Capitão
holandês descreve Palmares
Da
enviada a Recife
O
trecho abaixo foi extraído da obra ''Diário
da Viagem do Capitão João Blaer a Palmares em
1645'', do holandês Jan Blaer, incluída no nº
56, de 1902, da ''Revista do Instituto Arqueológico,
Histórico e Geográfico Pernambucano'', em tradução
de Alfredo de Carvalho.
Blaer era padre, cura de Vreeswijek, aldeia da província
de Utrecht (Holanda). Veio para o Brasil em 1629, como capelão,
numa expedição de guerra. A expedição
foi uma das primeiras enviadas a Palmares pelos holandeses.
Saiu de Salgados (Alagoas) em 26 de fevereiro de 1645. Blaer
chamava de Palmares todos os mocambos que encontrava.
"A
18 do dito (março), ganhamos o cimo do referido monte,
que era alto e íngreme, e sobre o qual encontramos
água para beber; (...) em seguida chegamos ao velho
Palmares que os negros haviam deixado desde três anos,
abandonando-o por ser um sítio muito insalubre e ali
morrerem muitos dos seus; este Palmares tinha meia légua
de comprido e duas portas; a rua era da largura de uma braça
(...)
A 19 do dito pela manhã caminhamos meia milha e chegamos
ao outro Palmares, onde estiveram os quatro holandeses, com
brasilienses e tapuias, e incendiaram-no em parte, pelo que
os negros abandonaram-no e mudaram o pouso para dali a sete
ou oito milhas, onde construíram um novo Palmares igual
ao que precedentemente haviam habitado. (...)
A 20 do dito (...) encontramos todas as meias horas mocambos
feitos pelos negros quando deixaram o velho Palmares pelo
novo, situado ao leste e sudeste do primeiro. (...)
Ao amanhecer do dia 21 chegamos à porta ocidental de
Palmares, que era dupla e cercada de duas ordens de paliçadas;
arrombamo-la e encontramos do lado interior um fosso cheio
de estrepes em que caíram ambos nossos cornetas; (...)
um dos nossos cornetas, enraivecido por ter caído nos
estrepes, cortou a cabeça a uma negra (...).
Este Palmares tinha igualmente meia milha de comprido (...);
as casas eram em número de 220 e no meio delas erguia-se
uma igreja, quatro forjas e uma grande casa de conselho; havia
entre os habitantes toda a sorte de artífices e o seu
rei os governava com severa justiça, não permitindo
feiticeiros entre a sua gente (...); o rei também tem
uma casa distante dali duas milhas com uma roça muito
abundante, a qual casa fez construir ao saber da nossa vinda,
pelo que mandamos um dos nossos sargentos com 20 homens a
fim de prendê-lo; mas todos tinham fugido (...).
A 22 do dito pela manhã saiu novamente um sargento
com 20 homens a bater o mato (...); neste dia a nossa gente
queimou para mais de 60 casas nas roças abandonadas;
o caminho deste Palmares era marginado de aléias de
palmeiras que são de grande préstimo aos negros,
porquanto em primeiro lugar fazem com elas as suas casas,
em segundo as suas camas, em terceiro abanos com que abanam
o fogo, em quarto comem o exterior dos cocos e também
os palmitos; dos cocos fazem azeite para comer e igualmente
manteiga, que é muito clara e branca e ainda uma espécie
de vinho; nestas árvores pegam uns vermes da grossura
dum dedo, os quais comem, pelo que têm em grande estima
estas árvores (...). Este era o Palmares grande de
que tanto se fala no Brasil. (...)
Trecho de ''Diário da Viagem do Capitão João
Blaer a Palmares em 1645''.
Fonte: ''Revista do Instituto Arqueológico, Histórico
e Geográfico Pernambucano'', nº 56, págs.
87-96, Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 1902
Leia
mais: Escravos
sofriam mutilações
|