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André Singer
asinger@uol.com.br
  31 de janeiro de 2001
  Mistura Fina
   
   

Política, economia e moral se
misturam nos efeitos do caso Pinochet


A histórica decisão tomada segunda-feira (29/01) pelo juiz Juan Guzmán Tapia de processar e pedir pela segunda vez a prisão domiciliar do ex-ditador Augusto Pinochet Ugarte deverá ter repercussões políticas de longo prazo no Chile. Convém, contudo, analisar com cuidado os dados do problema. Aquilo que parece - e é - uma vitória moral da esquerda pode resultar em um fortalecimento político da direita nas próximas eleições parlamentares, que ocorrerão em dezembro.

O Chile está hoje dividido ao meio. O presidente Ricardo Lagos, do Partido Socialista (PS), foi eleito um ano atrás, em segundo turno, com uma diferença de apenas 2 pontos percentuais sobre o adversário, Joaquín Lavín. O jovem economista, que quase breca a ascensão de Lagos, pertence à União Democrática Independente (UDI) e foi bem próximo a Pinochet.

Decorridos poucos meses da vitória socialista, a primeira desde que Salvador Allende chegou a La Moneda em 1970, o pleito municipal de outubro de 2000 revelou novo crescimento da oposição de direita. Lavín tornou-se o prefeito de Santiago, de longe a maior cidade do país. Na capital vivem cerca de 1/3 de todos os quase 15 milhões de chilenos. Para surpresa de analistas estrangeiros, a direita, que obteve 40% dos votos nacionais e metade das Prefeituras, cresceu nos locais em que o desemprego é mais forte.

A explicação, no entanto, é simples. A Concertación Democrática, que reúne o PS e o tradicional Partido Democrata Cristão (PDC), governa o Chile há dez anos. Lagos, como ele mesmo gosta de dizer, é menos o primeiro presidente socialista depois de Allende e mais o terceiro mandatário do bloco que está no poder desde a saída de Pinochet, em 1990.

Na década administrada pela Concertación, o desemprego, que era alto, mas vinha caindo, no final dos anos 80, voltou a empinar, conforme o governo de Eduardo Frei (1995-1999) chegava ao fim. A taxa de 11%, atingida em 1999, foi das mais altas dos últimos decênios. Uma parte do eleitorado chileno, como o de todas as democracias, reagiu a isso depositando votos na oposição, de direita no caso.

Em conseqüência, a principal meta de Lagos foi reduzir a desocupação. Ao assumir, em março de 2000, prometia terminar o ano com um índice de 7,5%. Não conseguiu. A média ficou em 9,2%, o que explica a vitória de Lavín em Santiago e da direita em outras localidades populosas.

O caso Pinochet incide como uma diagonal nesse gráfico de problemas econômicos. O fato de que as Forças Armadas tenham reconhecido, pela primeira vez, há poucas semanas, que opositores do regime pinochetista foram arrojados ao mar sem piedade, em 1973, configura uma conquista moral inegável das forças próximas ao governo. Não por acaso, o congresso do PS terminou no último fim-de-semana (28/01) com um ato no túmulo do ex-presidente Salvador Allende.

Ocorre que a direita procura explorar a ofensiva contra Pinochet como ato também desumano. Afinal, o ex-presidente tem 85 anos e sofre, em grau incerto, de uma diminuição da capacidade mental. Desloca-se com dificuldade. A filha mais velha disse, ao saber do novo pedido de prisão, que, a partir daquele momento, colocava a vida do pai nas mãos do juiz Guzmán.

Trata-se de uma guerra de mártires. Os pinochetistas tentam transformar o velho ditador - a quem denominam "O Libertador" - em vítima das forças que desejam fazê-lo pagar, 30 anos depois, pelo crime de ter "salvado" o Chile das garras do "marxismo internacional". A esquerda pretende que se faça justiça aos militantes e dirigentes que foram trucidados pelas forças militares.

No meio da luta, joga-se o futuro da Concertación. A reação cautelosa do governo, que evitou comemorar a decisão do juiz Guzmán, explica-se pela delicada situação de equilíbrio político em que está o país.

É provável que o resultado político, a ser medido na quantidade de deputados a serem eleitos por cada bloco em dezembro, seja decidido mais no plano da economia do que da moral, embora esta tenha uma dinâmica própria, a ser levada em conta. Marx já dizia que era necessário atentar, sem determinismos, para a base material das relações sociais.

Livro da semana

Ariel Dorfman foi uma espécie de menino-prodígio. Com menos de 30 anos ficou famoso ao publicar Para ler o Pato Donald, um texto do começo dos anos 70, em que criticava o imperialismo cultural. De lá para cá, Dorfman, que é chileno e norte-americano ao mesmo tempo, continuou a produzir ensaios, aos quais acrescentou obras de ficção, sempre com grande repercussão. Neste romance A babá e o iceberg, procura dar conta do Chile atual. Creio que vale a pena dar uma olhada, para quem quiser entender um pouco melhor o pano de fundo sobre o qual transcorre o caso Pinochet comentado acima.

Trecho

"Você quer que alguém destrua o iceberg?"

"Quero que tentem. Quero alguém lá fora que odeie o iceberg tanto quanto eu o amo, quero que faça a tentativa. Isso me manteria seguindo adiante. Deixe-me contar-lhe quando eu me senti mais vivo do que nunca. Escreva isso, vamos, isso permitirá que seus leitores estrangeiros entendam uma ou duas coisas. Você sabe quando? Quando Allende quis expropriar nossa fábrica de refrigeradores no início dos anos setenta. Sim, os socialistas queriam entregá-la aos trabalhadores. Como se eles tivessem alguma idéia de como administrá-la. Queriam derrubá-la, isso é o que queriam. E nós lutamos com eles, demos uma surra neles, vencemos. Chile, país ganador, um país que sabe como vencer."

Verso popular da semana:

"Solo el amor con su ciencia
Nos vuelve tan inocentes".


Violeta Parra (1917-1967), compositora e cantora chilena, em "Volver a los 17".

Verso pop do fim-de-semana (apesar do verão):

"Já não sinto saudade, saudade de nada que fiz
O inverno, do tempo, da vida
Oh, Deus, eu me sinto feliz"

Cartola e Roberto Nascimento, em "O inverno do meu tempo".


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