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Contas
que não fecham
Chega o fim do ano, está todo mundo cansado. Não é um bom momento
para pedir atenção a cálculos áridos e raciocínios estreitos de
perdas e ganhos. Ocorre que algumas discussões recentes requerem
esse tipo de tratamento para que a ideologia, no sentido forte termo,
isto é como falsa consciência, não tome conta dos espíritos.
Veja-se o debate suscitado na semana passada sobre a conveniência
de se abrir mais ou não a economia brasileira ao exterior. Em outras
palavras, trata-se de saber se vale a pena diminuir a tarifa cobrada
de produtos importados.
Os termos da conversa opuseram
liberais e protecionistas. Os primeiros, comandados pela equipe
do Banco Central, pregam taxas menores em nome do choque de concorrência.
Os outros, liderados pelo Ministério do Desenvolvimento, querem
segurar o ritmo da abertura, de modo a preparar as empresas brasileiras
para a competição.
Por ora, venceram os protecionistas. No entanto, interessa aos cidadãos
entender o fundo da polêmica até para opinar, por meio do voto,
quando forem chamados a tanto dentro de dois anos.
A divisão ideológica entre os grupos estaria clara - liberais à
direita e protecionistas à esquerda - e os eleitores poderiam optar
pelo caminho que lhes parecesse mais adequado nas eleições de 2002.
Se atentarmos à argumentação dos protecionistas, porém, perceberemos
uma conta que não fecha. Bom exemplo é o artigo do empresário Benjamin
Steinbruch.
O presidente da Companhia Siderúrgica Nacional afirma que enquanto
"os pesados encargos trabalhistas e a carga tributária excessiva"
continuarem a encarecer os produtos brasileiros é necessário continuar
a protegê-los. A condição, portanto, para baixar a tarifa externa
- objetivo do qual ele compartilha - é diminuir o "custo Brasil",
leia-se cortar benefícios que a legislação garante ao trabalhador,
como o fundo de garantia com multa de 40% em caso de demissão sem
justa causa, as férias remuneradas acrescidas de 1/3 do salário
e o décimo-terceiro salário.
Os que se alinham nas hostes protecionistas estão dispostos a arcar
com tais cortes? Não que os liberais representem uma alternativa
branda para os trabalhadores. A depender deles, a desregulamentação
das obrigações trabalhistas seria ainda mais veloz. O problema está
justamente em que o problema do comércio exterior remete, em qualquer
das duas versões (liberal e protecionista) para a competitividade,
a qual, por sua vez, toca no problema de baixar o custo da mão de
obra. Será que a mão de obra foi avisada?
A outra frente atacada por Steinbruch, e também mencionada pelo
ex-ministro Rubens
Ricupero, é o dos impostos cobrados pelo Estado à produção.
Clama-se por uma reforma tributária que alivie de tal ônus os produtos
brasileiros, de forma que eles se tornem mais baratos e possam enfrentar
os estrangeiros.
Ora, diminuir impostos significa retirar do Estado, capacidade de
realizar política social, quer dizer, menos dinheiro para aplicar
em áreas como saúde, educação e salário-desemprego. Ou seja, da
mesma maneira que reduzir os encargos trabalhistas implica cortar
benefícios dos empregados, desonerar a produção da carga fiscal
hoje existente resultará em mais enxugamento nos programas estatais.
Estão conscientes disso os que dependem deles?
* Por falar, em programas sociais, é da mesma ordem de problema,
a situação que Marta
Suplicy e João Sayad começam a enfrentar, mesmo antes de assumir,
na Prefeitura de São Paulo. Uma medida da gestão Pitta reduziu o
Imposto Sobre Serviços (ISS) de algumas empresas que atuam na cidade.
Em tese, a medida parece boa, uma vez que o fato de o ISS paulistano
ser mais alto do que o dos municípios vizinho têm afugentado grande
número de pequena empresas de São Paulo. Com isso, a municipalidade
perde arrecadação. Para as empresas cujo imposto foi reduzido (como,
em outra esfera, reivindica Steinbruch), com certeza a decisão de
Pitta foi muito bem-vinda.
Pelos cálculos da equipe de Sayad, contudo, a decisão de Pitta acarretará
diminuição de quase R$ 276 milhões para os cofres municipais. É
dinheiro suficiente para tocar nada menos que os projetos de renda
mínima, bolsa-trabalho, banco do povo, começar de novo e alfabetização
de adultos, de acordo com dados apresentados pela Folha ("Conheça
o custo dos principais programas do PT", Folha de S. Paulo, 19.12.2000,
página C-1).
Em resumo, as decisões reais a serem tomadas pelos políticos - e
por nós cidadãos que os escolhemos - quase sempre envolve tirar
de uns para dar a outros. A questão é de quem se tira e a quem se
dá. Seria bom que o público tivesse consciência disso na hora de
votar.
Livro da semana
Nas minhas (poucas) horas vagas, gosto de ler sobre os Templários,
a ordem de cavaleiros medieval mais poderosa da Europa. Parece romance
policial, só que aconteceu na história real.
Acaba de sair no Brasil "Os Templários" (editora Imago), em que
o autor, Piers Paul Read, procura separar os fatos da montanha de
ficção criada ao longo dos séculos em torno da Ordem do Templo.
Trecho
"Qual foi o veredicto da história sobre os templários? Desde a época
do seu julgamento, a opinião estava dividida quanto a se eles haviam
cometido ou não os crimes a eles imputados. Dante Alighieri julgou-os
vítimas inocentes da cobiça do rei Filipe, ao passo que Raimundo
Lúlio, o poeta, místico, missionário e teórico das cruzadas maiorquino,
embora a princípio em dúvida, acabou por aceitar que as acusações
feitas contra a Ordem do Templo eram verdadeiras. Contudo, ambos
eram sectários: Dante tinha sido expulso de Florença pela facção
apoiada por Carlos de Anjou, enquanto Lúlio, como Filipe, o Belo,
era fanaticamente a favor da fusão das duas principais ordens militares".
Verso pop da semana
"No pretenden glorias ni laureles, laureles, laureles
Sólo pasan a papeles, papeles, papeles
Experiencias totalmente personales, zonales, zonales
Elementos muy parciales que juntados no son tales"
Léo Masliah, Biromes y servilletas, gravado por Milton Nascimento
em "Nascimento"
Os erros do meu latim ruim
Advertido pelo colega Hélio Schwartsman, corrijo o erro de latim
na primeira frase da última coluna. O certo é habemus papam e não
habemos papa, como escrevi. É isso que dá ouvir Roberto Carlos em
lugar de ler Cícero no original. Obrigado, Hélio.
Leia
colunas anteriores
15/12/2000 - O Império dividido
13/12/2000 - ACM contra FHC é
duelo do estilo Lacerda com o jeito PSD
08/12/2000 - Turista acidental toma
cajuína em Fortaleza
06/12/2000 - Congresso, fim de milênio
e sorvete de manjericão
1º/12/2000 - Por que a disputa
no Congresso ficou tão importante
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