse não é grande,
mas as pessoas que se interessam tem a possibilidade moral
de relativizar e se perguntar: o que fazia um soldado holandês
num outro país, naquela época? O grande inimigo
não era o brasileiro, mas o espanhol. A gente não
se orgulha muito daquele período. No Brasil, foi muito
curto. Mesmo assim, em Recife, todo mundo conhece Maurício
de Nassau.
Eu creio que a mentalidade pernambucana ainda é muito
mais independente do resto do Brasil, do governo de Brasília,
e isso talvez ainda venha da época colonial em geral,
não só por influência holandesa. Pernambuco
sofreu influência calvinista dos holandeses e judaica
dos comerciantes de Recife.
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holandês descreve Palmares
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