NOSSOS
COLUNISTAS

Amir Labaki
André Singer
Carlos Heitor Cony
Clóvis Rossi
Eleonora de Lucena
Elvira Lobato
Gilberto Dimenstein
Gustavo Ioschpe
Helio Schwartsman
Josias de Souza
Kennedy Alencar
Lúcio Ribeiro
Luiz Caversan
Magaly Prado
Marcelo Coelho
Marcelo Leite
Marcia Fukelmann
Marcio Aith
Nelson de Sá
Vaguinaldo Marinheiro

Gustavo Ioschpe
desembucha@uol.com.br"
  06 de Feveveiro de 2001
De pizza grátis, sangue e as nossas raízes
 
  

Otavio Frias Filho, com a lucidez e perspicácia que lhe são comuns, escreveu artigo na Folha de quinta passada onde fazia uma análise fenomenal sobre a natureza do trabalho voluntário que começa a se tornar cada vez mais frequente no Brasil. Dizia ali: " Numa época tão abertamente narcísica, como a nossa, o trabalho voluntário é uma alavanca da auto-estima disfarçada em fórmulas como ‘fazer algo de útil’ etc. Mais do que isso, o trabalho voluntário tem um efeito terapêutico a ser investigado: se não ajudar o ‘outro’, ele tende a curar o próprio voluntário."

Lembrou-me de fenômeno que notara quando de meus anos de universidade nos EUA: lá, a atividade filantrópica, onipresente, é sempre acompanhada de um claro benefício ao filantropo. Assim, nas paredes da universidade era comum ver cartazes anunciando em letras garrafais: "Free pizza!". E, mais abaixo, em letras menores: "para quem doar sangue nessa sexta-feira...". E aí os meus amigos gringos vinham me perguntar se eu já havia cumprido o dever cívico de doar sangue (tá louco?), e ficavam todos os doadores se auto-congratulando por sua bondade e amor ao próximo, quando o que desejavam mesmo era apenas a porcaria da pizza gratuita e o status social que vinha com qualquer atividade comunitária.

Nunca entendi essa mentalidade, essa frieza até na hora de se fazer um gesto supostamente humanista. Algum tempo depois trabalhei, durante um semestre, numa organização voluntária que prestava acompanhamento a crianças e jovens problemáticos _o que, em uma cidade como a Filadélfia, queria dizer negro ou latino, pobre, com antecedentes criminais, uma família completamente desestruturada e um histórico de problemas com drogas ou prostituição. Foi uma das experiências mais frustrantes da minha vida, penetrar naquele mundo e ser virtualmente impotente para solucioná-lo. Meus colegas de voluntariado, porém, pareciam satisfeitos: faziam a sua parte e estavam felizes por poderem ajudar. Atribuía essa diferença de comportamento à frieza nórdica até ler, essa semana, um livro revoltantemente fantástico, que é o Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda.

E lá está a chave para o mistério, quando Buarque fala da diferença entre cooperação e "prestância" (helpfulness) e seus antípodos, competição e rivalidade. Diz ele: "Tanto a competição quanto a cooperação são comportamentos orientados, embora de modo diverso, para um objetivo material comum: é, em primeiro lugar, sua relação com esse objetivo o que mantém os indivíduos respectivamente separados ou unidos entre si. Na rivalidade, ao contrário, como na prestância, o objetivo material comum tem significação praticamente secundária; o que antes de tudo importa é o dano ou o benefício que uma das partes possa fazer à outra. Em sociedades de origem tão nitidamente personalistas como a nossa, é compreensível que os simples vínculos de pessoa a pessoa (...) tenham sido quase sempre os mais decisivos. (...) O peculiar da vida brasileira parece ter sido (...) uma acentuação singularmente enérgica do afetivo, do irracional (...) e uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras". Isso por herança da nossa colonização ibérica, formada intrinsicamente por aventureiros e homens em busca do lucro rápido. "Seu ideal será colher o fruto sem plantar a árvore". A moral do trabalho foi "sempre fruto exótico" para portugueses, e Buarque escreve que "Não admira que fossem precárias, nessa gente, as idéias de solidariedade. A bem dizer, essa solidariedade (...) existe somente onde há vinculação de sentimento mais do que relação de interesse."

Magistral. Do personalismo português para o brasileiro, foi apenas ato reflexo. E desse personalismo sentimental que permeia as atividades coletivas para a vida política é apenas um passo, passo esse que eu não darei aqui para não roubar do leitor o prazer que é ler essas linhas no original.

A diferença no fazer filantropia de brasileiros e americanos, antes de demonstrar diferentes afetos, é sintomático de macroestruturas radicalmente diversas, e que levam seus países a caminhos necessariamente diferentes. Compreender não só a solidariedade dissimilar, mas especialmente suas causas mais profundas, assim como as diferenças que nos separam de todos os outros povos, é a primeira tarefa de quem quer construir um Brasil mais solidário, tanto no nível de ação pessoal quanto no único que ainda me parece capaz de equacionar nossos problemas, que é a estrutura de poder estatal.


Cantinho do Energúmeno

O leitor Felipe Bugiato mostra o fabuloso trabalho feito pelo pessoal da revista Sexy online no ensaio da outrora poderosa Isadora Ribeiro. Usaram tanto dos efeitos computadorizados (para tapar celulites?) nas fotos que, na foto número 3 publicada no site, a única parte que restou do membro superior esquerdo da modelo foi a mão. O braço, ninguém sabe, ninguém viu. Tomou doril. Como dizia aquele personagem do programa humorístico: "Falha nosssssaaaa."


Alagado

Vejo estupefato o trágico acidente de Herbert Vianna. Se, como antigo fã do Paralamas, torço pela pronta recuperação desse grande músico, já como ser humano penso se, a se confirmarem as notícias de que o acidente foi causado por barbeiragem durante manobra irresponsável, o fardo de saber-se culpado pela morte de sua amada e mãe dos seus filhos não será pesado demais para alguém que não seja personagem de Sófocles carregar. Dor como essa não se deseja nem ao pior inimigo.


Canal da Mancha

Relocou-se o signatário desta para Paris, e aqui deve permanecer, oxalá, pelos próximos meses.

Leia colunas anteriores
31/01/2001 - Porto Alegre, um começo
24/01/2001 - A brasilidade e o universal
17/01/2001 - De túmulos, covas e políticos
10/01/2001 - Lalau, Inc.
03/01/2001 - Quer chiaccherare, seu obnoxious?


| Subir |
Anterior

Biografia
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A - Todos os direitos reservados.