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Marcelo Coelho
  10 de novembro
  O que é censura?
 
   
Para escrever este artigo, eu deveria ter visto alguns programas do Ratinho.

Mas nunca consegui ver mais do que cinco minutos daquilo, de modo que vou falar apenas em tese.

Se o sujeito explora todo tipo de aberração, se faz o discurso da violência e ainda faz propaganda política subliminar em prol de Maluf, o ideal seria que fosse deletado da tela qual um vírus de computador.

Vou além: o desaparecimento de Ratinho em nada iria abalar a saúde das instituições democráticas.

Ah, mas aí você está defendendo a censura...

Fico dividido. Sou, ou melhor, tendo a ser contra a censura. Mas que eu tinha vontade de censurar muito do que aparece na televisão, isso também é verdade.

Há duas discussões em jogo, ou melhor, dois gêneros de discussão que se confundem quando se fala em censura ou controle dos meios de comunicação.

Um gênero de discussão poderia ser chamado de "principista". Ou seja, defendemos o princípio da liberdade de expressão, logo somos em princípio contra qualquer tipo de censura, logo, acabou a discussão.

Em geral, os defensores dessa posição usam o seguinte argumento: "se hoje censuram o Ratinho, amanhã poderão censurar um telejornal qualquer, e depois um filme, em seguida um livro... e quem poderá dizer onde isso acaba?"

O problema de quem raciocina por princípio é que sempre chega rápido demais ao fim. Dou um exemplo.

É a célebre história do aviãozinho com crianças que vai para a Disneylândia.

Você deve conhecer. Usa-se para defender a tortura.

Você diz que é contra a tortura. Aí, alguém vem com a questão: "mas imagine que um avião foi sequestrado, o sequestrador tem uma bomba, vai matar todas as crianças dentro do avião, e você prendeu o comparsa do sequestrador, que pode revelar como desativar a bomba se você o torturar; você tem menos de quinze minutos para obter o segredo; você torturaria?" Aí você fica em dúvida e diz que sim. "Logo", triunfa o interlocutor, "você é a favor da tortura." E você fica com cara de tacho.

Não vejo razão para ficar com cara de tacho. Suponha que eu tenha dito sim, que nessas condições eu seria a favor da tortura. Isso não quer dizer que eu seja sempre a favor da tortura; nem estou, ao cogitar da tortura nessa hipótese fantasiosa do aviãozinho, defendendo a tortura em qualquer hipótese.

É a mesma coisa que perguntar se sou a favor de matar um ser humano. Claro que não sou. "Mas nunca, em nenhuma hipótese? Nem se um bandido estivesse ameaçando a sua vovozinha e você pudesse eliminá-lo sem risco?" Bem, nessa hipótese eu não seria contra matar um ser humano. "Logo, você não é contra matar seres humanos". Um momento. Continuo contra. Não defendo que se matem seres humanos. Simplesmente a hipótese que me foi colocada não merece generalização.

Em resumo: não vejo porque o fato de eu censurar Ratinho levaria a admitir que em todas as circunstâncias desagradáveis, em todos os programas ou notícias que aparecerem, estarei defendendo a censura em geral.

Outro exemplo de "principismo": na maior parte das democracias, existe o mecanismo da reeleição. Sou a favor. Bem, se há reeleição uma vez, "em princípio" não há como argumentar que não deve haver "re-reeleição", ou "re-re-reeleição." O que vale para a primeira vez deveria valer necessariamente para as vezes seguintes.

Mas o bom senso recomenda que, embora seja permitida uma reeleição, deva-se evitar que um governante se perpetue no poder ao longo de quinze ou trinta anos. Aqui surgiu um argumento de outro tipo, um "princípio" diferente daquele que foi inicialmente invocado. Sim, sou a favor da reeleição. Mas estou aberto a que esse mecanismo seja limitado, mesmo que esses limites sejam, em tese, contrários ao princípio que defendo.

Do mesmo modo, eu precisaria ser muito fanático pela lógica e pela coerência do raciocínio se dissesse que, querendo censurar Ratinho, estou necessariamente obrigado a admitir que censurem Janio de Freitas.

Outra questão, entretanto, antes de acharem que sou "a favor da censura".

De que censura se trata? O que é censura? O que é controle? Seria terrível, mesmo no caso de Ratinho, delegar a uma autoridade judiciária ou policial o exame prévio de um programa, para que viesse da cabeça de um iluminado a decisão sobre o que se pode ou não assistir na TV.

Mas pode-se perfeitamente imaginar sanções a um apresentador que faça de seu programa um espetáculo de degradação humana e de sadismo. Por que nunca se cancelou ou suspendeu a concessão --dada pelo poder público-- de emissoras que, devendo prestar serviços de informação e entretenimento, servem como arapucas para a credulidade popular, servem para promover a imbecilização geral e não para promover a cultura e a democracia?

Ah, é muito subjetivo saber o que é entretenimento, o que é cultura, o que é opinião, o que é informação... Concordo. Claro que é muito difícil definir qualquer dos termos. E aplicá-lo de forma unívoca. Mas também acho que seria muito difícil alguém dizer que Ratinho esteja "promovendo a cultura e a democracia". Não está.

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