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  18 de maio
  Do Dogma a DeMented
  Cannes - Este festival em 1998 marcou o lançamento público do movimento Dogma 95 e neste ano aponta para seu crepúsculo. A defesa de um cinema liberto das exigências inflacionadas quanto a valores de produção, lançada por um grupo de cineastas dinamarqueses então aqui representados por Lars von Trier e Thomas Vinterberg, reoxigenou a prática e o debate mundo afora, para muito além do cálculo publicitário presente na iniciativa.
Como deveria inexistir vácuo no universo das idéias (mesmo as cinematográficas), Cannes 2000 pode ter lançado um novo chamado, complementar ao Dogma e não menos importante. O alvo são tanto os jovens realizadores quanto nós do público.
O cineasta independente John Waters apresenta hoje fora de concurso sua nova comédia, ‘Cecil B. DeMented‘. Não me incluo entre os fãs incondicionais de Waters mas desta vez ele acertou a mão.
Cecil B. DeMented‘, que comento na Ilustrada de hoje, é um subversivo ataque à Hollywood dominada por fórmulas facilitárias de produção dos anos 90. Os heróis de Waters formam um grupo terrorista de cineastas que defendem a versão americana do que no Brasil foi batizado por Jairo Ferreira de ‘cinema de invenção‘.
A gangue liderada pelo cineasta Cecil B. DeMented recorre a uma estratégia de extrema violência, com um chamado à luta armada envolvendo sequestro e mortes, que lhe garante impacto dramático no universo específico do filme de Waters mas exige uma releitura à Gandhi (o filósofo da militância não-agressiva e não a hagiografia assinada por Richard Attenborough) para ter seu potencial transgressivo legitimado para o mundo concreto.
O catálogo do festival publica um manifesto de Cecil B. Demented/John Waters que resume o essencial de sua revolta. Ao lado de conclamações radicais que só fazem sentido dentro da lógica fabular do filme, encontram-se trechos certeiros de protesto contra a banalização do grande cinema americano: ‘(...) Das poltronas vazias de cada boa sala de cinema dos EUA, nós nos levantaremos e tomaremos de volta a tela. Basta de refilmagens em inglês de filmes estrangeiros! Basta de filmes baseados em estúpidos videogames! Basta de sequências para cansativas superproduções arrasa-quarteirão!‘.
A seita de DeMented não se furta em explicitar seus cineastas de culto, não restritos à cena americana. Otto Preminger (Laura), David Lynch (Veludo Azul), Spike Lee (Faça a Coisa Certa), Almodovár (Tudo Sobre Minha Mãe) e Fassbinder (O Casamento de Maria Braun) estão entre eles. (Qual seria o panteão brasileiro equivalente? Escreva-me propondo).
A provocativa campanha de Waters convoca a Hollywood contemporânea a repensar-se, no oportuno momento em que até o conservador Oscar piscou neste ano em favor de uma cinema ‘made in USA‘ mais ousado e independente, de ‘Beleza Americana‘ a ‘Meninos Não Choram‘. Convida ainda os jovens cineastas a expandirem seu referencial para muito além de ‘Star Wars‘ e ‘Patch Adams‘ (modelos negativos explicitamente citados no filme).
Waters passa também um recado direto à platéia. Não se renda à pobre dieta fílmica ofertada pelos grandes estúdios. Vote com os pés (e as carteiras), prestigiando nas salas à produção mais inventiva e mais respeitosa de sua inteligência e sensibilidade, venha de onde vier -Taiwan, Brasil ou mesmo as exceções de Hollywood.
De passagem, DeMented não deixa de lutar pelo resgate de um princípio básico da civilidade nos cinemas, muito comprometido pela libertinagem dos que confundem as salas de projeção com extensões do próprio quarto de TV: começada a sessão, faça silêncio. Faltou dizer: e desligue o celular -um gesto mínimo de educação que têm sido desrespeitado cotidianamente mesmo por alguns colegas presentes em Cannes.

* * *

Por limitações de espaço, um corte da edição eliminou o último parágrafo de minha resenha negativa a ‘Estorvo‘, de Ruy Guerra, que circulou na Ilustrada de papel e online da segunda passada. Eu dizia: ‘lutando para emprestar alguma organicidade ao filme, destaca-se uma câmera inquieta e expressionista, colada aos personagens e aos objetos, dirigida por Marcelo Durst. Sua luta inglória é o ponto alto de mais uma adaptação corajosa mas malograda‘. Resgato essa conclusão para fazer justiça a Durst e matizar o comentário.


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11/05/2000 - Um papo sobre o futuro
04/05/2000 - Cinema para ler
27/04/2000 - Quem tem medo dos curtas?
20/04/2000 - Cannes on line

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