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Os
cinco clones escoceses foram produzidos pela empresa PPL Therapeutics,
a mesma que criou Dolly. Seu negócio não é clonagem, mas desenvolvimento
de animais transgênicos, como ovelhas que produzem proteínas humanas
no leite ou porcos cujos órgãos possam ser implantados em seres
humanos sem rejeição.
Na
reprodução sexuada, metade dos cromossomos vem do pai e a outra
metade, da mãe. As células reprodutivas, ou gametas (espermatozóides
e óvulos), têm só meio jogo de cromossomos, que não formam pares,
característica que faz delas células "haplóides". Na união dos gametas
(fecundação), ocorre um reemparelhamento dos cromossomos. Na clonagem,
os pares são herdados já prontos das células normais ("diplóides")
de um mesmo indivíduo, dando origem a uma cópia sua.
Não
é fácil introduzir um gene num animal e obter com isso o efeito
desejado, como a produção de um remédio no leite ou a eliminação
de proteínas que desencadeiem a rejeição de órgãos do porco-doador
em seres humanos. Organismos não são máquinas. Podem surgir defeitos
imprevistos, como animais doentes. Quando a transgênese dá certo,
a clonagem serviria para obter muitas cópias padronizadas do produto
bem-sucedido.
Se
for superado o problema da rejeição, o risco maior de xenotransplantes
porco-homem passa a ser a transferência de vírus entre espécies,
já confirmada entre porcos e camundongos num artigo da revista "Nature".
São os chamados PERVs, ou retrovírus endógenos do porco, partículas
adormecidas entre os genes do animal, que podem ser reativadas no
organismo humano e, possivelmente, causar doenças desconhecidas.
Foi assim que surgiu a Aids, com a adaptação de um vírus de chimpanzé
ao homem, criando o HIV.
Células-tronco
("stem cells", em inglês) são aquelas que preservam a capacidade
de diferenciar-se em centenas de tipos de células que existem num
organismo. As primeiras, do embrião, são ditas "totipotentes", porque
podem dar origem a qualquer tipo. Num organismo adulto existem células-tronco
em muitos tecidos, como medula óssea, sangue e pele, mas estas só
conseguem transformar-se, no funcionamento normal do corpo, em alguns
poucos tipos. Por isso são chamadas de "pluripotentes" e "multipotentes".
Fígado de porco -você ainda vai ter um
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Xena, a leitoinha-clone;
clique aqui para ver um vídeo da bichinha |
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A notícia da semana só não é mais espantosa porque já parcialmente
conhecida: dois grupos de biotecnólogos, na Escócia e no Japão, conseguiram
clonar porcos, como havia sido feito antes com ovelhas (Dolly, lembra?),
camundongos, cabras e vacas. Mais que uma façanha técnica, pode ser
o nascimento de uma nova indústria
.
Seu último produto é a porquinha aí de cima, Xena, que viu a luz do
mercado no dia 2 de julho. Ela saiu do ventre de uma mãe-porca de
aluguel com pelagem branca (note a pele rosada no canto superior direito
da imagem). Sua verdadeira mãe -seria mais correto dizer seu original-
foi um feto do sexo feminino de pêlos pretos sacrificado aos 24 dias
de gestação para fornecer a célula com
um jogo completo de cromossomos
a ser xerocada.
Por que Xena? É uma alusão não à heroína bem-dotada da TV vespertina,
mas à utilidade que deve gerar os maiores ganhos com clones de porcos,
os xenotransplantes ("xeno", em grego, significa estranho, ou estrangeiro,
como em "xenofobia"). Por seu tamanho e fisiologia, porcos são vistos
como fonte alternativa para equilibrar oferta e demanda de órgãos
para seres humanos. A clonagem serviria para garantir padronização
.
Embora mexa com a imaginação das pessoas, esta pesquisa envolve problemas
que não costumam chamar tanta atenção. Um deles é a ineficiência do
processo: 110 tentativas para produzir 1 clone, no Japão, e 80 para
1, na Escócia. Mais um: o risco de transmitir vírus
do porco para o homem .
Outro ainda: a competição entre publicações científicas -no caso,
"Nature"
e "Science"-
para ter a primazia de publicar os resultados da clonagem.
Leia
as reportagens da Folha de quinta-feira sobre essa disputa
no mercado de futuros.
E aí, vai levar?
Conte para Ciência em Dia
o que você pensa dessa história de órgãos de porcos transgênicos na
barriga ou no peito de seres humanos. Responda às seguintes perguntas,
para que os resultados possam ser apresentados, semana que vem, de
modo organizado:
1. Você é contra ou a favor de transplantes porco-homem? Por
quê?
2. Aceitaria ser o primeiro a receber esses órgãos, se fosse
para salvar sua vida?
3. Em caso afirmativo: Do que teria mais medo, do preconceito
de outras pessoas por ter se tornado uma "quimera" (parcialmente "porco"),
ou de adquirir uma doença suína?
4. Em caso negativo: O que mais o incomoda, o fato de o doador
ser porco ou o de ser transgênico?
Células de embrião
Na quarta-feira, o governo britânico divulgou relatório recomendando
que o Parlamento do Reino Unido permita pesquisas com células-tronco
,
como havia antecipado a Folha dois dias antes. Há objeções
éticas a esse tipo de experimento, porque envolve a clonagem e destruição
de embriões humanos. Se você quiser se aprofundar no tema, eis algumas
sugestões de leitura na Internet:
Editorial
da Folha de ontem;
Dossiê
da revista britânica da divulgação "New Scientist" sobre o tema;
Relatório
do governo britânico.
Site
da semana
Saiba mais sobre a dupla de estudantes americanos que atravessa os EUA numa kombi movida a óleo de cozinha usado, história contada em reportagem de Álvaro Pereira Jr. na Folha de domingo.
Aviso aos navegantes
Algumas das páginas de Internet indicadas exigem registro
ou pagamento para acesso a seu conteúdo. No caso dos artigos
científicos, a maioria é escrita em inglês.
Leia
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14/08/2000 - Conheça
o RNA, a máquina da vida
07/08/2000 -
A hora e a vez
de rotular transgênicos
17/07/2000
- O genoma verde e amarelinho
10/07/2000 - Por
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03/07/2000 - Quem
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