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  5 de janeiro de 2001
  Mistura Fina
   
   

Os juros do Fed, a sorte de FHC e o terceiro tempo

A decisão (relativamente) inesperada do Federal Reserve, Banco Central dos EUA, de baixar em 0,5 ponto percentual os juros americanos na quarta (3/1) deve ter sido recebida com rojões no Palácio do Planalto. Agora entende-se melhor a declaração do presidente do Banco Central brasileiro, Armínio Fraga, há exatas duas semanas. No dia 21 de dezembro, Fraga disse: "Há dois meses eu achava que estávamos no olho do furacão. Mas o Greenspan jogou uma bóia".

Enigmática, a confissão de Fraga parecia fora de lugar quando, naqueles dias, o Fed anunciava que, ao contrário do que se esperava, não reduziria a taxa de juros para 6,0%, como fez agora. O fato de Greenspan ter se antecipado em quase um mês à esperada redução e tê-la feito em dobro (a expectativa era de que a baixa fosse de apenas 0,25 ponto percentual apenas no final de janeiro) explica a frase do brasileiro.

É provável que Fraga tenha interpretado corretamente o recado e as mensagens vindas dos EUA em meados de outubro. O sentido delas era claro: o presidente do Fed fará o que estiver ao seu alcance (leia-se manipular os juros) para evitar que a economia americana entre em recessão. De que o crescimento diminuirá não resta dúvida. A questão é saber se haverá encolhimento. A diferença, para FHC, pode ser decisiva.

O resultado do jogo ainda está longe de ser conhecido. Os efeitos das mudanças na taxa de juros são de médio prazo. Isto é, até meados do ano, os EUA ainda estarão sob o impacto da alta dos juros nos últimos tempos. Apenas no segundo semestre se saberá se o ritmo de redução, que agora começa a ser implementado, será suficiente para impedir que a atividade econômica afunde em 2001. Para o presidente Fernando Henrique, contudo, o quanto antes o Fed começar a atuar, maiores serão as chances de que, outra vez, a economia brasileira escape, por pouco, do pior cenário. Atrelada, e com poucas defesas, à economia norte-americana, a situação do Brasil depende em boa medida do que é decidido em Washington e Nova York.

FHC é, sabidamente, um homem de sorte. Sem ser um líder de massas, chegou à Presidência da República arrastado por uma cadeia imprevisível de acasos. Quem poderia supor que Fernando Collor - este sim um mago do voto direto - seria afastado do Planalto por impeachment? Quem jamais imaginaria que FHC ocuparia um cargo, o de ministro da Fazenda, até então reservado a homens relacionados à economia e ao mundo dos negócios?

Foi necessário que tivesse assumido a Presidência um político regional como Itamar Franco, a que ninguém havia prestado atenção quando se fez vice de Collor, para convidar um sociólogo a assumir o comando da economia do país.

Quem arriscaria dizer que, após uma década de planos infrutíferos contra a inflação, surgiria uma equipe capaz de mantê-la sob controle por um período de quase sete anos? A situação era tão imprevisível que o principal candidato da oposição em 1994, Lula, demorou quase um ano para absorver a derrota e compreender o que havia ocorrido.

A boa fortuna de Fernando Henrique não pára por aí. A queda da inflação foi sustentada por um câmbio sobrevalorizado, como hoje o dizem até mesmo os governistas. Com o real posto acima do que valia e uma taxa de juros absurdamente alta, FHC enfrentou, no fio da navalha, as crises internacionais de 97 e 98. A indústria brasileira quebrou, o desemprego estourou, e mesmo assim ele conseguiu vencer a eleição porque empurrou, à beira do abismo, o desfecho da crise para três meses depois do pleito de 98.

Obrigado, por fim, a desvalorizar o câmbio dois anos atrás, o presidente viu a economia estagnar em 99 e, óbvio, a própria popularidade cair. No entanto, as consequências não foram tão graves quanto se esperava e em 2000 houve uma melhora moderada. Resultado: a aprovação do governo subiu, também de modo lento. Mas a tensão continuará. Como a vulnerabilidade externa do Brasil só faz crescer, os ouvidos planaltinos estão ultra-sensíveis para os mínimos movimentos no hemisfério norte. Daí a frase de Fraga. Greenspan pode jogar uma bóia ou deixar o barco brasileiro afundar. Será que, outra vez, bons ventos empurrarão a nave de FHC para mais uma vitória (fazer o sucessor) em 2002?

Para que essa história não pareça apenas um jogo de azar, reconheça-se que Fernando Henrique demonstrou dominar um dos elementos fundamentais da política: o tempo. Tanto em 94 como em 98 soube ajustar com perfeição o ritmo das mudanças econômicas ao da disputa eleitoral. Conseguirá fazer o mesmo para o próximo pleito?

Em todo o resto, porém, o caso de FHC desmente Maquiavel. O escritor florentino dizia que a fortuna dependia da audácia, porque era mulher e preferia os homens que a agarravam pelos cabelos (como se vê, era uma época em que o politicamente correto não estava na moda). Em outras palavras, Maquiavel achava que o político bem-sucedido é aquele que corre riscos.

Fernando Henrique notabiliza-se pela prudência e cautela. Por conta delas irrita e frustra os que esperam grandes gestos, medidas que possam resgatar milhões de brasileiros da pobreza e, como diria Maquiavel, trazer-lhe a honra e a glória. O presidente preocupa-se, apenas, em administrar o tempo. Terá êxito pela terceira vez?

Livro da semana

O prêmio Nobel de Literatura José Saramago acaba de lançar "A caverna" (Companhia das Letras). Sobre Saramago não é necessário estender-se. É hoje, provavelmente, o principal escritor vivo em língua portuguesa.

Trecho

"Cipriano Algor pergunta-se se teria levado um banco de pedra para a cama ou se irá acordar coberto de orvalho no outro banco de pedra, o das meditações, os sonhos humanos são assim, às vezes pegam em coisas reais e transformam-nas em visões, outras vezes põem o delírio a jogar àescondidas com a realidade, por isso é tão frequente confessarmos que não sabemos a quantas andamos, o sonho a puxar de um lado, a realidade a empurrar do outro, em boa verdade a linha recta só existe na geometria, e ainda assim não passa de uma abstracção."

Verso pop da semana

"Some get a kick from cocaine
I'am sure that if I took
Even one sniff
That would bore me
Terrificaly too,
But I get a kick out of you"

Cole Porter, em I get a kick out of you

Verso pop para fim-de-semana de começo de verão

"Mulher
Não vá se afobar
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar
Ponha os pratos no chão, e o chão tá posto
E prepare as linguiças pro tira-gosto"


Chico Buarque, em Feijoada completa


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29/12/2000 - Acelera,FHC
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